RELATÓRIO - Reunião 29/08/2019 - Para uma ontologia do ser social, Georg Lukács (p.337-347)
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Relatório – Reunião 29/08/2019
Para uma ontologia do ser social (p.337-347)
TEXTO: LUKÁCS, Georg. Prolegômenos e Para uma ontologia do ser social: obras de Georg Lukács. volume 13. Tradução Sérgio Lessa. Revisão Mariana Andrade. Maceió: Coletivo Veredas, 2018.
PRESENTES: Marcus Orione, Flávio Batista, Thiago Calheiros, Pedro Pinto, Rodrigo Maluf, Helena Duarte, Odara, Daniel Ferreira, Deise Martins, Thamiris e Irene Maestro.
Primeiro Bloco - Início da leitura e debate na página 337, na frase “Apenas com as descobertas de Copérnico, Kepler e Galileu surgiu para a ontologia uma situação fundamentalmente nova”
Relatório do Texto
- O autor trata do conflito e “mudança no destino” da ontologia religiosa com o colapso científico do sistema geocentrico do mundo.
- Diante disso, a ideologia religiosa recorre à “dupla verdade” (existência de uma ontologia religiosa que sustenta o caráter teológico do cosmos e do desenvolvimento histórico, e a estrutura antropocêntrica regida pela onipotência de Deus [p. 337], ao lado de uma “moral socialmente evidente, religiosamente garantida”, que conferia às descobertas científicas como que “outro campo” de verdade, criando uma espécie de “asilo intelectual para a ciência”) para salvar aquilo que não podia conceder de sua ideologia.
- A articulação de uma“nova versão da dupla verdade” [p. 338] expressa-se em Belarmino “Vamos marchar com os tempos, Barberini. Se os mapas celestes, que dependem de uma hipótese nova, facilitam a vida dos nossos navegantes, eles que usem os mapas. O que nos desagrada são doutrinas que tornam erradas as escrituras”.
- Luckás aponta a postura cínica em não reconhecer a realidade e explica que “Esse cinismo, todavia, expressa adequadamente o instintivamente correto conhecimento da nova situação por parte da igreja: para a nova classe dominante em ascensão, para a burguesia, o desenvolvimento ilimitado das ciências, antes de tudo das ciências da natureza, era uma questão vital [p. 338].
- Há, assim, um “avanço inexorável da nova ontologia fundada nas ciências da natureza”[p. 338], ou seja, “o funcionamento do conhecimento da natureza em sua imanente objetividade prática” [p.339], “sempre reforçada pelas seguidas realizações da ciência” [p.339].
- Há pensadores, no entanto, que “desejam dar fundamento teórico e gnosiológico ao cinismo belarminiano da política da igreja” ao “assinalar, gnosiologicamente, que não pode ser atribuído aos nossos conhecimentos sobre o mundo material qualquer significado ontológico”, como Berkley e Jant. Isso porquê, “é deixado gnosiologicamente imperturbado o funcionamento do conhecimento da natureza em sua imanente objetividade prática, por uma recusa - do mesmo modo gnosiológica - de toda »ontologização« de seus resultados, de todo reconhecimento da existência dos objetos em si, independente da consciência cognoscente; [p.339]
- Lukács afirma que “A filosofia do século 19 é dominada por essas concepções” [p.339]
Questões de debate
1. Porquê Lukács está falando de todas essas coisas? Ele está tentando destacar fatos históricos relevantes acerca da teoria de ontologia. A questão da verdade, com o heliocentrismo, deteriora a visão ontológica religiosa da igreja.Não existia uma história da teoria ontológica, da razão ontológica. Começa pela igreja. E é interessante que o autor aborda o cinismo, com a frase “vamos marchar com os tempos...”. Não poder dizer que existe um ser em si confirma algo que a igreja gostaria que fosse dito (sobre Kant, que é um pensador religioso).Kant e Berkley, em ambos os casos, resolvem questão gnosiológica antiontoliogicamente.
2. Qual a relação entre a ontologia e gnosiologia? A resposta está na questão das representações: ao contrário da ontologia (que se dá a partir do ser), a gnosiologia é conhecimento representacional. O contrário filosófico de ontologia é gnosiologia.
4. Lukács está fora do paradigma representacional. Althusser alcança uma teoria das representações (ideologia).Sobre a oposição entre Lukács e Althusser, qual seria a diferença, do ponto de vista filosófico? Lukács faz ontologia e Althusser epistemologia. É ontológico porque sempre parte da coisa em si: trata dos objetos a partir da coisa em si e não de sua representação, como fazia Kant (que não toma como pressuposto a existência de essência versus aparência).
