RELATÓRIO - Reunião 22/08/2019 - Para uma ontologia do ser social, Georg Lukács (p.325-336)
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Relatório – Reunião 22/08/2019
Para uma ontologia do ser social (p.325-336)
TEXTO: LUKÁCS, Georg. Prolegômenos e Para uma ontologia do ser social: obras de Georg Lukács. volume 13. Tradução Sérgio Lessa. Revisão Mariana Andrade. Maceió: Coletivo Veredas, 2018.
Primeiro bloco – “ser social e ser geral”
(p. 325-327 )
Relatório do Texto
1. Segundo Lukács, ninguém se ocupou tanto quanto Marx a respeito do ser social e suas principais categorias.
2. Os filósofos, em geral, ao tratarem da questão referente à ontologia do ser social incorriam em dois erros: uma identificação absoluta entre ser social e ser geral ou uma distinção absoluta entre eles, retirando qualquer caráter ontológico do ser social.
3. Essa distinção também levava a uma separação total entre o “mundo do ser material enquanto reino da necessidade “ e o “reino puramente espiritual da liberdade” (p.325).
4. Ao conceber de modo absoluto a distinção entre os dois reinos, não se leva em consideração que “O ser social possui muitas esferas parciais, as quais, em modo evidente para todos, parecem ser sujeitas à necessidade, à legalidade, da mesma maneira que a própria natureza.”
5. Dessa forma, existem pontos de contato entre o ser geral e o ser social, que são inobservados quando partimos de uma análise que “trata as ciências sociais como ciências da natureza” ou “inventa-se para elas a rubrica metodológica de ciências do espírito.” (p. 326)
6. Marx vê o problema com clareza quando observa “toda uma série de determinações categoriais sem a qual não se pode concretamente apreender o caráter ontológico de nenhum ser” de modo que uma ontologia do ser social “pressupõe uma ontologia geral” (p.327)
7. “A ontologia geral ou, dito mais concretamente, a ontologia da natureza inorgânica como base de todo existente é, portanto, geral, porque não pode haver nenhum existente que não esteja de algum modo ontologicamente fundado na natureza inorgânica.” (p.327)
8. Logo, formas mais complexas de ser e novas categorias que delas surgem só podem ter eficácia ontológica com base e em interação com as categorias gerais.
9. Portanto, a análise das especifidades do ser social deve ter em conta a unidade geral de todo ser e as suas determinações específicas.
Questões de debate
• O que é Ontologia? Ontologia é a explicação a partir do ser; explicação do objeto a partir do próprio objeto.
• Devemos delimitar o que é um ser – quais as determinações que dá a algo o estatuto de ser; não transformando ontologia em gnosiologia. O método para conhecer um ser não pode ser o método para conhecer todo e qualquer ser.
• Valor e validade possuem caráter ontológico?
• Lukács critica uma ciência social que pregue uma ciência natural, ou seja, uma separação absoluta entre natureza e espírito.
• Para Lukács, a ontologia já está presente em Marx, não sendo necessário completar a obra marxiana com uma contribuição ontológica.
Segundo bloco – “práxis em termos objetivos e subjetivos”
(p.327-329)
Relatório do Texto
10. O segundo passo de Marx ao tratar da questão das especificidades do ser social é “colocar no ponto central o reflexo dialético da realidade objetiva “ (p.327) sob pena de confundir-se a realidade objetivo com seu reflexo imediato.
11. Logo, o segundo pressuposto para compreensão da ontologia do ser social é a compreensão da práxis em termo objetivo e subjetivo.
12. Marx trata dessa questão de modo programático ao romper com seus predecessores e afirmar que não basta apenas compreender o mundo e sim transformá-lo.
13. “(…) o ser social é a única esfera da realidade em que a práxis assume o papel de uma conditio sine qua non na conservação e na locomoção das objetividades, na sua reprodução e desenvolvimento ascendente.” (p.328)
14. Nesse momento, Marx rompe com uma posição contemplativa de mundo enquanto “medida última do comportamento correto do ser humano na realidade social” (p.328) e rejeita uma antinomia metafísica entre a liberdade e a necessidade no agir humano.
15. Diversas tendências, ao analisarem a questão da ontologia, estiveram condenadas ao fracasso porque “por um lado, na totalidade e no método de apreensão do mundo não — ou em modo insuficiente — demarcaram o modo de consideração gnosiológico-lógico do ontológico” e porque “basearam suas visões ontológicas em imagens de mundo condicionadas pela época, todavia cientificamente falsas ou religiosas.” (p. 328-9)
Questões de debate
• É preciso estarmos atentos ao efeito da práxis nas subjetividades.
• O segundo pressuposto de Marx é a práxis pois ela possui a capacidade de mudar e mover o mundo a partir de sua compreensão. Nesse sentido que nela se realizam o subjetivo e objetivo.
• O autor também aponta para a importância, dentro do estudo das categorias do ser social, a superação da antinomia entre natureza e razão, entre sujeito e objeto do conhecimento.
Terceiro bloco – “bases materiais do pensamento” ( p.329 – 331)
Relatório do Texto
16. Existe uma confusão e obscuridade na ontologia pré-marxista.
17. Isso ocorre uma vez que as bases materiais do pensamento são correspondentes a cada período, e este submete a realidade a critica apenas para demonstrar a inadequação do pensamento passado na nova realidade, como ocorre em momentos de crise. Mas sem, com isso, revelar “fundamentos sociais do seu ser-precisamente-assim” (p. 329)
18. A vida cotidiana segue sendo um dos campos menos investigados, formando junto a religião e a ciência – por exemplo - “um complexo cuja unidade em muitos casos permanece inconsciente. (p.329) Ao mesmo tempo, muitos trabalhos foram feitos sobre a história dessas categorias, porém sem investigarem a fundo suas inter-relações.
