RELATÓRIO - Reunião 16/05/2019 - "A reificação e a consciência do proletariado", Georg Luk
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Relatório – Reunião 16/05/2019
Tema: A reificação e a consciência do proletariado
Item 4
1.O autor, em tal trecho do texto selecionado para debate, continua sua análise acerca do método da filosofia clássica e da incapacidade deste para a apreciação do todo, ante seu caráter formalista e abstrato, o qual implica a fragmentação do sujeito e do objeto e daí a impossibilidade de superação da forma reificada do sujeito. Pretende, assim, apresentar a necessidade de que não se permaneçam ocultas as diferentes significações assumidas pelo “nós” do sujeito em diversos níveis. Ou seja, deve-se rejeitar tudo o que aparece isolado, fragmentado, tal como é tomado como método pela filosofia clássica. Atesta que o “o restabelecimento da unidade do sujeito e a libertação intelectual do homem tomam conscientemente o caminho da desintegração e da fragmentação. As figuras da fragmentação tornam-se então etapas necessárias para se chegar ao homem restabelecido e se dissolvem ao mesmo tempo no vácuo da irrealidade, adquirindo sua justa relação com a totalidade compreendida e tornando-se dialéticas.” (p. 294-295).
Comentários: “Filosofia clássica” é utilizada pelo autor com frequência neste trecho e em anteriores; entendida a expressão como a linha filosófica que vai até Kant, de sorte que não é uma referência à filosofia da Antiguidade Clássica. Primeira vez que Lukács considera na totalidade a fragmentação, porquanto, nos textos anteriores, havia uma indicação crítica à fragmentação do pensamento burguês, o qual não utilizaria um método a partir da totalidade. Aqui já aparece à referência à totalidade e à fragmentação como elementos de uma dialética viva.
2. Aponta a expressão de Hegel acerca dos contrários, que, antes, exprimiam-se sob a forma “do espírito e da matéria, da alma e do corpo, da fé e do entendimento, da liberdade e da necessidade, etc”. Ainda citando Hegel, “com a evolução da cultura, tomaram a forma das oposições entre razão e sensibilidade, inteligência e natureza, e, para o conceito geral, entre subjetividade absoluta e objetividade absoluta. O único interesse da razão é o de ir além desses contrários ossificados.”. Identifica em Hegel o início do método dialético, mas com limitações que adiante irá desenvolver de forma mais profunda. Para Lukács, o método dialético está na questão da gênese, da produção do produtor do conhecimento, da dissolução da irracionalidade da coisa em si. A superação do método racionalista-formal pelo método dialético assume, assim, uma “forma clara, objetiva e científica” (p. 295).
Comentários: Passagem em que há identificação das oposições kantianas – “espírito e matéria”, “alma e corpo”, “fé e entendimento”, “liberdade e necessidade” – para as oposições “razão e sensibilidade”, “inteligência e natureza”, “subjetividade absoluta e objetividade absoluta”, que aponta para alguns elementos da filosofia hegeliana, tal como o entendimento intuitivo que é apresentado no trecho anterior ao se tratar da arte. Ademais, neste ponto 2, o autor reafirma sua preocupação com a epistemologia, como ao expressar que o método dialético assume uma forma científica.
3. A despeito de o método dialético aparecer em momentos anteriores, desde a origem do pensamento racionalista, despontaagora com uma virada qualitativa, que o distingue de todas as problemáticas anteriores e aparece ante a dissolução da rigidez dos conceitos, com clareza e com a ausência de equívoco ao problema lógico e sem o problema da irracionalidade. De acordo com o autor, Hegel inicia tal percurso em sua Fenomelogiae Lógica ao tomar tais problemas lógicos de maneira consciente e por “fundá-los na natureza relativamente material do conteúdo, na matéria em sentido lógico e filosófico. Assim nasce uma lógica inteiramente nova do conceito concreto, da totalidade – que, na verdade, permaneceu muito problemática no próprio Hegel e depois dele deixou de ser elaborada seriamente.” (p. 296).
