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RELATÓRIO - Reunião 13/06/2019 - "Legalidade e ilegalidade", Georg Lukács (História e Cons

Relatório – Reunião 13/06/2019

Tema: Legalidade e ilegalidade


Legalidade e ilegalidade. Esse ensaio parece ser o que indica de forma mais evidente a posição do jovem Lukács sobre o problema do direito. No entanto, a finalidade do texto é tratar da questão da legalidade e ilegalidade como táticas revolucionárias.


Problema das ideologias. Segundo Lukács, o fato de uma parte do movimento operário ser ou não legal depende de contingências históricas, bem como dos motivos que levam a escolhas táticas. No entanto, ambas as distinções não são suficientes para compreender a questão, sendo necessário focar no problema geral do poder organizado, do direito, do Estado e, em última análise, no problema das ideologias.


Observações: Conforme foi discutido, não depende muito se o movimento é radical para ser colocado à margem da legalidade. Na Rússia, por exemplo, os cadetes eram liberais e eram perseguidos pelo czar, assim como os bolcheviques. Foi colocado que entender que todo movimento revolucionário pode ser ilegal é um pouco romântico.Além disso,quando Lukács coloca, na p. 466, que o Direito do Estado e em última análise os problemas da ideologia, são diferentes do problema do Estado, não fica claro o conceito de ideologia empregado. Há pistas de que Lukács usa um conceito subjetivizante.Aparentemente, para ele o direito não é uma das ideologias, ou seja, o problema do direito e do estado não estaria na ideologia.Esse tratamento do direito e do estado como coisas distintas, e do direito como norma jurídica, mas a norma é estatal, então a diferença nunca fica clara. Foi mencionado que Lukács consegue fazer uma leitura de Estado, na transição, melhor do que uma leitura do Direito na transição. Quanto ao Estado havia a obra do Lenin, que pavimentou a leitura sobre o Estado. No Direito não tinha. Talvez trate como um conjunto de ideias ou falsa consciência. Uma visão social de mundo.


Cretinismo legal. Conforme Lukács, um dos principais objetivos da atividade de todo partido comunista é coagir o governo do seu país à violação de sua própria ordem jurídica e forçar o partido legal dos traidores sociais ao apoio aberto dessa “violação do direito” (p. 479). No entanto, o autor reconhece que essa tática pode ser também vantajosa para o capitalismo, surgindo “aquelas ilusões funestas sobre democracia e a transição pacífica para o socialismo” (p. 480). Nesse ponto, Lukács realiza uma crítica direta à Kautsky e aos partidários da Segunda Internacional[1], como os “oportunistas que adotam uma atitude legal a qualquer preço”. Mais à frente também argumenta que o proletariado pode tornar-se consciente na necessidade do combate econômico contra o capitalismo mesmo estando influenciado pela política do Estado capitalista, a partir da aceitação desse Estado e da luta como “oposição”, que se limita a conseguir algumas conquistas para a classe operária dentro da ordem existente.


Observações: Foi mencionado, nesse ponto, que Lukács apresenta uma fé de que se o proletariado viver, vai compreender o processo, isto é, uma aposta na emancipação pelo conhecimento. Foi questionado que o processo é formativo, mas isso significa que ele levaria inexoravelmente ao conhecimento? Na página 469 – “isoladas em si mesmas essas lutas ...” – o autorretoma que a consciência é o próprio processo revolucionário. Dessa forma, foi considerado que Lukács sempre lida com o que é essência e aparência, a fim de defender que o movimento de sair do aparente para entender a essência das coisas levaria à consciência.


Ao mesmo tempo, ao mencionar passagem da página 480 – “No entanto a luta pelo poder apenas iniciará essa educação...” – é interessante observar alguns exemplos que vão nesse sentido, como Cuba, e, em alguns meandros, a URSS. No entanto, foi considerado que Lukács não resolve o problema e ainda cria outro: como tomar o poder com pessoas que você não vai conseguir convencer da importância e da necessidade de tomar o poder? Portanto, não basta tomar o poder. A luta de classes segue no processo de transição. O problema é que, na sequência, o autor coloca que esse momento é considerado como uma nova ordem jurídica, ou seja, de criação de uma consciência que aceite o direito socialista.


