A LEGALIZAÇÃO DA CLASSE OPERÁRIA, de Bernard Edelman - Relatório e Observações à Primeira Parte (p.
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Relatoria encontro 12/05/2016
p. 27: sabe-se que o capital toma a forma jurídica no processo de produção, mas é preciso investigar os mecanismos que asseguram concretamente o poder jurídico do capital. É preciso investigar, para além do caráter fictício da vontade contratual do operário, como o contrato de trabalho está ligado ao capital e ao direito de propriedade
p. 29: a jurisprudência demonstra, a partir da ocupação dos locais de trabalho nas greves, que o contrato de trabalho e o direito de propriedade são a mesma coisa. O trabalhador só tem direito de entrar no local de trabalho por conta de sua relação contratual com o capital. Com a greve, esse contrato é suspenso, cessando-se a sua admissão nas dependências da fábrica
p. 30: o direito é uma expressão organizada das aparências do mercado, e que faz funcionar todas as categorias da circulação, corroborando a ilusão de que o contrato de trabalho consiste na troca de salário por trabalho (e não por força de trabalho). Dessa maneira, o direito usa o salário para ocultar a mais-valia, assim como usa o homem para ocultar o trabalhador explorado. As figuras do homem, do trabalho e do salário estão organicamente ligadas no contrato de trabalho, que as torna eficaz ao reforçar as mistificações da economia política
p. 31: o poder jurídico do capital é naturalizado pela noção de título de propriedade, do qual surgem os direitos à percepção dos frutos da coisa sob domínio, especialmente no caso dos meios de produção. A riqueza, assim, aparece como desdobramento da propriedade, e não como criação do trabalho, embora não possa prescindir dele no processo de produção. Na realidade desse processo, verifica-se que a relação capital-trabalho se coloca como relação entre o título de propriedade e o título do trabalho. E essa mesma relação de produção aparece como contrato de trabalho para o operário e como direito de propriedade para o patrão, daí a forma desdobrada desse poder jurídico do capital, dessa manifestação, no plano do direito, da separação entre o trabalhador e os meios de produção
p. 32: a organização sindical, nos termos definidos pelo direito, só pode existir observando a lógica do contrato de trabalho e do direito de propriedade, colocando em primeiro plano as imagens do homem e do mercado. Isto faz com que a classe operária tenha uma dupla existência: uma existência de fato, obscura, sem reconhecimento jurídico, e uma existência legal, mas que a transforma numa soma de sujeitos contratantes
Observação 1: Tenho uma dúvida. Parece que ele faz uma diferenciação entre o direito individual aplicado a sujeitos e o direito coletivo, que seria de fato. Como opera a ideologia nesse ponto? Parece que o direito tenta capturar o coletivo e não consegue.
Observação 2: Não consegue até certo ponto. Quando ele diz que a ideologia jurídica faz você trabalhar na perspectiva do trabalho e não da força de trabalho, toda a construção subsequente deve operar nesse padrão: o sindicato, a greve, etc. O que se apresenta como coletivo, imediatamente é fato, mas se só for fato, temos mais condições de recuperar a força de trabalho no lugar do trabalho. O direito deve, então, pegar tudo que é de fato e enquadrar juridicamente. Daí criam-se teorias, das mais absurdas às mais sofisticadas, para que a força de trabalho fique cada vez mais oculta. O que se apresenta como espontâneo e coletivo, na verdade é apenas na aparência. Não há deslocamento para a classe apenas por estar no sindicato ou na categoria.
p. 32-33: as massas existem no direito, mas o preço de sua existência é a sua própria negação como massas. Daí porque, inicialmente, os juristas enxergavam a greve apenas como uma circunstância de fato, e não como um direito. Mas para contemplar juridicamente a greve, foi necessário dar-lhe uma existência legal e, em seguida, dar-lhe a forma contratual do poder burguês
p. 33-36: entre o final do século XIX e o início do século XX, entendia-se que a greve era uma ruptura lícita do contrato de trabalho. Os trabalhadores perderiam seus direitos, mas não sofreriam nenhuma persecução penal por conta da paralisação do trabalho – muito embora estivessem sujeitos a cláusulas contratuais penais com encargos indenizatórios. As teses jurídicas sustentavam naquele instante que, na greve, os trabalhadores apresentavam a sua vontade de romper o contrato de trabalho. Isto permitia aos patrões afastar os líderes grevistas, contratar “amarelos” e fazer “listas negras”
p. 36-37: como reação, os juristas humanistas propuseram a contratualização da greve, no sentido de incluí-la no contrato de trabalho. Isto porque, ao fazer greve, os trabalhadores não teriam a intenção de romper com o contrato de trabalho, mas sim de perpetuá-lo sob outras condições. Nessa perspectiva, a classe operária ganha uma vantagem imediata, mas perde sua realidade de classe
Observação 3: Isso foi o que me chamou mais atenção: o que parece bom na verdade é péssimos.