4. A virada do método dialético reside, então, no fato de o sujeito não ser “ nem espectador imutável da dialética objetiva do ser e dos conceitos (...) nem o senhor, orientado para a prática, das suas possibilidades puramente mentais (...), mas o fato de o processo dialético, a dissolução da oposição fixa entra formas fixas desenrolar-se essencialmente entre o sujeito e o objeto.” (p. 296-297). Nas dialéticas anteriores, as relações entre sujeito e objeto eram justapostas ou sobrepostas, ou ainda desenvolvidas dialeticamente uma a partir da outra; de sorte que “não implicavam a relativização nem a fluência da própria relação do sujeito e o objeto” (p. 297). Desse modo, é somente quando o sujeito é apreendido como produto e produtor do conhecimento, em que o sujeito “se move ao mesmo tempo num mundo que ele mesmo criou e do qual é a figura consciente, mundo que se lhe impõe, todavia em plena objetividade, somente então o problema da dialética e da supressão da antítese entre sujeito e objeto, pensamento e ser, liberdade e necessidade, etc. pode ser considerado como resolvido.” (p. 297).
5. Lukács afasta a possibilidade de aproximação desta resolução do método dialético do problema da antítese entre sujeito e objeto com outros pensadores sistemáticos. Cita a identidade em Espinosa como encontrada no objeto, na substância, já que tal filósofo expressa a identidade na relação entre “a ordem encontrada na combinação das idéias e a ordem encontrada na combinação das coisas” (p. 297). Isto é, parece que o explicitado no ponto acima por Lukács se aproximaria do conceito de identidade em Espinosa. Todavia, o próprio autor rebate tal aproximação, sob o fundamento de que em Espinosa “toda subjetividade, todo conteúdo particular, todo movimento desaparecem no nada, diante da pureza e da unidade fixa da substância.” (p. 298). A diferença na substância apontada por Lukács tem, ao contrário, suporte no “fundamento ontológico” enquanto “princípio primário”, em que a “significação da substância, da ordem e da combinação das coisas têm de sofrer uma transformação fundamental.” (p. 298). É essa nova tentativa de busca de identidade de combinação das coisas e das ideias, com substrato no fundamento ontológico, que deve servir para explicar a concretude e o movimento das coisas.
Comentários: Espinosa parecer ser um problema para vários marxistas, dentre os quais aqueles que seguem a filosofia de Althusser. Há a obra Hegel ou Espinosa, de Pierre Macherey, em que se apresenta o problema que, em Espinosa, pelo conceito de substância, trabalha-se a partir do próprio objeto, que é mutável e imutável ao mesmo tempo. O que é importante para a análise das formas de reprodução da sociabilidade. Imutabilidade da substância, que, ao mesmo tempo, possui uma mutabilidade. Não se trataria da mudança qualitativa e quantitativa do Hegel, mas o problema da forma. A forma não muda, apenas se reproduzia, de sorte que a discussão seria como a mudança seria possível (por exemplo, por meio da revolução). Assim, para tais teóricos, Espinosa se apresentaria como uma possibilidade de mudança no imutável da substância. Importância de nos dedicarmos a Espinosa; seria um desafio para o Grupo em um momento futuro. Lukács não aderiu a Espinosa, mas apresenta a problemática deste.
6. Indica que a filosofia clássica pretendeu essa transformação de sentido e a retirada dessa nova substância a partir da história. Expressa que é a história o único terreno concreto da gênese, cujas razões para tanto são diversas, mas que o caminho para a solução dos problemas insolúveis apresentados pela filosofia clássica é o caminho para a história. Contudo, essa relação não teria se tornado consciente para tais pensadores, o que tampouco poderia sê-lo “por razões históricas e sociais que devem ser explicadas mais adiante” (p. 298). De acordo com o autor, os “materialistas do século XVIII já sabiam que, no processo histórico, o sistema do racionalismo esbarra na falta de clareza” (p. 298-299). Isso porque interpretariam tal fato – a história como terreno concreto da gênese – como “um limite eterno e insuperável da razão humana em geral” em virtude de seu dogmatismo da razão. O que decorreria de o pensamento racionalista definir necessariamente os conteúdos das formas como imutáveis.