Na a maior parte do texto, Lukács aposta na tomada da consciência de classe como um pressuposto do processo revolucionário. No entanto, argumentamos que, se é que existe uma consciência de classe, ela é uma consequência da luta de classes, e não seu pressuposto. Foi colocado que as contradições do capitalismo ofertam a possibilidade de tomada de consciência para parte da sociedade, mas a classe não precisa ter consciência teórica para tomar o poder.


Nesse sentido, a classe precisa desenvolver uma consciência mais ligada à prática e à compreensão da ação coletiva. Questionamos que talvez seja essa a questão que Lukács tente enfrentar e, em certa medida, que nós todos enfrentamos em nossas discussões sobre como organizar a classe. Além disso, discutimos que talvez a leitura do autor seja a de que o proletariado não tenha que conhecer exatamente a teoria marxista, pois ele aposta na consciência no sentido de reconhecimento da exploração na prática, ao entender que esta prática será suficiente.


No entanto, a crítica marxista é uma crítica imanente porque está metodologicamente debatendo a questão da aparência versus essência, que é a única forma de tirarmos o capitalismo das “nuvens”. Foi mencionado que a perspectiva ontológica do ser social não é suficiente para entender um problema epistemológico e que Lukács coloca as duas questões no mesmo patamar. Conclui-se, no grupo, que deveríamos voltar a esse debate sobre ontologia e epistemologia em outro momento.


Romantismo da ilegalidade. Para Lukács, esse romantismo é uma doença infantil do movimento comunista, uma reação à legalidade a qualquer custo que deve ser superada por todo movimento maduro. E, mais a frente, argumenta que “(...) o romantismo da ilegalidade, com o qual se inicia todo movimento revolucionário, raramente se eleva com clareza acima do nível da legalidade oportunista” (p. 476). Para o autor, esse romantismo é sintoma da falta de habilidade para ver o Estado como mero fator de poder. Além disso, “(...) a indignação contra a lei enquanto lei, a preferência por certas ações, por causa de sua ilegalidade, significa que, para os que agem dessa maneira, o direito conservou seu caráter válido e obrigatório” (p. 476). Dessa forma, Lukács entende o exagero romântico da ilegalidade como uma dificuldade de muitos revolucionários honestos em sentir a revolução como algo legítimo e que tem o direito de criar uma ordem jurídica própria (p. 485).


Observações: O grupo focou no conceito de revolução social e revolução política, que é um conceito que Hannah Arendt também usa, por isso chamou-se a atenção sobre qual é a fonte que traz essa categorização. Mencionou-se que, no jovem Marx – em “Glosas Críticas Marginais ao Artigo ‘O Rei da Prússia e a Reforma Social’. De um prussiano. ” (1844) – existe esse debate sobre a revolução política e social.


Nesse texto, Marx argumenta que a revolução política só libertaria o Estado, mas não mudaria a ordem das coisas fora do Estado, em um discurso sobre a permissividade da religião judaica. Já a revolução social seria uma revolução em todos os âmbitos da sociedade. No caso da Hannah Arendt, foi mencionado que em seus textos ela teria uma preferência pela revolução política frente à revolução social. No presente texto, Lukács, ao contrário, não faz nenhum juízo de valor ao mencionar as duas formas de revolução.


Compreensão marxista sobre os conceitos de legalidade e ilegalidade. É um problema do direito, do Estado e, em última análise, das ideologias. O autor menciona a polêmica do Anti-Dühring, em que “Engels refuta de maneira brilhante a teoria abstrata da força”. Isso porque a força (direito e Estado) se baseia numa função econômica e social, que “encontra um reflexo ideológico correspondente no pensamento e no sentimento dos homens envolvidos no campo dominado pela força” (p. 466).


Segundo Lukács, uma organização autoritária só pode existir enquanto for capaz de se impor com violência contra vontades opostas de indivíduos ou grupos, de forma que a ordem existente das coisas passa a ser vista como necessidade natural. Mas quando surge a necessidade de aplicar a violência em todos os casos particulares, a organização autoritária encontra-se em contradição com os fundamentos econômicos da sociedade. Essa contradição se projeta na cabeça dos “homens” de tal modo que eles deixam de ver a ordem existente das coisas como necessidade natural e contrapõem à força outra força (fato da revolução está dado) (p.467).


