RELATÓRIO - Reunião 10/05/2018 - Textos do “Gramsci Maduro” - Tema: Estado e Direito.
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Relatório – Reunião 10/05/2018
Tema: Estado e Direito.
TEXTO – GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere – vol. 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p. 28; 36-46; 240; 248-250; 244-245; 271-272; 279-280.
Tema: Partido, cesarismo, guerra de manobra, burocracia
Página 28
1. O direito, assim como a escola, deve ser instrumento usado pelo Estado educador para mudar costumes e atitudes com uma finalidade de uma nova civilização. Isso a partir de uma concepção inovadora que rompa com o moralismo.
Debate: Gramsci vê o direito como uma teoria da normatividade submetido à Teoria do Estado. Na verdade é o contrário, diante das relações sociais de produção e necessidade de circulação de mercadorias (principalmente a força de trabalho) se deriva a forma direito e a forma política estatal. Gramsci vê um certo papel educador no direito, que deveria ser usado pelo Estado. Em nenhum momento consegue verificar o imbricamento da forma jurídica ao capital.
2. Embora a preeminência das transformações seja econômica, a superestrutura não deve ser ignorada e resignada a um desenvolvimento espontâneo. Nesse campo o Estado deve ser instrumento de racionalização, acelerando os processos e punindo moralmente a ação ou omissão criminosa.
Debate: Mesmo em Kelsen o Direito sanciona desvios e mesmo assim não é possível criar comportamentos a partir de seu uso, visto que tal processo é certificadamente falho.
3. Dentro desse papel educador de uma nova sociedade, o direito além de figurar como a dimensão negativa da atividade cívica, também deveria incorporar atividades de premiação de boas ações.
Debate: A lógica da premiação não rompe com a equivalência no direito, de modo que o prêmio também é uma equivalência. Se refletiu a possibilidade de Gramsci estar sendo conjuntural e não estratégico, de modo que falaria de um programa tático de transição. Contudo, não se verifica no autor o uso de categorias marxistas revolucionárias, como feito do 18 de Brumário ou Mensagem a Liga dos Comunistas, que claramente são programas táticos em uma perspectiva de transição ao socialismo.
Página 36 a 46
4. Relaciona superestrutura e infraestrutura a partir de Marx: "Nenhuma formação social desaparece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que ela contém, e jamais aparece relações de produção novas e mais altas antes de amadurecerem no seio da própria sociedade antiga as condições materiais para sua existência. Por isso, a humanidade se propõe sempre apenas os objetivos que pode alcançar, pois, bem vistas as coisas, vemos sempre que estes objetivos só brotam quando já existem ou, pelo menos, estão em gestação as condições materiais para sua realização" (Prefácio à Crítica da economia política).
5. Separa o que seriam movimentos orgânicos de movimentos conjunturais. O primeiro permanente com amplo alcance como crítica da história social e o segundo imediato, do dia a dia.
6. Para o autor, quando contradições insanáveis na estrutura se maturam, as forças de conservação da situação apresentam uma série de conflitos imediatos, polêmicas ideológicas, religiosas, filosóficas, políticas, jurídicas. Esse processo apresenta a existência das condições necessárias para que tais contradições possam ser resolvidas historicamente. Esse movimento só pode ser visto com clareza no triunfo das forças antagônicas.
7. O principal erro da historiografia e da política é não saber diferenciar o que é orgânico do que é conjuntural, ora com equívocos economicistas, ora ideologicistas. O estudo de ondas em uma revolução permanente permite reconstruir as relações entre estrutura e superextrutura, bem como movimentos orgânicos e conjunturais.
8. Nada se explica com “relações de força favoráveis ou desfavoráveis”, é preciso distinguir seus momentos e graus, como segue: 1. Relações de forças ligadas as estruturas e independente da vontade dos humanos; 2. Relações de forças políticas como grau de homogeneidade, autoconsciência e organização (momento econômico-coorporativo> momento solidário no campo econômico> momento político que supera o econômico para todos os grupos subordinados); 3. Relações de forças militares.
Debate: Gramsci inclui a forma no que chama de estrutura quando analisa as relações de forças. Na avaliação das relações de força as estruturas também são avaliadas. Entretanto, o autor não questiona a forma jurídica, ele só se aproxima dessa crítica a partir da crítica que faz a organicidade (estrutura), que não é a forma pachukaniana.
9. Dentro das Relações de forças políticas, a segunda fase representa a passagem da infraestrutura para a superestrutura, reunindo as ideologias anteriores na forma de partido, com unidade econômica e políticas, mas também moral e intelectual. Cria-se assim uma hegemonia de um grupo social fundamental sobre outros grupos subordinados.
10. “A vida estatal é concebida como uma contínua formação e superação de equilíbrios instáveis (no âmbito da lei) entre os interesses do grupo fundamental e os interesses dos grupos subordinados, equilíbrios em que os interesses do grupo dominante prevalecem, mas até um determinado ponto, ou seja, não até o estreito interesse econômico-corporativo”. Esses conflitos se combinam e são verticais (territórios) e horizontais (atividades econômicas).
Debate: Aqui Gramsci se aproxima de Stucka relatando que cada grupo tem o seu direito (superado por um direito proletário após a revolução), diferente da concepção pachukaniana de direito atrelado ao capital.
11. Gramsci menciona as formas internacionais como a maçonaria, Rotary, judeus, diplomacia e religião como um partido internacional de intelectuais que atual em cada nação com a variação das forças nacionais internas.
12. A terceira relação de forças, as forças militares, se dividem em militares em um sentido estrito e político militares, como no caso dos exércitos de libertação nacional que além da estrutura militar precisam ter um caráter político acoplado.