7. Assim, o problema da história é compreendido na filosofia clássica como um sistema de leis que torne realizável o sistema de possibilidades previsíveis; “a partir dessa conclusão, o próprio método obstrui o caminho para o conhecimento da qualidade e da concretude do conteúdo, de um lado, e da sua evolução, ou seja, da evolução histórica, de outro: por definição, pertence à essência de toda lei semelhante impedir, no interior do seu domínio de validade, que nada de novo aconteça; um sistema de leis semelhantes, mesmo sendo concebido como perfeito, certamente pode diminuir ao extremo a necessidade de correções para aplicar às leis particulares, mas não é capaz de apreender a novidade pelo cálculo.” (p. 299-300).
Comentários: Ideia kantiana de transcendentalidade da história apontada como uma barreira do pensamento burguês, isto é, um dogmatismo para se entender a história. A chave aqui para entender o Lukács é a história enquanto fundamento ontológico, isto é, a ontologia é a história, com a apresentação do problema na filosofia clássica de não adotar esse fundamento. O ser é explicado enquanto ser e enquanto ser social a partir do fundamento ontológico da história. Aqui, em História e Consciência de Classe, o fundamento de Lukács não é a-histórico.
8. Portanto, a impossibilidade, pelo próprio método do pensamento racionalista, de se tomar a imutabilidade como parte de seu sistema, de tal modo que a história mesma é apresentada como estática. Faz-se necessário, então, a criação de “uma lógica dos conteúdos que se transformam, para cuja construção ela [a gênese] encontra somente na história, no processo histórico, no fluxo ininterrupto da novidade qualitativa, essa ordem e essa conexão exemplares das coisas.” (p. 300).
9. Mas enquanto tal processo é apreendido como um limite – o processo histórico enquanto estático – e não como um resultado simultâneo, os conceitos permanecem apresentados com aquela apontada rigidez, que é suprimida “apenas aparentemente pela justaposição de outros conceitos.” (p. 300). Daí a diferença com a dialética que remonta nas origens do pensamento racionalista: “Somente o processo histórico elimina realmente a autonomia – encontrada – das coisas e dos conceitos das coisas, assim como a rigidez que dela resulta.” (p. 300-301). É o processo histórico que suprime a autonomia dos fatores, que é exemplificado por Lukács a partir da seguinte citação a Hegel acerca da relação entre a alma e o corpo: “se ambos são tidos como sendo absolutamente autônomos um em relação ao outro, eles são tão impenetráveis um para o outro quanto o é toda matéria em relação a uma outra, e a presença de um é admitida apenas no não-ser, nos poros do outro (...)” (p. 301). A totalidade concreta do mundo histórico permite, então, compreender a singularidade e a novidade qualitativa dos fenômenos – o movimento, a transformação – ao obrigar o conhecimento a construir sua conceitualização sobre tais fatores, e não os deixar em sua simples unidade concreta.
Comentários: Justaposição dos conceitos que é o método adotado pelo pensamento burguês, como o é, por exemplo, no ensino de História do Direito nos cursos de graduação em Direito – maneira kantiana da filosofia clássica. Superação da tomada da história como estática; Lukács está aqui explicando o seu conceito de história e sua relação com a consciência de classe.
