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RELATÓRIO - Reunião 15/08/2019 - "A reificação e a consciência do proletariado", Georg Luk

Relatório – Reunião 15/08/2019

Tema: A reificação e a consciência do proletariado


Seção III (item 6)do texto A reificação e a consciência do proletariado: O ponto de vista do proletariado


Lukács objetiva arrematar as principais questões debatidas no longo ensaio, oferecendo uma visão panorâmica dos argumentos desenvolvidos nos subtítulos e seções anteriores, indicando os pontos de partida, de chegada e a unidade interna do texto. Nesse sentido, conclui que “A reificação é (...) a realidade imediata e necessária para todo homem que vive no capitalismo, e só pode ser superada por um esforço constante e sempre renovado para romper na prática a estrutura reificada da existência, mediante uma referência concreta às contradições que se manifestam concretamente no desenvolvimento global e, com a conscientização do sentido imanente dessas contradições para a totalidade do desenvolvimento.” p. 391.


O autor reafirma sua posição no sentido de que o processo de rompimento da reificação da consciência do proletariado se dá com a conscientização das contradições imanentes que se manifestam concretamente no próprio processo de desenvolvimento global: “apenas quando a consciência do proletariado é capaz de indicar o caminho para o qual concorre objetivamente a dialética do desenvolvimento (...) o proletariado surgirá como e a sua práxis se tornará uma transformação da realidade.” p. 391.


Fazendo referência à passagem de Lênin sobre os“elos da cadeia de desenvolvimento”, Lukács reforça que o rompimento com a estrutura da consciência reificada possibilita que a ação do proletariado possa ser “a execução prática e concreta do passo seguinte do desenvolvimento” - sendo que o caráter “decisivo” ou “episódico”desse passo, dependerá das circunstâncias concretas. Esse caráter, no entanto, não é determinante, na medida em que “a questão principal se refere a um processo ininterrupto de (...) rupturas” orientado para a totalidade do processo. p. 392.


Lukács novamente aposta que com “a crescente socialização capitalista da sociedade, aumenta a possibilidade”de que o “conteúdo de cada acontecimento específico” seja compreendido e inserido na dinâmica da totalidade.Nesse sentido, segundo o autor, “o momento decisivo da ação pode estar orientado para algo – aparentemente – insignificante”, já que, “na totalidade dialética, cada elemento comporta a estrutura do todo.” – o universal no particular. p. 392/393.


a) É interessante notar como essa discussão, de certo modo, se relaciona com certas leituras equivocadas sobre Althusser no que se refere à necessidade de identificar de forma imediata a contradição principal em cada momento histórico, o que dá margem a tentativas de condensar a contradição entre capita e trabalho em um dado fato histórico isolado ou de pouca significância na totalidade.


b) Por outro lado, não se pode ignorar que um determinado acontecimento histórico concreto contém, ao menos potencialmente, a possibilidade de elevação da consciência de classe à totalidade. O grupo, no entanto, diverge quanto aos limites do debate que está colocado nesse trecho do texto: se esse debate se encerra na questão da superação da consciência reificada ou se Lukács também desenvolve a problemática de acesso à totalidade em uma localidade histórica como critério para a ação;


c) Outra questão que chama atenção na passagem da pg. 392/393 diz respeito à sugestão de Lukács no sentido de que “a economia hoje se mostra mais imediata”. O texto foi escrito dentro de um contexto de processo revolucionário em curso, onde a realidade se mostra de forma mais “acelerada”. Não necessariamente essa afirmação seria valida para a atualidade. Por outro lado, é possível interpretar esse trecho no sentido de que a forma capitalista, na época de Lukács, se apresentava mais desenvolvida – inclusive mundialmente -, com mais determinações do que na época de Marx.


Ainda sobre a ação do proletariado, Lukács salienta que o critério de avaliação do seu acerto ou desacerto deve estar pautado pela sua função no âmbito da totalidade, pela sua orientação na constituição do proletariado em classe. Indo além, o autor se vale de um excerto de Engels e outro de Marx para exemplificar sua posição: “A questão de saber se a verdade objetiva compete ao pensamento humano não diz respeito à teoria, mas à prática. (...) É na prática que o homem tem de demonstrar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno do seu pensamento. (...) A polêmica sobre a realidade ou irrealidade de um pensamento que se isola da práxis é uma questão puramente escolástica”. p. 393.


a) Nesse trecho da p. 392/393 sobre a mercadoria, pela primeira vez no texto surge de forma mais clara o que é a práxis do proletariado. Até então, há uma certa oscilação sobre essa questão.


b) A relação entre consciência e práxis é uma das questões que merece muita atenção e que sofrerá futuras reformulações na obra do autor. Por exemplo, na Ontologia do Ser Social, Lukács sugere que toda ação humana é teleológica mas que existe uma segunda teleologia que é histórica, ditada pelo conjunto das ações.