Observações: Foi entendido que a distinção entre os conceitos de legalidade e ilegalidade parece mais uma distinção descritiva do que uma categorização teórica. Além disso, ao colocar que o direito está da relação jurídica e não na norma, há uma “identidade’ com Pachukanis. Nesse sentido, foi considerado que a revolução social seria um pressuposto da revolução política. Foi citado novamente o texto de Marx de 1844, que trata do capitalismo atrasado, que mantinha uma ordem feudal, por isso que a revolução política ainda não tinha se dado. Por outro lado, a revolução social já havia se dado, ainda que de modo precário. Por isso, a revolução social não havia sido suficiente para causar uma revolução política.


Emancipação ideológica e tendência. Contudo, a transformação em si só pode ser realizada por “homens” que se emanciparam intelectual e emocionalmente do poder da ordem existente (p. 467). Essa emancipação precede e é precedida pelo desenvolvimento econômico e só pode existir enquanto emancipação ideológica pura em uma época em que é dada apenas a tendência de o fundamento econômico de uma ordem social tornar-se problemático. A tendência é uma realidade que deve existir e que opõe, enquanto realidade “verdadeira”, à “falsa” realidade do existente. Conforme o autor, o direito natural como prelúdio às revoluções burguesas, por exemplo, (p. 468). No entanto, só é possível se livrar de uma antiga ordem durante e, mais frequentemente, depois da revolução.


Revolução social x revolução política. Revolução política apenas sanciona uma situação econômico-social que já se impôs, pelo menos parcialmente, na realidade econômica. A revolução substitui a força e antiga ordem jurídica, considerada “injusta”, pelo direito novo, “correto” e “justo”. A revolução social, por outro lado, dirige-se para uma reacomodação radical da vida social, que vai contra os instintos do homem médio, que enxerga nisso uma ameaça catastrófica à vida em geral.


Crítica à Proudhon e ao ludismo. Lukács coloca que esses instintos demonstram a falta de compreensão sobre o processo de revolução e resultam em uma luta contra as manifestações imediatas que ameaçam a sua existência habitual. Assim, os proletários educados à maneira da pequena burguesia rebelam-se contra as máquinas e contra as fábricas; a teoria de Proudhon pode ser considerada um eco dessa defesa desesperada do antigo e habitual (p. 469).


Caráter revolucionário do marxismo como expressão ideológica da classe operária, que visa emancipar-se por meio da compreensão da essência do processo, em oposição aos seus sintomas e manifestações. As formas de rebelião só podem se tornar revolucionárias quando o proletariado se tornar consciente daquilo que une esses conflitos uns aos outros e ao processo que impele inevitavelmente ao fim do capitalismo (p. 469).


Observações: Foi colocado que há um problema no conceito de ideologia de Lukács como falsa consciência. Questionou-se se o proletariado precisa estar ciente desse processo para fazer revolução. Foi colocado que “ideológico” foi colocado nesse trecho como visão social de mundo, isto é, como consciência do proletariado e não como falsa consciência. Entendeu-se que a ideologia vem do plano da consciência, consciência esta que vem com práticas, não é uma consciência sem práticas.


Reforma da consciência. Resgata do jovem Marx o conceito de consciência que “consiste apenas em deixar que o mundo se dê conta de sua consciência, em despertá-lo do sonho sobre si mesmo, em explicar-lhe suas próprias ações (...)”. Segundo Lukács, a reforma da consciência é o próprio processo revolucionário. Mesmo que o proletariado aja de acordo com a teoria marxista em suas ações particulares, isso não significa que ele tenha tomado consciência da libertação realizada na teoria de Marx.


Observações: Foram colocadas algumas dúvidas em relação ao trecho da p. 469 – “ao propor como programa a reforma da consciência...” – em que parece que é um processo da consciência que se descobre, que ela observa as contradições em si mesma, e esse processo já garante sua superação.Nesse sentido, a posiçãode Lukács se aproximaria de uma forma de observar o movimento do mundo e não de agir no mundo.