Observação 4: É um livro francês escrito para a realidade europeia, mas há diferenças no direito brasileiro. Eu queria confirmar como ainda temos elementos de greve ruptura. Por exemplo: discute-se no Brasil se no serviço público pode-se pagar os salários de quem realiza a greve, se é possível ou não fazer a ocupação. (...) A conciliação é um grande truque do direito. Ela desaparece com a luta de classes. O grande projeto político de esquerda continua sendo o mesmo.
Observação 5: Quando os metroviários propõem catraca livre ao invés de fechar o metrô, o governo também proíbe. Essa questão deixa bem claro que não há vontade de ruptura do contrato, mas parte-se para outros instrumentos jurídicos para impedir o movimento.
Observação 6: Nos países periféricos, as fases teóricas são menos divididas entre si, não há uma sequência de evolução bem delineada. Na Europa ficam mais claras as fases (...) Nossos humanistas são tecnicamente muito ruins. Poderiam fazer muito mais se compreendessem os conceitos mais avançados, como desvio de finalidade.
Observação 7: Houve no ABC anos atrás a “greve cambalacho”, em que a atividade não foi paralisada, mas os carros eram produzidos com defeito.
Observação 8: É como liberar as catracas, uma espécie de sabotagem do processo de trabalho.
Observação 9: Isso se resolve colocando dentro ou fora do conceito de greve. Nunca se coloca como fato, deve haver um enquadramento específico. Se for greve, é desvio de finalidade. São situações em que é atingida a produção. Quanto mais se luta dentro do processo produtivo, mais ela se torna perigosa.
Observação 10: Tem-se que arrumar um jeito de a greve política não ser política.
Observação 11: A jurisprudência uníssona do Brasil diz que o empregador não responsabilidade com a política. Por que? Em razão do descolamento entre política e sociedade civil, a produção.
p. 37-39: esses juristas humanistas opuseram o direito individual do contrato de trabalho ao direito coletivo da greve, que teria uma natureza de fato e, por isso mesmo, não trazia garantias jurídicas para os grevistas. A saída que apresentaram para essa contradição, e que foi abraçada por representantes da social-democracia como Jaurès, foi a contratualização da greve, que só seria lícita na medida do contrato de trabalho. Caso extrapolasse os limites contratuais, passaria a ser abusiva. Mas essa não foi apenas uma elaboração dos juristas e dos reformistas, mas sim uma reflexão sobre a forma estrutural pela qual o direito apreende a greve, sendo que jamais poderia fazê-lo fora do contrato de trabalho e da propriedade privada. Tanto é assim que a jurisprudência consolidou esse enquadramento, firmando que o movimento grevista só não rompe o contrato de trabalho com a obrigação de que os assalariados executem suas obrigações contratuais
p. 40: com a greve contratualizada, entra em cena a figura do abuso contratual, isto é, da greve abusiva. Tal abuso enseja a sanção pelo empregador, que encarna o poder disciplinar do capital para o bom funcionamento da empresa ou dos serviços públicos. Esse poder do empregador se exerce, pois, pela mediação do contrato
p. 42-43: o reconhecimento do direito de greve, portanto, é plenamente compatível com o poder de classe da burguesia, já que o referido direito é assimilado como modalidade de defesa de interesses profissionais, isto é, de reivindicações inerentes às cláusulas do contrato de trabalho. A partir daí, os tribunais traçaram as linhas demarcatórias que restringem a prática grevista, e que separam as greves lícitas das greves ilícitas
p. 43: nessa perspectiva, cabe denunciar a ilusão de um direito do trabalho autônomo, que seria separado do direito burguês em geral e mesmo oposto a ele. Não há um ramo jurídico operário, e os direitos sociais estão longe de representar qualquer forma de contestação à propriedade. O direito de greve, assim, é o direito burguês aplicado à classe operária, e não uma nova forma jurídica
p. 44: uma vez contratualizada, espera-se que a greve seja exercida com “lealdade”, como se pudesse haver, na luta de classes, respeito à lealdade, à boa-fé e às convenções. O operário, quando se opor ao capitalista, deve fazê-lo de modo “responsável”, deve agir como um “grevista normal”
p. 44-45: não há direito sem seu próprio limite, sem que contenha a possibilidade de abuso. Em Kant, isto aparece como conflito de liberdades, embora se trata, na verdade, de um conflito entre proprietários. O abuso do direito de greve consiste na desorganização da empresa, e isto é considerado abusivo porque prejudica o direito do empresário. Mas o prejuízo é inerente à greve, de sorte que inviabilizá-lo significa inviabilizar o próprio movimento grevista
Observação 12: É interessante a ambiguidade dos direitos do homem: serve para ocultar a classe, que é uma universalidade negativa, porque corta os limites individuais. Iguala a todos na frente e desiguala no verso. Isso ocorre na moral. A moral é, como o direito já foi, uma tentativa de recuperar a universalidade (...)
Observação 13: Temos que observar a correlação de forças antes de desacreditar a negociação.