Assim, afirma Lukács, se é certo dizer que o proletariado se constitui enquanto sujeito-objeto idêntico do processo histórico, “a essência eminentemente prática dessa consciência expressa-se no fato de que a consciência correta e adequada significa uma modificação dos seus objetos, sobretudo de si mesmo.” p. 394.


Portanto, paradoxalmente, a formulação de Kantno sentido de que “se o ser fosse um predicado do real ‘não posso afirmar exatamente que o objeto do meu conceito existe’” fornece “uma descrição exata” do que “a ação do proletariado - funcionalmente correta - provoca de fato”: “do ponto de vista do proletariado, a realidade das coisas dada empiricamente se dissolve em processos e tendências, que esse processo não é um ato único em que se rasga o véu que esconde, mas a alternância ininterrupta derigidez, contradição e fluidez” e “que a verdadeira realidade – as tendências de desenvolvimento que despertam para a consciência – representa o proletariado”. p. 394/395.


a) A passagem acima põe em evidência, novamente, um dos problemas centrais do livro, que rendeu as críticas feitas ao autor no sentido de que transparece na obra uma concepção de que é a consciência que orienta a prática e não no oposto. Essa noção, inclusive, é o que permite leituras imobilistas no processo histórico: sugestões como“esforço contínuo (...) para referência à realidade”;


b) Embora no começo do livro Lukács tenha advertido de que a obra não se destinaria a esse propósito que, antes disso, buscava uma “teoria filosófica da legitimação da prática política”, o fato é que, como se viu anteriormente, tais questões inevitavelmente surgem ao longo da obra.


Lukács então volta à exposição dos limites ontológicos do sistema kantiano enquanto manifestação da estrutura reificada da consciência destacando sua insuficiência para o ponto de vista do proletariado: “na teoria do ‘reflexo’, objetiva-se teoricamente a dualidade insuperável – para a consciência reificada – de pensamento e ser, de consciência e realidade. E, desse ponto de vista, pouco importa se as coisas são compreendidas como reflexos dos conceitos ou os conceitos como reflexos das coisas, pois, em ambos os casos, essa dualidade adquire uma fixidez lógica insuperável.” p. 396.


O autor, contudo, não reconhece que a teoria do conhecimento de Kant seja de todo um ceticismo ou agnosticismo, muito embora afirme que o filósofo prussiano acenou para essa direção em alguns momentos. Essas contradições de Kant ocorrem ocorre porque, segundo o autor, “Quanto mais ‘puro’ for o caráter cognitivo do pensamento, quanto mais ‘crítico’ o pensamento se tornar, tanto maior e intransponível parecerá o abismo entre a forma ‘subjetiva’ do pensamento e a objetividade do objeto (existente).” Quando Kant concebe o objeto do pensamento como produto das formas de pensamento, esse problema do ser, segundo Lukács, é afastado da teoria do conhecimento mas se reconstitui no campo filosófico: “mesmo seus objetos pensados precisam estar de acordo com uma ‘realidade qualquer’. É aí, então, que Kant é cético/agnóstico, quando essa realidade é “colocada fora daquilo que pode ser conhecido ‘criticamente’” (aporias incognoscíveis). 396/397.


Nesse contexto, Lukács acusa Kant de ter recorrido a uma noção flagrantemente oposta ao seu princípio sintético da produção (qual seja, a “doutrina das ideias” platônica)tão somente para salvar a noção de “objetividade do pensamento e sua correspondência com o seu objeto” sem ter que“encontrar no ser empírico e material dos objetos o critério para essa correspondência”. Contudo, ao proceder desse modo, Kant empurra a “teoria do pensamento para além do próprio pensamento”, transformando-a em “teoria da alma, metafísica, filosofia da história”. Esse recurso deixa claro, segundo o texto, que “em toda elaboração consistente da doutrina das ideias tem de ser indicado um princípio que associa, por um lado, o pensamento com os objetos do mundo das ideias e, por outro, este com os objetos da existência empírica” e mesmo assim, não se resolve definitivamente os problemas decorrentes do dualismo sujeito x objeto, que é apenas deslocado, cedendo espaço para formulações metafísicas e/ou mediações mitológicas (reminiscência, intuição intelectual, etc.).p. 397/398.