10. Com tal mudança a partir do método dialético com suporte na história, Lukács passa a expor a possibilidade de compreensão da realidade a partir da ação. Com isso, “os dois principais aspectos da irracionalidade da coisa em si, a concretude do conteúdo individual e a totalidade aparecem doravante como positivamente orientados e em sua unidade. Isso assinala, ao mesmo tempo, uma mudança das relações entre a teoria e a práxis e, com elas, nas relações entre a liberdade e a necessidade. A ideia que fazemos da realidade perde todo o caráter mais ou menos fictício (...). O dilema dos materialistas perdeu seu sentido, pois reconhecer nossa ação somente em nossos atos conscientes e conceber o meio histórico criado por nós, o produto do processo histórico, como uma realidade influenciada por leis estranhas, revela-se como uma limitação racionalista, como um dogmatismo do entendimento formal.” (p. 301-302).
Comentários: A chave de entendimento é a mudança das relações entre teoria e práxis e entre liberdade e necessidade; o que em Kant aparece com um sentido evolutivo é apresentado em Hegel como dialético. Os materialistas apontados neste trecho o são ainda em um sentido vulgar, porquanto não apreenderam o conceito de história.
11. Passa a pugnar pelo “verdadeiro” a partir do concreto – a questão então apresentada por Hegel, a questão do sujeito da ação, da gênese. Há a necessidade, assim, de apresentar esse sujeito de forma concreta: “Pois a unidade do sujeito e do objeto, do pensamento e do ser, que a ‘ação’ incumbiu-se de provar e mostrar, encontra realmente o lugar de sua realização e de seu substrato na unidade entre a gênese das determinações do pensamento e a história da evolução da realidade. Contudo, para que essa unidade seja compreendida, é necessário descobrir na história o ponto a partir do qual se podem resolver todos esses problemas e ainda exibir concretamente o ‘nós’, o sujeito da história, esse ‘nós’, cuja ação é realmente a história.” (p. 302-303).
Comentários: Páginas 302 a 306 de História e Consciência de Classe como as mais importantes do texto; onde estão colocados os problemas-chave.
12. Nessa busca pelo “verdadeiro”, entretanto, a filosofia clássica não conseguiu encontrar esse sujeito concreto da gênese, o sujeito-objeto do método. O autor passa a apontar quais foram os limites para tal desvio e o faz a partir de Hegel sob o argumento de que este representa “o ponto culminante desse desenvolvimento”, e que “também se esforçou ao máximo na busca por esse sujeito.” (p. 303). E o que Hegel encontrou foi o “espírito do mundo, ou antes, suas figuras concretas, o espírito de cada povo” (p. 303); todavia, esse sujeito não seria capaz de cumprir a função metódica e sistemática que lhe é atribuída, ainda que fosse negligenciado provisoriamente seu caráter mitologizante e abstrato. Isso porque “esse espírito do povo pode ser apenas, mesmo para Hegel, uma determinação ‘natural’ do espírito do mundo, isto é, uma determinação ‘que despoja sua limitação apenas no momento superior, a saber, na totalidade de consciência de sua essência, e tem verdade apenas nesse conhecimento, e não imediatamente em nosso ser’.” (p.303). Como resultado, o autor conclui que o “espírito do povo” seria o sujeito da história apenas aparentemente, já que seria o “espírito do mundo” que ocuparia tal papel “mediante esse espírito do povo e a despeito dele” (p. 304). Tal atividade seria transcendente, de sorte que a liberdade aparentemente conquistada seria vertida em uma “liberdade fictícia da reflexão sobre as leis que por si mesmas movem o homem, a liberdade que, em Espinosa, um pedra lançada possuiria se tivesse consciência” (p. 304).