7. Althusser ancora a representação na realidade. Quando se fala que Kant desenvolve uma filosofia gnosiológica, é essencial dizer que ele parte da representação de forma descolada da coisa em si. Quando se ancora a representação na realidade. fazendo com que ela esteja em unidade dialética (que é o que Althusser faz),não se está fazendo gnosiologia.
8. Sobre a oposição entre Lukács e Althusser, há quem entenda tratar-se de uma falsa oposição. Na medida em que se trata de uma questão terminológica, mas que tem impacto na ideologia burguesa.O que significa “fazer ontologia”? É partir do ser.
10. A grande questão é se libertar do pensamento que vem até Kant que é o da separação radical entre ser e representação. A partir do Hegel são contrários em unidade.
11. Observe-se que quando se diz estudar o ser e a representação que se faz dele, ou a partir dele, se olharmos a representação como ser (algo que tem determinação), isso já é estudo do ser (estudo ontológico). A representação e o ser: esse ser só existe também em suas representações. Então ser e representações não são coisas distintas, são um só. A representação é parte do ser. E a representação é um ser, porque algo com determinações. Trata-se de uma coisa una, complexa; Momentos contrários de uma coisa só.
12. Epistemologia e gnosiologia são coisas muito próximas se olharmos o radical. Na tradição filosófica epistemologia é algo mais amplo, que significa modo de conhecer. Mas para conhecer você precisa determinar o modo de conhecer. Surge a teoria do conhecimento (primeiro determino como eu conheço para depois conhecer). Para Marx, a forma de conhecer é resultado da própria investigação. Althusser produz investigação gnosiológica, mas não produz resultados gnosiológicos. Em Por Marx ele é contraditório, diz que acessar o ser diretamente é ilusão, mas se a representação também for o ser isso está errado.
13. Não existe representação fora das práticas. A materialidade das práticas é que cria as representações dos sujeitos.
14. A ideia do humanismo retira-se do Lukács a partir da ideia de gênero humano, que não tem nada a ver com o debate sobre pressupostos ontológicos ou epistemológicos.
Segundo Bloco – Início na página 339, com a frase “Da mesma maneira, contudo, desvaneceu também o conteúdo ontológico da realidade religiosa a ser resgatada”
Relatório do Texto
- Com Schleiermacher tem-se a “primeira forma decisiva” do desvanecimento da ontologia religiosa, que abre espaço para uma perspectiva subjetiva: “a religião se transforma em puro sentimento subjetivo da absoluta dependência do ser humano de potências cósmicas — tornadas anônimas, subjetivamente, arbitrariamente interpretáveis e configuráveis” (p.340).
- “Com isso, precisamente do ponto de vista dessa nova, purificada, religiosidade, a multiplicidade das religiões era compreendida como algo necessário e inevitável, já que nada poderia impedir um ser humano de moldar uma religião de acordo com sua própria natureza e seu sentido. Essa radical aniquilação de toda ontologia dogmática obrigatória na esfera da religião é — vista historicamente, objetivamente — não apenas o superar por princípio de toda possível contradição entre religião e ciência ou filosofia, mas também a superação da religião enquanto produto (Gebilde) objetivamente obrigatório” (p. 340).
- Hegel enxerga tal tendência na aproximação recíproca das religiões, no movimento ecumênico, e que, na época em que escrevia Lukács, segundo ele, tornou-se “uma das questões centrais do mundo religioso” (p. 340). As tentativas “unionista” demonstram que as religiões, na verdade, desconstituíram-se de diferenças internas.
- Advém, assim, as noções românticas (“a relação do filho piedoso com seus pais, do patriota entusiasmado com sua pátria ou, com o mesmo ânimo, do cosmopolita com a humanidade; a relação do trabalhador com sua classe em luta para ascender ou do orgulhoso nobre feudal com sua classe; a relação do subjugado com seu dominador, sob cuja influência se encontra, ou do verdadeiro soldado com seu exército”) que “segundo a forma de seu aspecto psíquico” possuiriam, “algo em comum que se deve qualificar como religioso” (Simmel) (p. 341).
Questões de debate
1. Interessante a parte em que o autor fala que a religião perdeu seu caráter obrigatório justamente quando perdeu o caráter de uma ontologia obrigatória. Isso serve para distinguir a religião que vivemos hoje (liberdade de escolha, fé – mais uma instância ideológica) e o que já foi vivido (algo totalmente diferente, são fenômenos diferentes).
2. Destaque para o trecho “Assim se dá com o protestantismo, cujas diferenças se quer agora fazer coincidir em tentativas unionistas - uma prova de que ele não existe mais. Porque é na desagregação que a diferença interna se constitui como realidade”. Relação com a atualidade da construção das igrejas neopentecostais nas periferias. É a desagregação que é o fato (existem igrejas dessa natureza com muitos nomes).