As mesmas limitações que Lukács vislumbra no idealismo kantiano seriam, segundo o texto, aplicáveis ao materialismo que não superar, “em sua própria estrutura e na estrutura de suas inter-relações” a separação entre pensamento e ser, isto é, concebendo o pensamento enquanto um “produto do cérebro” que “corresponde aos objetos da empiria”. p. 399.


Lukács reforça que essa oposição rígida entre pensamento e ser (empírico) deságua em um paradoxo congelante: “por um lado, é impossível eles estarem numa relação de reflexo um com o outro, mas, por outro, o critério do pensamento verdadeiro só pode ser procurado no caminho do reflexo”. Isso implica, segundo autor, “o homem comportar-se de maneira contemplativa e intuitiva, sua relação tanto com seu próprio pensamento como com os objetos circundantes da empiria só pode ser imediata. Ele aceita ambos em seu caráter acabado – produzido pela realidade histórica.” Solução: tese XI - crítica à apatia epistemológica – transformação da filosofia em prática. p. 400.


A filosofia enquanto prática transformadora, ressalta o autor, “tem seu pressuposto e seu complemento objetivamente estruturais na concepção da realidade como um ‘complexo de processos’, na ideia de que as tendências de desenvolvimento da história representam, em relação às facticidades rígidas e reificadas da empiria, uma realidade que surge dessa própria experiência e que, portanto, não é transcendente, mas superior, que é a verdadeira realidade.” – concreto pensado.


Nesse sentido, a “consciência têm de orientar-se pela realidade (...) o critério da verdade consiste em ir ao encontro da realidade. Contudo, essa realidade não é (...) idêntica ao ser empírico e factual. Por um lado, nesse devir, nessa tendência, nesse processo desvela-se a verdadeira essência do objeto”. p. 401.


Feitas essas constatações, Lukács assevera que “Apenas quando o pensamento se manifesta como forma de realidade, como fator do processo total é que pode superar dialeticamente a própria rigidez e assumir o caráter de um devir. Por outro lado, o devir é, ao mesmo tempo, a mediação entre passado e futuro. Mas é a mediação entre o passado concreto, isto é, histórico, e o futuro igualmente concreto, isto é, também histórico.” p. 402.


a) Chama a atenção Lukács sugerir que o futuro faz parte do processo histórico. Como ação política é possível conceber essa compreensão porém na perspectiva da história (isto é, futuro como história) é algo que gera certa apreensão;


b) Tal problema é resolvível reformulando ontologicamente a noção de presente, passado e futuro como categorias estanques e entender tudo como devir.


O pensamento do proletariado portanto, necessita ser “capaz de compreender o presente como devir, reconhecendo nele aquelas tendências, cuja oposição dialética lhe permite criar o futuro”. Somente assim “é que o presente, o presente como devir, torna-se o seu presente”. Lukács então atribui ao proletariado a “vocação” e a “vontade” de criar o futuro, o que permite “ver a verdade concreta do presente.”p. 402/ 403.


Sublinhando a unidade dialética existente entre pensamento e ser e entre consciência e prática, o autor assinala que “O critério da correção de um pensamento é, com efeito, a realidade. Ela,porém, não é, mas vem a ser – não sem a contribuição do pensamento. Aqui se cumpre, portanto, o programa da filosofia clássica: o princípio de gênese é, de fato, a superação do dogmatismo (especialmente em sua maior figura histórica, a doutrina platônica do reflexo). Mas apenas o devir (histórico) concreto é capaz de desempenhar a função de tal gênese. é um elemento necessário, imprescindível e constitutivo.”p. 403.


No entanto, Lukács novamente adverte que “apenas a consciência de classe do proletariado, que se tornou prática, possui essa função transformadora. Todo comportamento contemplativo e meramente cognitivo encontra-se, em última análise, numa relação de dualidade com seu objeto, e a simples inserção da estrutura que reconhecemos aqui em qualquer outra atitude de que não seja a ação do proletariado – pois apenas a classe pode ser prática em sua relação com o desenvolvimento total – conduz a uma nova mitologia conceitual, a uma recaída ao ponto de vista, superado por Marx, da filosofia clássica.” Ou seja, a essência dialética da consciência de classe do proletariado “pode consistir apenas na tendência à prática, na orientação para as ações”, sendo, portanto, necessário “permanecer criticamente consciente da sua própria tendência ao imediatismo inerente” aos comportamentos não práticos. p. 404/405.


Além disso, o caráter prático do pensamento do proletariado deve se objetivar enquanto um processo dialético, de modo que a autocrítica que intervém nesse pensamento deve recair não somente sobre o seu objeto (sociedade burguesa) mas também sobre “o nível de manifestação real de sua própria essência prática, (...) [sobre] ograu de prática verdadeira que é objetivamente possível e [sobre] o quanto foi realizado na prática daquilo que é objetivamente possível”, visto que não se pode confundir o discernimento sobre essência e aparência da sociedade capitalista com a sua anulação na prática.