13. A filosofia de Hegel seria levada à mitologia, já que explica a estrutura da história de uma maneira não concreta. Não obstante, Lukács expressa que “é uma explicação genial para as etapas ainda não conscientes da história. Mas estas só podem ser compreendidas e apreciadas como etapas a partir do nível já atingido da razão que ela mesma encontrou.” (p. 304). Essa transcendência, o caráter mitologizante da filosofia de Hegel é fundamentado no seguinte sentido: em razão da “impossibilidade de encontrar e demonstrar o sujeito-objeto idêntico na própria história, sua filosofia é obrigada a transcendê-la e a erigir fora dela esse reino da razão que ascendeu a si própria. A partir dele, a história pode então ser compreendida como uma etapa, e o caminho que percorre como uma ‘astúcia da razão’. A história não está em condição de constituir o corpo vivo da totalidade do sistema: torna-se uma parte, um aspecto do sistema como um todo, que culmina no ‘espírito absoluto’, na arte, na religião e na filosofia.” (p. 304-305).
Comentários: Lukács repete algumas questões dos trechos imediatamente anteriores; texto que é denso e trata de referências importantes além de Kant e Hegel, como Schelling, Fichte. Assim, não se trata de apenas ler o texto. Algo que é sempre trazido pelo autor é a questão do “sujeito-objeto idêntico”.
Acerca da expressão “astúcia da razão”, trata-se de um conceito que diz respeito à ideia de que os acontecimentos, mesmo que caóticos, dispersos, têm o respectivo resultado convergido para a realização de uma razão anterior; mesmo quando os indivíduos atuam fora de um plano racional, as ações destes convergirão, em algum momento, para um plano racional.
Um bom conceito para tal expressão está em “Política e História - De Maquiavel a Marx” de Althusser, no sentido de que, individualmente, não há domínio dos fatos da história, estes não são subjetivamente apreensíveis e postos para todos; mas, no final, a razão acabara imperando e por isso é apontada como astuta. Trata-se da noção de não linearidade do processo histórico. Já, em Kant, haveria uma possibilidade de domínio, de comando do processo histórico, daí sua indicação em etapas, linear; a história em um dogmatismo em que ela própria apareceria como menos caótica, apreensível, passível de dominação.
14. Lukács defende que a história não pode ser tomada como mera parte do sistema, é, ao contrário, elemento vital do método dialético. “Por um lado, a história se expande, sem nenhuma lógica, mas de maneira decisiva, na estrutura das esferas que, de acordo com o método, já deveriam encontrar-se além da história. Por outro, essa atitude inadequada e incoerente em relação à história a priva de sua essência que justamente na sistemática de Hegel lhe é indispensável.” (p. 305).
15. Cita, em seguida, três razões pelas quais tal atitude inadequada é tomada: “em primeiro lugar, sua relação com a própria razão aparece então como contingente (...). No entanto, com essa contingência, a história recai na facticidade e na irracionalidade que acabara de superar. E se sua relação com a razão que a compreende é apenas a de um conteúdo irracional com uma forma geral, para a qual o hic et nunc [aqui e agora] concreto, o lugar e o tempo, o conteúdo concreto, são contingentes, a própria razão está entregue a todas as antinomias da coisa em si, próprias do método pré-dialético. Em segundo lugar, a relação não esclarecida entre o espírito absoluto e a história obriga Hegel a admitir – o que seria difícil de compreender do ponto de vista desse método – um fim da história que surge em sua própria época e em seu sistema da filosofia, como conclusão e verdade de todos os seus predecessores. Disso resulta necessariamente que, mesmo nos domínios mais mundanos e propriamente históricos, a história tem de encontrar seu fim no Estado da Restauração prussiano. Em terceiro, a gênese, destacada da história, percorre seu próprio desenvolvimento: desde a lógica até o espírito, passando pela natureza. Mas, como a historicidade de todas as formas categoriais e de seus movimentos expande-se de maneira decisiva no método dialético, como a gênese dialética e a história estão relacionadas objetivamente e por suas condições naturais, seguindo então caminhos separados apenas porque a filosofia clássica não realizou o seu programa, é inevitável que esse processo, pensado como supra-histórico, manifeste passo a passo a estrutura da história. E, uma vez que o método, depois de se tornar abstrato e contemplativo, falsifica e viola a história, passa também a ser violado e fragmentado pela história que não foi dominada.” (p. 305-306). Portanto, a tomada da história pela filosofia hegeliana como apenas parte de seu sistema implica a sua mitologia conceitual; a história é apresentada de forma aparente. Por outro lado, essa mesma aparência rompe as barreiras do pensamento racionalista burguês, do pensamento burguês reificado e restaura o homem aniquilado pela reificação, contudo, recai tal pensamento na “dualidade contemplativa do sujeito e do objeto” (p. 307).