19. As representações ontológicas que emergem do cotidiano estão permeadas por preconceitos ingênuos, de modo que devem ser submetidas à critica. Porém, “a crítica aqui necessária não contém, contudo, nenhum direito de desconsiderar esse fundamento cotidiano” (p. 330).
20. “Do ponto de vista de uma ontologia do ser social, provavelmente é a mais importante aquela interação que tem lugar ininterruptamente entre teorias ontológicas e a práxis cotidiana” (p.330)
21. Portanto, o percurso entre ontologia e cotidiano deve ser compreendido de forma dialética, e não como uma linearidade acrítica. A práxis,”é determinada pelo ser, pelo ser social e pela natureza por ele mediada. Todavia, essa práxis postula, por necessidade própria, uma imagem de mundo em que a totalidade (Gesamtheit) das atividades da vida resulta em uma conexão plena de sentido. “ (p. 330)
Questões de debate
• Descarte e Bacon – citados por Lukács – representam a passagem do pensamento da idade média para moderna. Como colocado pelo autor, suas formulações emergem em momentos de crise.
• A dificuldade de se explicar a realidade diz respeito aos fundamentos materiais da realidade de onde surge o pensamento, não se trata apenas de um esforço do pensamento em si. Não se pode pautar o debate entre certo e errado. Ou seja, mudando-se as bases materiais muda-se o pensamento e a forma de pensar.
Quarto bloco –“recuperação da história da ontologia” ( p.331-335 )
Relatório do Texto
22. Existe, portanto, uma base social de onde emergiu uma forte influência das religiões nas questões ontológicas e suas respectivas concepções de mundo.
23. “Trata-se dos problemas da vida cotidiana que emergem em sua situação histórica então dada, nas situações de classe então existentes e na atitude da humanidade para a realidade social a ela imediatamente dada — da qual faz parte a natureza mediada — e à qual os seres humanos, a partir de sua própria força e antes de tudo na moldura de sua respectiva vida terrena, não são capazes de responder satisfatoriamente.” (p.331)
24. A força das religiões nasce das necessidades religiosas que daí se desprendem: “uma imagem de mundo em que aqueles desejos não satisfeitos na vida cotidiana, que transcendem a existência cotidiana dos seres humanos, contêm a perspectiva da satisfação em um além apresentado com pretensão ontológica.” (p.331)
25. A ontologia religiosa portanto, via na contramão da ontologia filosofica-cientifca que examina a realidade objetiva para apontar as possibilidades de transformação através da práxis real.
26. Ainda que percorrendo caminhos opostos, filosofia e religião possuem em comum os mesmos seres humanos, de forma que emergem-se inter-relações cujos contornos serão delimitados a depender dos problemas históricos e sociais da época.
27. “(…) adentra o dualismo ontológico que caracteriza a maioria das religiões, antes de tudo o cristianismo, na vida europeia: de um lado, o mundo dos seres humanos, do qual se elevam as necessidades religiosas, (...) do outro lado, um mundo transcendente cujas qualidades ontológicas são chamadas a fornecer as perspectivas e garantias de sua realizabilidade” (p.333)
28. Lukács não pretende aqui discorrer sobre todo o desenvolvimento da ontologia, mas demonstrar, em linhas gerais, como esse ocorre na perspectiva de uma ontologia de dois mundos, sendo esse desenvolvimento interrompido apenas pela filosofia de Epicuro.
29. Epicuro emprega “um materialismo crítico-desponderado destrói toda ontologia de dois-mundos.” (p. 334) a defender que o ser humano deve voltar seus esforços em resolver as questões de sua vida “exclusivamente em sua existência física desse mundo” (p.334)
Questões de debate
• Questão da religião e da filosofia. Platão possui uma ontologia idealista. Tensões permanentes entre material e ideal; entre o mundo e o divino transcendente.
• As mudanças sociais não necessariamente terão caráter teleológico. Mesmo a práxis humana tendo caráter teleologia a sociedade não é exclusivamente determinada teleologicamente. O próprio caráter teleológico é uma causalidade.
• É possível a elaboração de uma Ética com base em uma ontologia que seja “radicalmente materialista”?
Quinto bloco –“o cristianismo”
(p. 335 -337)
Relatório do Texto
30. “A emergência do cristianismo tem lugar nesse milieu da cultura antiga em dissolução, em que mesmo para a filosofia a satisfação místico-mágica da necessidade de redenção forma o motivo primário, em que surge um vasto número de seitas para a imediata satisfação de tais desejos de resgate da alma pessoal.” (p.335)
31. Sobre o cristianismo, Lukács chama atenção à questão da Parúsia, ou seja, a segunda vinda de Jesus Cristo que, associada ao fim do mundo se torna um momento ontologicamente decisivo que poderia ser pessoalmente experimentado.
32. Assim, “da necessidade religiosa da época, emerge, então, uma ontologia pronunciadamente religiosa que recusa com ousada radicalidade a imagem de mundo então disseminada, ainda que cientificamente tão problemática, e coloca, como única realidade, a objetivação do anseio religioso que se eleva da desesperançalidade de um sentido terreno para a vida pessoal, não apenas para os judeus oprimidos, mas em todo o império antes de tudo para os pobres”. (p. 335)
33. Porém, ainda aqui mantêm-se a estrutura de dois mundos, “uma concepção fundada teologicamente do mundo dos seres humanos, em que seu destino se realiza, em que seu comportamento decide sua redenção ou sua danação e a do mundo de Deus que a tudo abarca” (p.336)
Questões de debate
• Loucura – atribuída a Paulo pelos pagãos - pode ser entendida como uma forma de gnose.
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