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IMPERIALISMO, ETAPA SUPERIOR DO CAPITALISMO, de Lênin - Relatório e observações ao Capítulos VIII-X


Relatoria do encontro de 10/03/16. Por conta do tempo, não foi possível debater a contento e em detalhes toda a parte destacada do texto. Entretanto, o debate foi razoavelmente representativo do que foi lido, uma vez que por momentos fez-se referência a excertos posteriores.


A apresentação do texto foi feita a partir de fichamento de leitura, que começa na página 137 do livro. Comentamos sem problemas os destaques de Lênin acerca do parasitismo como um dos aspectos muito importantes do imperialismo, que é o assunto do capítulo VIII, em que ele relaciona parasitismo e decomposição do modo de produção. O monopólio é contradição ao “ambiente geral” do capitalismo: de produção mercantil e da concorrência, porque “gera inevitavelmente uma tendência para a estagnação e para a decomposição”.


“Na medida em que se fixam preços monopolistas, ainda que temporariamente, desaparecem até certo ponto as causas estimulantes do progresso técnico e, por conseguinte, de todo o progresso, de todo o avanço; com isso surge também a possibilidade econômica de conter artificialmente o progresso técnico. (...) Naturalmente, o monopólio sob o capitalismo não pode nunca eliminar, completamente e por um período muito prolongado, a concorrência do mercado mundial (esta é, diga-se de passagem, uma das razões pelas quais a teoria do ultraimperialismo é um absurdo)”.


Resta então uma “tendência” à estagnação.


A partir deste ponto, chamou-se ao debate duas dificuldades apresentadas pela relatoria:


1) Por que “decomposição” do capitalismo? Pode ser decomposição da atividade produtiva (e mesmo isso parece equivocado para a relatoria) ou da livre-concorrência, mas seria isso o que define o capitalismo? Se, por exemplo, tomarmos o capitalismo como essencialmente um modo de produção que submete as relações sociais à geração de valor, do valor gerando valor, não há nenhuma decomposição aí, pelo contrário – há uma nova composição que aumenta ainda mais a geração de valor.


Observação: Conceito de crise resolve esse debate. O elemento destrutivo também é elemento do capitalismo.


2) Na mesma medida em que há uma tendência à estagnação, pelas próprias razões de Lênin, pode-se dizer que há uma tendência ao desenvolvimento técnico, pelas próprias necessidades impostas ao imperialismo. O exemplo de Owen e suas garrafas será suficiente para contrariar o desenvolvimento da indústria bélica, por exemplo? Nesse caso, como determinar qual se sobressai, se é que se sobressai. Seria uma tendência geral? Ou algo observado pontualmente, ainda que de maneira constante, em diversos ramos mais ou menos isolados da indústria e do país? A estagnação não pode ser de certa forma uma variante da colocação do ultraimperialismo? E pelas mesmas razões que Lênin o rebate, não seria o caso de rebater a ideia da estagnação?


Abriu-se um pequeno debate a partir daqui:


Observação: É importante perceber o uso das ideias de tendências, que podem inclusive ser contraditórias. É o que acontece com a estagnação e o desenvolvimento técnico.


Observação levantada: Partimos sempre do pressuposto de que o capitalismo trava a evolução das forças produtivas, o que poderia fazer sentido num contexto de forças produtivas atrasadas como na Rússia. Como o capitalismo pode desenvolver e travar as forças produtivas ao mesmo tempo?


Réplica 1: É necessário inserir a determinação histórica.


Réplica 2: Marx, no Capital, trata de um setor na Inglaterra que usava mão de obra feminina em lugar de máquinas. O que determina isso não são as forças produtivas em si mesmas, mas as relações de produção, o lucro.


Réplica 3: O capitalismo não tem como essência o desenvolvimento das forças produtivas, pode fazê-lo ou não de acordo com seu próprio desenvolvimento.


Réplica 4: Com a ultrapassagem do feudalismo, foi possível desenvolver as forças produtivas, mas chegou o momento de travá-las. Desenvolvemos muito os celulares, mas não as vacinas.


Algumas dificuldades extras trazidas previamente pela relatoria, a propósito:


Extra 1) A relatoria não sabe se é algo que já poderia ocorrer, mesmo que embrionariamente, na época do livro de Lênin, mas a tese da decomposição e derrocada do capitalismo pelo monopólio, porque estagna o desenvolvimento técnico, não seria também questionada com o fenômeno da obsolescência programada?


Extra 2) Poder-se-ia retorquir, é claro, que sem o capitalismo o desenvolvimento poderia correr ainda mais rápido, sem a preocupação de ir soltando a tecnologia aos poucos, ao sabor das margens de lucro. Mas qual o sentido do desenvolvimento pelo desenvolvimento? Na época de Lênin, segundo parece à relatoria, isso ainda faz sentido pelo fato de que as necessidades básicas da população mundial talvez não pudessem ser atendidas mesmo com todas as forças produtivas sendo utilizadas calculadamente para esse fim (sociedade de carência, e não de abundância). Mas mesmo assim, não está aí a replicação da lógica do capital da geração do valor pelo valor? Especialmente com o aporte da crítica ecológica, fica claro que qualquer que seja o uso racional das forças produtivas, elas não podem simplesmente seguir a lógica da sempre crescente superabundância.


Lênin prossegue, enfim, tratando do crescimento extraordinário dos lucros e da classe, ou melhor, “camada” de rentistas, “indivíduos de vivem do ‘corte de cupom’, que não participam de nenhuma empresa e cuja profissão é a ociosidade”. Antecipa a análise do parasitismo.