Foi defendida uma crítica a uma postura contemplativa.Não basta se contrapor ao idealismo, é preciso juntar as ideias a uma prática crítica. A questão colocada pelo próprio Lukács não é essa, mas sim que a crítica da prática, realizada na teoria, tem que se transformar em uma crítica prática. Nesse sentido, devemos pensar sobre o que é crítica, que significa uma ruptura da ordem posta, e o que é prática crítica, que não é uma prática com ideias críticas, mas uma prática que por si só é crítica.


Em determinado momento, Lukács resgata do jovem Marx o que seria uma prática crítica. Mas ele continua tratando da prática nessa dualidade, como prática com ideias críticas, quando na realidade não é isso. A ideia é que a prática crítica é, por si só, revolucionária e crítica porque ela cinde a ordem. Foi colocado que esse problema decorre do conceito de ideologia de Lukács, que o Althusser resolve melhor, porque ele percebe que a prática reiterada não vai dar consciência, só vai dar interpelação, sempre resulta em reiterar mais prática.


Olhando pelo Althusser, é possível ver como a prática reitera a mesma. Foi questionado se essa interpretação torna meramente contemplativo o que Lukács está falando. Na leitura de alguns integrantes, não necessariamente, porque para resolver essa contemplação não basta adicionar a prática. Foi colocado que o problema está na questão da ontologia versus epistemologia. Porque na perspectiva epistemológica, ela é contemplativa. Já na perspectiva ontológica, ela se apresenta como não contemplativa, como uma prática que vai revelar o ser.


Estado capitalista como fator de poder. Os marxistas revolucionários entendem o Estado burguês como um fator de poder contra o qual deve ser mobilizada a força do proletariado organizado. Os pseudomarxistas entendem o Estado como instituição acima das classes, cuja validade de suas leis não é afetada diretamente pela luta de classes, por isso a disputa pelo domínio do Estado é entendida como meta da própria luta de classes. “É característico da consciência de classe da pequena burguesia que o Estado apareça efetivamente como o Estado em geral, como o Estado por excelência, como uma estrutura abstratamente soberana” (pp. 481-482).


Sobre a aceitação do que é legal ou ilegal. A oposição tenta modificar as leis de forma legal, preservando a validade das antigas leis até as novas se tornarem válidas, ou promove transgressões isoladas em casos particulares. Lukács, ao citar as recordações de Dostoiévski sobre a percepção de culpa de criminosos na Sibéria, argumenta que o Estado não encontra dificuldades em controlar essas transgressões em casos isolados, porque em nenhum momento seu fundamento é discutido por elas. “Com efeito, toda ordem estatal e jurídica, e a ordem capitalista principalmente, baseia-se no fato de que sua existência e a validade de suas regras não são problematizadas, mas simplesmente aceitas” (p. 471).


Conceito de ideologia. “(...) por mais rigorosas e brutalmente materiais que sejam as medidas de coerção tomadas pela sociedade em casos particulares, isso não impede que o poder da sociedade seja essencialmente espiritual, do qual apenas o conhecimento pode nos libertar” (p. 475).


Observações: Foi realizada a leitura de todo o trecho, que começa no final da p. 474 – “pois por mais rigorosas...”. Destacou-se que Lukács critica o Hegel, em algumas passagens, mas ele volta a recorrer ao pensamento hegeliano ao evocar essa caracterização espiritual do poder da sociedade.


Fundamento da visão de mundo legalista. “Em meio à crise fatal do capitalismo, amplas massas do proletariado ainda vivenciam o Estado, o direito e a economia da burguesia como o único meio possível de sua existência. Segundo essas massas, esse meio deveria ser melhorado em muitos pontos (‘organização da produção’), mas ainda assim constitui a base ‘natural’ da ‘sociedade’” (p. 475). Segundo Lukács, essa orientação natural e instintiva para o Estado tem que ser superada se o partido comunista quiser criar um fundamento saudável para a sua tática tanto legal quanto ilegal.


Nem legalidade, nem ilegalidade. Como visto até o momento, para Lukács, transgredir a lei é um indício de que o direito ainda conserva sua validade e que ainda está em condições de influenciar internamente as ações e de que a verdadeira emancipação interna ainda não se realizou (pp. 476-477). Dessa forma, ele argumenta que deve haver plena independência comunista em relação ao direito e ao Estado e que as leis e suas consequências são apenas mais um fator da vida exterior, “com o qual se tem de contar na avaliação do caráter exequível de determinada ação” (p. 476).