Terceiro Bloco – Final do 1§ da página 341, iniciando na frase “Para a filosofia ‘profana’, já sublinhamos a tendência decisiva”.
Relatório do Texto
- A “tendência decisiva” da filosofia “profana” seria ter “o domínio exclusivo da gnosiologia, a exclusão sempre mais decisiva e refinada de todos os problemas ontológicos da esfera da filosofia”. Por isso, a atitude dos neokantianos “para com a questão da coisa em si, vai de encontro, na virada do século, a um novo tipo de positivismo”. As “diferentes correntes dessa tendência (...) tentam sempre mais resolutamente colocar de lado a verdade e substituir a verdade pelas posições de finalidade imediato-práticas. O substituir do conhecimento da realidade por uma manipulação dos objetos, imperativo à práxis imediata (p. 341).
- Lukács afirma tratar-se de uma tendência geral da época que visa “a definitiva eliminação de todos os critérios objetivos de verdade e tenta substituí-los por um procedimento que torne possível uma manipulação desimpedida” (p. 342).
- Embora existam contra tendências, como Nietzsche e Bergson, “que colocam a demanda de fundamentar uma metafísica”, mas “o subjetivamente pensado é o mesmo — alcançar uma nova ontologia. Esta, todavia, permaneceu objetivamente encerrada na moldura do positivismo gnosiológico e é contudo, objetivamente, nada mais é que uma patética expressão de extremos polos opostos interiores ao positivismo: a problemática daquela subjetividade tornada abstrata e sem moradia, que não é capaz de encontrar na realidade nenhum lugar para exprimir a si mesma, embora - precisamente em sua opositividade - esteja incindivelmente enlaçada ao mundo manipulado” (p. 342).
- Conclui o autor que “Com isto é desvelada, ao mesmo tempo, a conexão do positivismo com o mundo religioso contemporâneo: no positivismo, a moderna religiosidade encontra a filosofia, na qual sua concepção de Deus e do mundo pode se vincular aos pensamentos os mais modernos, os mais científicos” (p. 342). Trata-se de uma crise filosófica.
Questões de debate
Não foram feitos comentários.
Quarto Bloco – Página 343. Capítulo “I. Neopositivismo e existencialismo”
Relatório do texto
- Inicia o capítulo analisando os componentes dessa crise, e buscando identificar “qual componente então parece legitimamente reclamar para si o momento predominante”. Em primeiro plano “ as duas guerras mundiais, a Revolução Russa de 1917, o fascismo, o desenvolvimento estalinista do socialismo na União Soviética, a Guerra Fria e o período do terror atômico”, mas ressalva que é preciso levar em conta as mudanças que a economia capitalista passou nesse período, o aumento da produtividade do trabalho, furto das novas formas de organização que aperfeiçoam a produção e regulam o consumo capitalisticamente (p. 343).
- “Ou seja, não se pode esquecer que a completa capitalização da indústria dos meios de consumo (e dos assim denominados serviços) é o resultado dos últimos três quartos de século. Com isto emerge a necessidade econômica, ainda desconhecida tanto na época do livre comércio quanto nos inícios do capitalismo monopolista, de uma manipulação cada vez mais refinada do mercado. Paralelo a isso — no fascismo e na luta contra ele — surgem novos métodos de manipulação da vida política e social que intervêm profundamente até na vida pessoal e — em fértil interação com a manipulação econômica há pouco mencionada — subjugam cada vez mais amplas esferas da vida” (p. 343-344).
- Surge todo um debate sobre manipulação “massificada” da vida, e nesse processo desempenham um papel importante tendências filosóficas como o behaviorismo, o pragmatismo (p. 344).
- Retoma-se então algo “nada surpreendente” que é o fato de que “se a ciência não mais é orientada para o conhecimento mais possivelmente adequado da realidade existente-em-si, se não se esforça, com seus métodos cada vez mais aperfeiçoados, a descobrir essas novas verdades, que de modo necessário são também fundadas ontologicamente, e a que os conhecimentos ontológicos se aprofundem e se multipliquem, então se reduz sua atividade, por último, a suporte da práxis no sentido imediato. Se ela não pode ou não quer, de todo conscientemente, ir para além desse nível, então sua atividade se transforma em uma manipulação dos fatos que na prática interessam aos seres humanos” (P. 344-345).