Observação 14: O que se apresenta como correlação de forças, se é estabelecido dentro desse terreno, é uma falsa percepção de aparência. O exemplo claro é em junho de 2013. Houve um pico de manifestações. Ninguém estava nem aí para as ordens judiciais e ninguém prendia a multidão. O que se apresenta como correlação de forças é o momento em que a classe trabalhadora está ganhando. Se ela tiver suficiência para a vitória, ela não será empurrada ao terreno negocial, que é burguês. A negociação não é uma vitória política. Quando houver força suficiente, não haverá espaço para negociação.
Observação 15: Não depende só da mobilização, mas da direção.
Observação 16: Quando vi o “bom pai de família”, veio à minha cabeça o metrô com 100% de funcionamento.
Observação 17: No caso dos rolezinhos, o direito amassou sem espaço para negociação.
Observação 18: A negociação só surge quando a classe trabalhadora está por baixo.
p. 47: o “abuso” consiste precisamente em fazer funcionar a greve enquanto violência de classe, mas de modo a desencaminhá-la de seu objeto. Pois esta violência, se conduzida por fora das obrigações contratuais, demonstra na prática que os operários são os verdadeiros senhores da empresa e da produção. Essas obrigações, assim, são a última trincheira do direito de propriedade, isto é, da própria noção de empresa e do poder jurídico do capital
p. 48: da mesma forma que o direito pune quem vende uma mercadoria falsificada, ele pune o trabalhador que vende um mau trabalho, ou seja, que não cumpre com suas obrigações contratuais. A punição da prática grevista é uma defesa da cadência do trabalho e da produtividade normal. Fora dessas condições de reprodução do capital, a ação grevista será considerada ilícita. Por isso mesmo, o direito de greve é sempre burguês, ainda que a greve em si não o seja
p. 48-49: a caracterização do trabalho como uma categoria profissional parece inocente, mas ela exprime a separação entre sociedade civil e Estado, entre uma esfera de interesses econômicos privados, onde se insere o trabalho, e uma esfera política coletiva. Partindo dessa separação, os tribunais passaram a confinar as lutas operárias no domínio estritamente econômico, colocando a greve política na ilegalidade
p. 50-52: se o trabalhador suspende suas atividades laborais por razões extrínsecas ao contrato de trabalho, ele comete uma falta contratual. E sob a distinção entre sociedade civil e Estado, a política é exterior ao trabalho, ela ultrapassa a moldura dos interesses profissionais, e por isso se fala em abusividade das greves que apresentam motivações políticas. A greve política, alega-se, causa prejuízo a um empregador contra o qual ela não se dirige, e que não seria responsável pela política de Estado
p. 53: para ser absoluto e irrestrito, o direito de greve teria que ser uma aberração jurídica: uma liberdade incondicional. Se pudesse ser absoluto, não seria mais direito, pois haveria aí um poder comparável ao do Estado – e que só se justifica, juridicamente, pelo interesse geral a que corresponde a esfera pública. Não há direito que não se deixe limitar por outro direito
p. 56-57: do ponto de vista jurídico, a greve não deve ser usada para fins de poder, tampouco aspirar a exercer poder, pois isto a desvia da sua finalidade profissional. E quando o poder é exercido de modo diferente da finalidade que a lei prevê, ele deixa de ser jurídico e se torna uma via de fato. Dentro da lei, o poder é tido como organizado, harmonioso e democrático. Fora dela, ele é tido como anárquico, violento e arbitrário. É por isso que a classe operária não tem o direito, nessa perspectiva jurídica e liberal, de usar de seu poder fora da legalidade burguesa, a qual corresponde ao poder de classe da burguesia. A greve, em sendo uma medida de força do operariado, uma ação de justiça privada e autotutela, vive em tensão com a ordem jurídica, atraindo para si um tipo de regulamentação cujo escopo é impedir que os trabalhadores vinculem a luta contra o capital à luta contra o Estado
p. 59: a política, segundo o direito, é o funcionamento das instituições constitucionais, sendo que a classe operária só pode intervir nesse funcionamento ao exercer a cidadania, ou seja, ao se despir de sua condição de classe
p. 60-61: a doutrina jurídica não pode considerar o direito de greve como um direito inerente à pessoa humana em função de seu caráter coletivo. Com esse fundamento, o direito de greve deve ser regulamentado, sobretudo por envolver um poder de fato que se quer restringir e, no limite, suprimir. Trata-se de se transformar esse poder de fato em direito. Para os juristas progressistas, que nunca ultrapassam o horizonte jurídico, trata-se de se legalizar a greve política, ainda que isto signifique apenas transportar a cidadania e a visão burguesa da política para o local de trabalho
Observação 19: Interessante a questão do direito na greve, como na guerra.
Observação 20: O Estado como terceiro desinteressado é que limita o direito. É interessantíssimo como o livro da década de 70 antecipa uma coisa que é muito contemporânea, mas que é um positivismo requentado.
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