Observações: Foi lido o trecho que se inicia na p. 476 e continua na 477 para questionar se a verdadeira emancipação é a emancipação interna, conforme coloca Lukács. Dessa forma, foi criticado certo individualismo metodológico apresentado pelo autor, para ressaltar o fato de que não é mencionado o papel do partido nesse processo.


Conveniência imediata da ilegalidade. A questão da legalidade ou ilegalidade pode ser entendida como uma tática momentânea para o Partido Comunista, a ser utilizada, ora uma, ora outra, ou até mesmo simultaneamente, nos mesmos casos, com a finalidade de combate à burguesia. Por essa razão, é difícil estabelecer regras gerais. “A aplicação simultânea e alternada das armas legais e ilegais também é necessária, visto que somente por meio dela torna-se possível revelar a ordem jurídica como aparato brutal de poder a favor da repressão capitalista, o que compõe o pressuposto do comportamento revolucionário independente em relação ao direito e ao Estado” (p. 479).


Observações: Nesse ponto, há um debate sobre forma e luta de classes.


Auto-educação do proletariado. Essa tática é necessária para a formação revolucionária do proletariado, na qual se desenvolve sua maturidade para a revolução. Esse é um processo longo e tanto mais complicado quanto for desenvolvido o capitalismo e a cultura burguesa no país em questão, isto é, quanto mais o proletariado estiver imerso ideologicamente nas formas capitalistas de vida (p. 478). A necessidade de estabelecer a forma adequada para a ação revolucionária coincide com esse trabalho de educação. “Somente uma tática sóbria e objetiva, que aplique alternadamente todos os meios legais e ilegais e que se oriente exclusivamente em razão daquilo que é apropriado aos seus objetivos, poderá guiar essa obra de educação do proletariado por caminhos proveitosos” (p. 480).


Observações: Foi mencionado que Lukács, nesse sentido,sugere que o proletariado, dentro da legalidade, vai adquirir consciência, o que foi criticado. O centro da tese de Lukács não é focar na escolha entre legalidade e ilegalidade, mas que não se dispute o Estado, que se oponha a ele. Dessa forma, a educação da classe trabalhadora decorre do fato de ela se colocar de acordo com os seus objetivos e a contraposição entre legalidade e ilegalidade se colocaria à serviço da derrubada do Estado.


Nesse sentido, Lukács fala da questão pedagógica porque o centro é a questão é ideológica, a luta como um processo educativo.Por isso, a superação da forma Estado relaciona-se à tomada de consciência – visão contemplativa. O Estado é entendido, então, para Lukács, como derivador e a forma jurídica não se dá pela forma Estado, mas por outras derivações. Dito de outra forma, Lukács entende a forma Estado, mas não entende a forma jurídica como um todo. Algumas interpretações também apontaram que Lukács fez apenas o primeiro movimento, de ver que o poder está na classe dominante e no Estado. Não fez o segundo movimento, de interpretar que o Estado ao mesmo tempo que é produto da forma jurídica, cria também a própria forma jurídica.


Ditadura do proletariado e ideologia. A luta pelo poder iniciará essa educação do proletariado, mas não a completará. Lukács concorda com Rosa Luxemburgo, quando esta reconheceu que o caráter prematuro da tomada de poder se manifesta, sobretudo, no aspecto ideológico. Dessa forma, nas primeiras etapas da ditadura do proletariado, “o proletariado é obrigado a tomar o poder numa época e com um estado de espírito que fazem com que ele ainda sinta internamente a ordem social burguesa como verdadeiramente legal” (p. 480). A burguesa precisa, em primeiro lugar, ser destruída ideologicamente, para então colocar-se voluntariamente a serviço da nova sociedade e aceitar suas regras como legais.


Observações: Foi entendido que, nesse trecho, Lukács entende que a ideologia se coloca acima das questões materiais.