“O rendimento dos rentistas é cinco vezes maior que o do comércio externo do país mais ‘comercial’ do mundo! Eis a essência do imperialismo e do parasitismo imperialista!”. (p.139)


Aqui teríamos a realização efetiva da relação dinheiro – dinheiro-linha (D-D’), sem a interposição direta da mercadoria para a lógica de acúmulo.


Passa-se então a tratar do surgimento do Estado rentista ou usurário de um lado, em punhado, e um monte de Estados devedores de outro.


Observação: É importante perceber o papel do Estado nesse processo. Nos trechos anteriores, Lênin destaca o imperialismo perpassando os agentes econômicos e o Estado. Agora, ao falar dos rentistas, fala também de Estados rentistas. Já existe aqui uma teoria do Estado muito bem montada, no início do século XX.


Observação: Ele não desenvolve a ideia de Estado rentista, parece pegar um termo já usado. Essa ideia é desenvolvida? Houve ocasiões em que a destruição dos devedores foi ameaçada. Ainda, sobre a questão tecnológica, há escritórios substituindo advogados por robôs.


Observação: O direito internacional contemporâneo não admite mais a cobrança de dívidas por meio da guerra, já que o interessante é a manutenção da dívida. Lênin traz também elementos para discutir a chamada sociedade pós-industrial.


Observação: Discutimos aqui o testamento político do Engels, de 1895. O contexto é o crescimento eleitoral do partido na Alemanha. Mais tarde, esse caminho acabou se tornando a Segunda Internacional, a social democracia associada ao reformismo e não ao socialismo, como nos textos do Lênin. A versatilidade do Engels aparece no texto de Lênin em citação de 1858 (quase quarenta anos antes), em que fala do aburguesamento do proletariado inglês. A Inglaterra mostrava o futuro do proletariado alemão. Lênin traz elementos para pensar porque o proletariado dos países desenvolvidos abandonou a via revolucionária. É interessante mostrar que a luta de classes se internacionaliza e os proletariados dos países centrais perdem poder de fogo.


Observação: Pensando nas observações anteriores, me lembro da defesa de doutorado. Os fundos abutres, por exemplo, mostram que passamos das intervenções armadas às judiciais, revelando a lógica do sujeito de direito e sua internacionalização, não só nas figuras dos indivíduos, mas dos países.


Um outro debate se abre aqui:


Observação: Esse livro coloca uma questão de fundo desenvolvida pelo Harvey – o novo imperialismo. Há autores que tratam do “sistema-mundo”, segundo o qual o modo de produção não pode ser pensado apenas economicamente, com a política administrando variáveis já dadas. Para eles, a política é necessária para a reprodução do modo de produção. Vemos Lênin insistir no aspecto econômico do imperialismo, Harvey faz o contrário, examinando os aspectos políticos do capitalismo.


Réplica 1: Pachukanianamente, com o direito a política seria desnecessária. Se todos se comportarem como sujeitos de direito livres e iguais, aceitarem a ONU etc. não haveria guerras. Acho que é um equívoco profundo do Harvey existir acumulação primitiva dentro do capital. É acumulação capitalista de todo modo. Algumas feministas, usando Saffiotti, Hirata e Kergoat, que em alguns momentos mudam os conceitos ao invés de apenas historicizá-los. Aqui, da mesma forma, Harvey mudou um conceito marxista.


Réplica 2: A observação feita tem como pano de fundo a origem das formas sociais e o papel da política. Para Pachukanis, a origem da forma jurídica são as relações capitalistas. A política poderia impactá-la, mas não fundá-la. Esse debate parece ter mais implicações em Ellen Wood do que em Harvey. No imperialismo capitalista, é importante perceber a prioridade da dominação econômica sobre a dominação pela força.


Tréplica: Autores do sistema-mundo tratam igualmente as formas de imperialismo, colocando a força em primeiro lugar.


Réplica 1: Alemanha desconstrói esse exemplo.


Réplica 2: Força está no Pasukanis. O problema não é esse. Mesmo a força está sempre amparada no direito e precedida da questão mercantil.


Réplica 3: E a forma é diferente.


Réplica 4: A força vem por interesses econômicos. Isso evoca a questão de estrutura e superestrutura. Se não se compreende a importância da estrutura, a despeito da relação dialética entre estrutura e superestrutura, abandona-se o materialismo. O desprezo da superestrutura, por outro lado, leva ao economicismo. Kergoat, nesse sentido, não é marxista, é pós-moderna. Faz uma manobra para colocar uma questão política na estrutura.


Observação: Pede-se voltar ao texto, mas tratando da relação entre economia e política. Há um debate econômico sobre a decomposição que traz uma questão política. Lênin quer dizer que a fase de decomposição é contrária à fase de evolução que tirou as pessoas da miséria medieval. Ao mesmo tempo esse debate é político: se ele está em decomposição, não faz sentido aliar-se à burguesia ou ao capitalismo de modo geral. Aparentemente, Lênin toma as forças produtivas como algo neutro, imparcial, totalmente contraposto às relações de produção. Essa distinção não deve ser tomada como pressuposto. Todo o debate sobre a necessidade de desenvolvimento para a revolução é baseada na neutralidade das forças. Também é possível pensar na possibilidade de destruição de forças produtivas especificamente capitalistas.


Fomos até aqui.


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