Por outro lado, “Os momentos nos quais esse discernimento pode efetivamente transformar-se em práxis são determinados pelo processo social de desenvolvimento.” Existem “íntimas ações recíprocas e dialéticas entre a situação histórico-social objetiva e a consciência de classe do proletariado enquanto sujeito-objeto idêntico do processo social de desenvolvimento.” p. 405/406.


Reafirmando que o processo de superação da reificação não ocorre em um ato único e exclusivo, Lukács tem o cuidado de acrescentar que “uma série de objetos parece permanecer mais ou menos intocada” nesse processo. Para o autor, isso ocorre tendo em vista que os fenômenos do ser social abrigam “gradações qualitativas no [seu] caráter dialético” (ex.: juro em oposição ao lucro) sendo que, dentro desse sistema de gradações qualitativas, a consciência do proletariado deve atingir “aquela totalidade concreta das categorias que seria imprescindível para o conhecimento correto do presente”. p. 406/407.


Nesses ponto do texto, Lukács faz a ponte entre o processo de superação da reificação com a sua concepção da dialética marxista, a qual, deve recorrer à concreção histórica de Marx como único controle e único recurso para que a dialeticidade seja conservada, visando evitar mecanicismos, esquematismos ou petrificação metodológica: a“dialética positiva (...) deve ser entendida como o surgimento de um conteúdo determinado, o esclarecimento de uma totalidade concreta”. p. 407/408.


Lukács critica o conceito hegeliano de “natureza como ‘ser outro’” e “’ser exterior a si mesmo’ da ideia” entendendo que excluem uma dialética positiva, sendo eles “um dos motivos teóricos para as diversas construções artificiais” da filosofia da natureza hegeliana.


O autor então assinala que, mesmo Hegel reconheceu “que a dialética da natureza” exclui o sujeito no processo dialético, de onde resulta a necessidade da “separação metódica entre a dialética simplesmente objetiva do movimento, própria da natureza, e a dialética social, na qual o sujeito também é incluído na relação recíproca dialética, em que teoria e práxis se tornam dialéticas uma em relação à outra.”, sendo que o “desenvolvimento do conhecimento da natureza enquanto forma social encontra-se submetido ao segundo tipo de dialética.” p. 408.


Para o autor, a consolidação do método dialético pressupõe apresentar concretamente os diferentes tipos de dialética, além daquelas já designadas por Hegel (positiva e negativa, distinções entre os níveis de intuição, representação e conceito etc.). Segundo Lukács, as obras econômicas de Marx fornecem “rico material” para a identificação das demais diferenças. No entanto, aponta o texto, mais importante do que estabelecer uma tipologia das formas dialéticas, é reconhecer que “mesmo aqueles objetos, que se encontram abertamente no centro do processo dialético, também só são capazes de perder sua forma reificada num processo demorado”, após percorrer algumas etapas (exemplo da tomada de poder pelo proletariado, organização socialista da economia, etc.).


Recorrendo a Lassale quando trata da passagem do velho para o novo e a Bukharin (“na época da dissolução do capitalismo as categorias fetichistas falham (...) é necessário recorrer à ‘forma natural’ que lhe é subjacente”), Lukács conclui que, a sociedade burguesa declinante apresenta um vazio crescente das formas de reificação (que resulta em uma incapacidade crescente de compreender os fenômenos, mesmo isoladamente) masque, ao mesmo tempo,isso corresponde a um crescimento quantitativo (uma expansão vazia e extensiva) dessas formas, que recobrem a superfície dos fenômenos, surgindo para o proletariado “tanto a possibilidade de substituir o invólucro vazio e roto pelos seus conteúdos positivos (...) como o perigo (...) de submeter-se ideologicamente a essas formas completamente vazias e ocas da cultura burguesa. p. 409/410.


Arrematando, o autor indica que é necessário que o proletariado compreenda o que o antigo materialismo mecânico e intuitivo não pôde compreender, isto é, “que a transformação e a emancipação só podem ser o seu próprio ato”, “que o próprio educador tem de ser educado”. Nesse sentido, “o desenvolvimento econômico objetivo foi capaz apenas de criar a posição do proletariado no processo de produção (...) determinou seu ponto de vista”, colocando ao seu alcance “a possibilidade e a necessidade de transformar a sociedade”, que, no entanto, somente “pode ser o ato – livre – do próprio proletariado.” p. 410/411


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