Estado proletário e “legalidade proletária”. Conforme Lukács, a relação entre legalidade e ilegalidade na ditadura do proletariado muda de função porque a antiga legalidade (da burguesia) se transformou em ilegalidade e vice-versa. No entanto, assim como a burguesia não pode perder o sentimento de sua legalidade em virtude de uma derrota, o proletariado também não pode alcançar a consciência de sua própria legalidade pelo fato de uma vitória (p. 482). Por isso, para o autor, essa consciência começa a surgir no capitalismo e se desenvolve durante a ditadura do proletariado. Mas apenas depois de ter tomado o controle, de fato, após os obstáculos da fase inicial, é que o proletariado atingiria seu processo de maturidade, ao se conscientizar sobre as “realizações espirituais construídas e mantidas pelo capitalismo” (p. 482).


Desenvolvimento da consciência da legitimidade da revolução. “No período de ditadura do proletariado, esse sentimento e consciência de legitimidade têm de substituir a independência em relação aos direitos burgueses, ou seja, a exigência da primeira fase da revolução” (p. 485). Essa consciência também deve se desenvolver na política externa dos Estados proletários, que têm igualmente que conduzir uma luta contra o Estado da burguesia. Lukács cita as negociações de paz de Brest-Litowsk como exemplo do alto nível de maturidade da consciência de classe do proletário russo quanto ao proletário internacional. “Todo o problema do reconhecimento da Rússia soviética por parte dos Estados burgueses não pode ser considerado, portanto, apenas como uma questão das vantagens para a Rússia, mas como uma questão do reconhecimento pela burguesia da legitimidade da revolução proletária efetuada” (p.486).


Considerações finais quanto aos avanços do proletariado russo e aos desafios do proletariado da Europa central e ocidental. Para Lukács, “(...) a maturidade ideológica do proletariado russo torna-se bastante visível exatamente naqueles aspectos considerados pelos oportunistas ocidentais e seus admiradores da Europa central como um sinal de retrocesso do proletariado russo, a saber: o aniquilamento claro e inequívoco da contra-revolução interna e a luta despreocupada, ilegal e ‘diplomática’ pela revolução mundial” (p. 487). Dessa forma, o autor elogia o proletariado russo, que ganhou força em longas lutas ilegais, compreendeu a essência do Estado capitalista e ajustou suas ações à realidade efetiva e não a ilusões ideológicas. Ao mesmo tempo, argumenta que o proletariado da Europa central e ocidental, naquele momento, ainda precisava tomar consciência de sua vocação história e da legitimidade de seu domínio, para isso seria necessário aprender o caráter meramente tático da legalidade e da ilegalidade e afastar tanto o cretinismo legal quanto o romantismo da ilegalidade.


Comentários. Para Lukács, a ideologia teria a função de tomar a aceitação da estrutura econômica da sociedade como algo pacífico, sem que o fundamento violento da luta de classes apareça. Por isso, a ordem jurídica burguesa se coloca como um fato ‘necessário’, a-histórico e insuperável, tanto para o burguês como para o proletário. No entanto, Lukács não menciona qual a relação social que engendra especificamente a forma ideológica do direito, se limitando a afirmar a determinação econômica e o caráter classista do direito. A legalidade proletária a que alude Lukács não seria possível para Pachukanis, já que toda legalidade está intrinsecamente vinculada à forma mercantil e, por isso, é eminentemente burguesa. Ainda que a abordagem do direito seja apenas uma parte do caminho que leva a questão da tática revolucionária, não há uma exposição do direito fora do plano ideológico. Silvio Almeida escreveu um texto chamado “Reflexões sobre ‘Legalidade e ilegalidade’ em História e consciência de classe”, no qual conclui que as diferenças entre Lukács e Pachukanis estão tanto na direção de suas reflexões como nos pontos de partida que adotam. Lukács partiria da teoria da ideologia direcionando a discussão para o método dialético e a consciência revolucionária, retomando o instrumental hegeliano; enquanto Pachukanis partiria do fetichismo para tratar da especificidade da forma jurídica no mundo mercantil, a partir do “último Marx”.




[1] No sentido em que a Segunda Internacional acreditava que o cerne da revolução seria a transferência do domínio do Estado das mãos da burguesia para as mãos do proletariado. Para Lukács, a luta pelo domínio do Estado não é uma luta de simples disputa/ “oposição” pelo poder do Estado, mas sim de negação, de não aceitação da ordem que o Estado representa.


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