16. Não obstante a crítica apresentada, Lukács reconhece que a filosofia clássica teria levado ao extremo as antinomias de seu próprio fundamento vital, as quais, todavia, permaneceram sem solução. Assim, a “filosofia clássica encontra-se, portanto, do ponto de vista do desenvolvimento histórico, numa situação paradoxal: visa a superar no pensamento a sociedade burguesa, a despertar especulativamente para a vida o homem aniquilado nessa sociedade e por ela, mas, em seus resultados, não consegue mais do que a reprodução intelectual incompleta, a dedução a priori da sociedade burguesa.” (p. 307).
Comentários: Questão da representação da filosofia clássica, do pensamento burguês. Não encontra relação entre o ser e a essência, apenas trabalha na representação, de sorte que atua apenas na representação da sociedade burguesa. Neste trecho, Lukács não adere totalmente a Hegel, apresenta-se de forma diferente de uma simples assimilação hegeliana.
17. Ao contrário, é apenas o modo dessa dedução, o método dialético, que indica a possibilidade de se ir além dessa sociedade burguesa. Modo este que é apresentado na filosofia clássica por meio destas antinomias não resolvidas que estão “no fundamento do ser da sociedade burguesa, produzidas e reproduzidas por ela sem interrupção, embora de forma confusa e subordinada.” (p. 308). E a filosofia clássica deixa como herança justamente estas antinomias não solucionadas. O prosseguimento deste processo estaria, assim, na identificação do sujeito da ação a partir do fundamento de identidade do sujeito-objeto: “A continuação desse novo rumo tomado pela filosofia clássica e que começava, pelo menos do que diz respeito ao método, a apontar para além desses limites, em outras palavras, o método dialético como método da história, foi reservado à classe que estava habilitada a descobrir em si mesma, a partir do seu fundamento vital, o sujeito-objeto idêntico, o sujeito da ação, o ‘nós’ da gênese: o proletariado.” (p. 308).
Comentários finais e debates: Lukács traça caminho que retoma a filosofia clássica, os racionalistas anteriores a Hegel, e, a partir disso, indica os limites dessa filosofia. Isto é, como Hegel se propõe a ultrapassar isso a partir da identidade do sujeito-objeto; daí a importância da dialética, da gênese e da transformação. Lukács, contudo, aponta o problema de Hegel como o de uma certa preocupação da “coisa em si” kantiana; superação de Hegel que se daria de uma forma mitológica, que não acontece com base na materialidade das relações sociais, mas sim em uma razão que conseguiria organizar um todo caótico. Por outro lado, apresenta os conceitos de Hegel não tão sistematizados, já que traz conceitos tanto da Fenomenologia do Espírito quanto da Ciência da Lógica. A solução de Lukács é que existe um ponto de vista da totalidade, que é do proletariado, em que existe o sujeito-objeto idêntico.
Definição do debate apresentado no trecho selecionado em duas possibilidades: debate com o Hegel de Fenomenologia do Espírito e também com alguns excertos de Ciência da Lógica. Quando trata de conceitos da Fenomenologia, parte da ideia de processo que inicia na inconsciência e só com a história é que assume a consciência (relação de inconsciência e consciência). Ideia do “espírito do povo” a partir do sistema hegeliano e não de uma obra ou outra; conceitos, todavia, de difícil apreensão a partir da história. Outra problemática é da história como fim. O “absoluto” seria um momento em que, na ausência de determinações na inconsciência, também se passaria para a ausência de determinações na consciência – o “absoluto” seria o fim da história, daí sua problemática. Nos filósofos liberais, a história assume um fim, como em Comte, Foucault.