Debate: O autor coloca um interessante debate sobre a necessidade de junção das questões nacionais as lutas socialistas, como no caso dos exércitos de libertação das colônias.
13. Por certo que as crises econômicas influenciam em crises históricas, mas é um erro dizer que esse seria um único ou principal elemento.
14. As análises de força servem para a melhor aplicação prática da vontade, como na agitação política. O elemento decisivo é a força permanentemente organizada que está pronta em uma situação favorável. Por isso, a tarefa essencial consiste em dedicar-se de modo sistemático e paciente a formar esta força, desenvolvê-la, torná-la cada vez mais homogênea, compacta e consciente de si.
Debate: Parece haver em Gramsci uma tendência ao determinismo político, na medida em que a hegemonia tem uma importância talvez até maior que as estruturas de produção sociais. Dessa maneira, mudando a hegemonia poderia ser transformado a formas produtivas e não o contrário.
Página 240
15. Preocupado com a formação das massas, Gramsci relata que a tradição tem uma necessária continuidade que, vista de uma perspectiva ativa, significa continuidade de desenvolvimento. Explica o uso do direito nessa continuidade e defende que o uso seja não por um código perpétuo, mas uma continuidade cuja característica essencial consiste no método, realista, sempre aderente à vida concreta em desenvolvimento (não bizantino-napoleônico, mas romano-anglo-saxão).
16. Para o autor a função do direito é tornar homogêneo o grupo dominante tendendo a criar um conformismo social que seja útil ao desenvolvimento do grupo dirigente. Esse conformismo acontece tanto com a coerção do direito positivo como pela opinião pública.
O direito não é só atividade estatal, mas auxilia na construção de uma diretiva da sociedade civil. Compreender o direito serve para verificar a correspondência entre as vontades individuais e os fins que a sociedade se propõe como necessários.
17. Há o perigo de "burocratizar-se", mas toda continuidade orgânica apresenta este perigo, que é preciso vigiar. O perigo da descontinuidade, da improvisação, é ainda maior.
Debate: Verificamos aqui a aposta em disputar os aparatos burgueses, na tentativa de saber “o que fazer” em uma revolução entendida como processo. O autor se preocupa com o período de transição e tais analises são próprias de uma biografia de ativa inserção na luta de classes italiana.
Página 248-250
18. Relata o autor: “O direito não exprime toda a sociedade (pelo que os violadores do direito seriam seres anti-sociais por natureza, ou deficientes mentais), mas a classe dirigente, que "impõe" a toda a sociedade aquelas normas de conduta que estão mais ligadas à sua razão de ser e ao seu desenvolvimento. A função máxima do direito é esta: pressupor que todos os cidadãos devem aceitar livremente o conformismo assinalado pelo direito, de vez que todos podem se tornar elementos da classe dirigente”.
19. Não é verdade que as leis são precedidas por costumes, a história do direito é a luta pela afirmação de novos costumes. O direito ser antecedido pelo costume poderia ser verificado na vontade coletiva de superação dos Estados absolutos. Entretanto, com o aumento da desigualdade, o caráter obrigatório do direito, a intervenção estatal e a obrigação jurídica também se destacaram. Nessa segunda fase trata-se de sufocar um direito nascente e não de criar conformidade.
Debate: O direito aparece como “um direito achado nas ruas”, advindo dos costumes, que busca ora a conformidade social, ora a manutenção contrarevolucionária.
20. No caráter formativo e criativo do direito tem importância as diferenças nas 1. posições em que as classes subalternas estavam antes de tornarem dominantes (se precisou de um longo período de intervenção jurídica ou não) ou ainda 2. nos modos (com continua progressão da sociedade ou um período posterior de necessária repressão).
21. Tais características são pouco estudadas frente a concepção de natureza humana otimista e superficial. As correntes da doutrina têm o problema de definir qual deve ser o órgão legislativo para levar as discussões as massas, com o Governo sempre na última instância legislativa.
Página 171-172
22. O direito já existia antes do capitalismo, mas as classes anteriores não almejavam assimilar as outras classes. Diferente é a classe burguesa que passa a usar o Estado como educador para o conformismo. Como não consegue integrar a outra classe, mas caminha para uma maior desagregação, a classe burguesa traz novamente o Estado como pura força. A classe que conseguir fazer isso superará o Estado e o Direito.
Debate: Aqui o autor embora reproduza o direito como um instrumento tático de formação das massas (pela burguesia, ou, por vezes, pelos trabalhadores), fala em superação do direito em um período pós-revolução. A perspectiva de rompimento com o direito ainda aparece isolada, mas deve ser pontuada.
Página 279 -280
23. Estatolatria é a articulação entre sociedade civil e sociedade política, como "autogoverno" e como "governo dos funcionários". O estado se identifica com os indivíduos como a vontade de construir, no invólucro da sociedade política, uma complexa e bem articulada sociedade civil, em que o indivíduo particular se governe por si sem que, por isto, este seu autogoverno entre em conflito com a sociedade política.
24. Para Gramsci, grupos sociais que não tiveram um longo período de desenvolvimento cultural e moral próprio e independente, como as sociedades feudais, devem viver um período de Estatolatria como iniciação a sociedade civil. Essa Estatolatria não deve ser perpétua, mas criticada exatamente para que se desenvolvam novas formas de vida estatal, ainda que não se deva ao governo dos funcionários.
Debate: O autor advoga um etapismo no sentido da necessidade de uma mínima burocracia e experiências democráticas burguesas antes de um período revolucionário. Fala em iniciação a sociedade civil. É questionável pensar que existe um caminho único a ser seguido por todos os países do mundo para alcançar o socialismo. Sobretudo quando esse caminho relata apenas a história política dos países europeus centrais.
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