Questões de debate
1. Se a ciência não é direcionada para melhores práticas, a ciência só aperfeiçoa a prática, ou seja, se deixar guiar pela prática já posta. Então tudo se torna uma certa manipulação. O poder transformador não é para transformar a prática, mas para aperfeiçoá-la. Lukács mostra como o neopositivismo possui essa característica.
2. O autor está ancorando essa sua análise nas transformações que o capitalismo vai sofrendo ao longo do séc. XX. A ciência não serve só para guiar a produção, mas também o consumo (behaviorismo, manipulação do consumo). Assim, mostra que Behaviorismo e fascismo não são a mesma coisa, mas podem andar juntos. Interessante pensar isso do ponto de vista da sociedade de consumo.
Quinto Bloco – página 345, a partir da frase “Já o positivismo da virada do século, a esse respeito, foi muito mais adiante do que as linhas de pensamento precedentes”
Relatório do texto
- “Já o positivismo da virada do século, a esse respeito, foi muito mais adiante do que as linhas de pensamento precedentes. A gnosiologia,digamos, de Avenarius, já excluía completamente a realidade existente-em-si si, os grandes revolvimentos que se iniciavam nas ciências da natureza pareciam oferecer uma base para excluir completamente da gnosiologia e do método científico-positivista categorias ontológicas decisivas da natureza, sobretudo a matéria. A conhecida polêmica de Lenin contra essa concepção está, na essência, fundada na gnosiologia; mas, como toda gnosiologia marxista, devido à teoria do reflexo, possui um fundamento ontológico, teve ele de indicar a diferença do conceito filosófico entre já o conceito ontológico da matéria e (entre) o alcançado tratamento científico-concreto de seus apreensíveis modos-fenomênicos e, ao mesmo tempo, a inadmissibilidade de diretas conclusões, nessa esfera, a partir das novas descobertas, ainda que tão fundamentais. Esse desenvolvimento de maneira alguma é casual. Sendo a ontologia negada por princípio ou, ao menos, considerada irrelevante para as ciências exatas, essa atitude tem inevitável ente a consequência de que a realidade em si existente, sua respectiva forma de reflexo dominante na ciência e as hipóteses delas deduzidas — aplicáveis, na prática, ao menos a grupos de fenômenos determinados — convertem-se em uma mesma objetividade homogeneizada. (Pesquisadores que se defendem, instintivamente, contra uma tal equalização, recebem o xingamento de »realistas ingênuos«)” (p. 345).
- Avança-se no distanciamento das ciências com a realidade em si existente, com o desenvolvimento do positivismo, a exemplo da física tornada puramente matemática (um ramo da matemática).
Questões de debate
1. Destaque para o primeiro trecho do Relatório do texto desse bloco, que retoma o debate do começo do texto. Lukács cita Lênin por causa da crítica ao empiriocriticismo, e diz porque isso não é materialismo, mas idealismo.
2. Interessante como essa questão (das ciências exatas considerarem a ontologia irrelevante) está em Kant (física da matemática); herança das metafísicas pré-kantianas, que marcaram toda a história anterior. Até Newton, transformava-se a suposição em demonstração, depois de Plank e Einstein não há mais como mostrar, comprovar. Isso colocou a física em uma fase em que é impossível fazer uma descrição da realidade, pois, quando você está tentando compreender um fenômeno você o cria.
2. A física pura, baseada numa matemática pura, que é positivismo. Descolamento da realidade em si.
Sexto Bloco – Página 346, a partir da frase “Nicolai Hartmann, que entre os filósofos de nossa época tinha o mais vívido senso para problemas ontológicos...”
Relatório do texto
- O filósofo Hartman levanta o seguinte problema: “A exatidão da ciência positiva funda-se no elemento matemático. Mas este, enquanto tal, não perfaz as relações cósmicas. Tudo quantitativamente determinado é quantidade ‹de algo›. Substratos da quantidade, por conseguinte, são pressupostos em toda determinação matemática”, mas por trás das fórmulas matemáticas “por meio das quais a ciência apreende suas relações específicas”, encontram-se elementos não quantitativos, mas relações qualitativas (p.346).
- Explica Lukács que “o reflexo matemático torna-se veículo adequado a uma maior aproximação possível da correta reprodução intelectual da própria realidade: possibilita o, de outro modo inacessível, apreender o tipo quantitativo de essência estática e dinâmica e a relação dos objetos e processos, com o qual os tipos de objetividade e relações não quantitativos, através de uma tal mediação da matemática criticamente tratada, podem se apresentar em um reflexo correto. Isto significa que os fenômenos físicos são interpretados não puramente matematicamente, mas fisicamente, com a ajuda da matemática” (p. 436).
Questões de debate
1. Trata da referência da matemática com a realidade, o que impediria a física de se matematizar completamente.
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