A grande chave de debate sobre o texto é que Lukács apresenta que o fundamento ontológico é a história. O dialético já existiria em Hegel; o materialismo, em algumas escolas filosóficas anteriores. É a atribuição de conteúdo à história na perspectiva do ser que diferencia, para Lukács, o método histórico-dialético. A filosofia clássica – no sentido de ser entendida como os autores até Kant – utiliza a representação da história e não a história; problema de atribuição ontológica em Hegel do que é história. Assim, o problema na filosofia hegeliana não é a relação da representação com o ser, mas o fato de colocar no ser um processo histórico que não se realiza. Daí a citação, às páginas 305 e 306, dos três problemas da atitude de Hegel com a história: problema no ser e não na representação, na irracionalidade que acaba voltando a existir tal como em Kant; problema de atribuir um fim à história, esta se torna teleológica; método que é abstrato, falsifica e viola a história e é violado e fragmentado pela história, o pensamento cai na dualidade contemplativa do sujeito e do objeto (contemplação tanto do sujeito quanto da representação. Enquanto Kant aponta como pensar a razão (juízo sintético, juízo analítico), Hegel adota um procedimento formal de se pensar a dialética, mas com a história fraudada.
Importância de Hegel em apresentar uma forma de pensar, como, por exemplo, a abstração – problema que esta é elevada a um plano tão alto que perde seu substrato na materialidade. Todavia, contemplação esta que é fundamental na ciência. Utilidade de contemplar o sujeito e o objeto, devendo-se voltar à materialidade, ao conteúdo concreto. Marx retira esta contemplação.
Ontologia para Lukács, tal como apresentada em História e Consciência de Classe, é processada por um caminho de Hegel; dá-se um valor excessivo à essência, ao ser. Negligencia a importância da representação do ser; passo importante que é dado por Althusser ao recuperar o ser sem negligenciar a representação deste, o que implica uma melhor explicação, entendimento do capitalismo.
Sujeito e objeto idênticos: noção de que se fundiriam de tal sorte que não seria mais possível identificá-los separadamente. Se o problema é do ser e é da história, há sentido em o sujeito-objeto ser a classe trabalhadora, de estar ligado ao processo de consciência da classe trabalhadora. E aqui há materialidade, daí a indicação do partido nos trechos iniciais da obra.
Conceito de história de Lukács como ontologia; atribui um fundamento histórico ao aspecto da ontologia. Problema é se esquecer da representação, porquanto esta é tão importante quanto o ser em si. Já Althusser encontra na representação do ser e o que está no ser.
Discussão da extensão e da problemática da influência hegeliana para o pensamento de Lukács. Kant separa o ser da representação; Hegel, na tentativa de superar essa separação, consegue fazer isso por meio da dialética, mas com uma compreensão ideal, abstrata da realidade. Lukács relaciona a obra política e a obra teórica de Hegel neste trecho de História e Consciência de Classe; separação que pode se manter em termos de potencialidade da obra filosófica, teórica com a efetividade da obra política. Dialética teria uma potencialidade diferente, que se efetiva enquanto uma defesa do Estado Prussiano. Se a realidade é ideal, não há como a história não ser teleológica, daí a apresentação da noção da “astúcia da razão”. Quando Marx vai tratar desta problemática, devolve para a história o conceito de realidade material, e elimina a possibilidade de uma história teleológica. Mas Lukács recupera tal questão, porque está dentro de uma problemática hegeliana. Parece, então, que Lukács tenta realizar uma história teleológica, mas não ideal – em oposição a Hegel.
Questão, em Marx, acerca da utilização da expressão “pré-história da humanidade” não significar apenas um jogo de palavras ou se isso é dotado de um conteúdo concreto. Sendo apenas um jogo de palavras, pode-se apontaressa mesma influência perniciosa de Hegel em Lukács como contida no próprio Marx. Problema epistemológico; história e ciência em relação, de sorte que, ante a possibilidade de a ciência ser realizada pelo proletariado, estar-se-ia na “pré-história” por conta de se estar no pensamento burguês, da economia política.
Segundo o Hegel, o espírito absoluto seria alcançado com o Estado Prussiano; mas não houve a liberdade e igualdade daí esperada. Discussão de que ponto na obra de Hegel está essa afirmação, isto é, da identificação do Estado com o espírito objetivo e do Estado Prussiano com o espírito absoluto. O Estado absoluto é o reino da plena liberdade, onde a razão é atingida ao máximo; mas, em Hegel, o Estado não é o fim, é a etapa objetiva, e não é a última. Dúvida se Hegel admite esse “fim da história” que Lukács apresentou no texto.
Materialismo aleatório de Althusser: sensação de mesma relação da tradição lukacsiana que tem Hegel com Kant; Althusser acaba indo para a direção diametralmente oposta. Não pode existir teleologia no movimento dialético, mas não a ponto de tirar o proletariado e a luta de classe. Deve haver forma que preserve o papel do proletariado sem cair na teleologia da história ou no materialismo aleatório.
Se a preocupação de Marx, que é também em fazer ciência, e de Althusser é de fazer uma epistemologia (não mas apenas isso), há um sentido na expressão “pré-história da humanidade”. No Prefácio à Primeira Edição d’O Capital, há indicação de que há problemas conceituais para essa nova ciência (o materialismo histórico-dialético), conceitos que são diversos da ciência denominada “economia política”. Há, portanto, uma disputa do que é ciência. Duas importantes correntes, que são os racioanalistas e os hegelianos, caíram em problemas de formalismos na epistemologia. Em alguns momentos, Lukács, em História e Consciência de Classe, também aponta para o problema da epistemologia e o faz na materialidade (ao citar problemas relativos ao partido, por exemplo). Questão não de ter ou não consciência, mas de fazer uma epistemologia que permita à classe trabalhadora acessar o controle do processo científico como ato de fazer; ciência aqui como prática, reprodução no dia-a-dia do que é a classe trabalhadora a partir dessa epistemologia; para, assim, substituir as representações que não são da classe trabalhadora (ideologia) pelas representações que o são. Para tanto, precisa de um suporte metodológico que esteja à sua disposição, para a realização de sua prática (o que não afasta a luta de classes, a violência). Não pode, assim, ser uma epistemologia formal, que recaia em si mesma. Lukács erra no fato de que sua epistemologia é só ontológica, isto é, não trata das representações; já Althusser não ignora a importância das representações. Assim, Althusser empresta mais a essa epistemologia para o proletariado que Lukács. Até epistemologia é um conceito novo; já ontologia possui uma carga burguesa. Daí a história só se iniciar quando a classe trabalhadora tomar o sentido da ciência, quando esta começar a poder se descobrir a partir de uma epistemologia. A ontologia só pode existir (já que imersa nas representações) depois da retirada da ciência burguesa. Haveria uma modificação de representações, que passariam a ser as da classe trabalhadora – haveria, então, uma identidade sujeito-objeto; ciência só é necessária enquanto ciência e aparência não coincidem. O sujeito de direito é identitário por excelência, mas é a identidade da burguesia.
A relação sujeito-objeto seria idêntica no momento em que passar a existir a classe trabalhadora, e daí a importância da história, da epistemologia do proletariado e das novas representações da própria classe trabalhadora e não as da ciência burguesa. Não bastaria assim a ontologia (o que é a classe trabalhadora), dada a importância das representações. O problema central do ser e da representação do ser.
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