RELATÓRIO - Reunião 12/09/2019 - Para uma ontologia do ser social, Georg Lukács (p. 347-356)
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Relatório – Reunião 12/09/2019
Para uma ontologia do ser social (p. 347-356)
TEXTO: LUKÁCS, Georg. Prolegômenos e Para uma ontologia do ser social: obras de Georg Lukács. volume 13. Tradução Sérgio Lessa. Revisão Mariana Andrade. Maceió: Coletivo Veredas, 2018.
PRESENTES: Daniel Ferrer, Daniel Ferreira, Débora Araújo, Flávio Batista, Ivan Palma, Marcus Orione, Odara Andrade, Pablo Biondi, Pedro Luiz, Thamiris Molitor, Thiago Barison e Rodrigo Maluf.
1º Bloco – De “A outra possibilidade intelectual é de algum modo absolutizar o meio homogêneo da matemática e divisar nele a chave única e definitiva para o decifrar dos fenômenos” (p. 347). Até “[...] portanto o resultado para ambas pode ser, facilmente, uma missão social comum e seu correspondente cumprimento” (p. 348).
Relatório do Bloco
Lukács questiona a adoção da matemática como linguagem única, neutra e homogênea – tal como feito pelo neopositivismo – na apreensão da “realidade em si existente”. Este movimento teria permitido à religião uma maior margem de “interpretação do mundo” desde a crise do Renascimento. O autor pondera assim o caminho encontrado pela religião com o fim do geocentrismo, sintetizado fundamentalmente como um “acordo científico-espiritual”. Neste contexto, Lukács destaca o caminhar conjunto da metodologia neopositivista e das necessidades religiosas na superação de um determinado passado: “Tudo o que foi arguido de Demócrito e Epicuro até Darwin aparece à luz do neopositivismo como antiquado e irrelevante cientificamente”.
Questões de debate
I - Importante exposição do autor sobre quando a ideologia religiosa, que até então apresentava sua “sobredeterminação", passa a dialogar com as demais ideologias. Contraponto com o estudo da ideologia jurídica e religiosa na edificação dos modos de produção.
II - Interessante desprezo da ciência por parte do neopositivismo no que se refere ao “aspecto filosófico até Darwin”.
III - Neopositivismo como positivismo lógico ou até mesmo “empirismo lógico”, que é diferente do empirismo clássico de Hume. Trata-se de um positivismo que dá menos peso à ciência do que o modelo empirista clássico, uma formalidade do pensamento que prevalece sobre a experiência.
IV – Pela lógica racional pura não existe a experiência, ela é uma projeção da racionalidade. A experiência apenas confirma os pressupostos que comandaram a organização da experiência.
2º Bloco – De “Essa conexão muito essencial imediatamente se apresenta em um significado completamente falsificado se se a compreende como direta ou mesmo intencional” (p. 348). Até “Com isso todo o campo da ontologia, e não só da ontologia religiosa, é excluído da filosofia científica, declarado como assunto privado” (p. 352).
Relatório do Bloco
Lukács apresenta como a particular compreensão religiosa e neopositivista nega por princípio que da “totalidade da ciência, das suas interações” possa surgir um “reflexo correspondente à realidade existente”. O positivismo aprofundaria a “negação estrita da relação das ciências com a realidade em si existente”. Fazendo menção a Marx, o autor elucida o pragmatismo de desenvolvimento da burguesia – e neopositivista – que busca “explorar e empregar sem limites os resultados da ciência na economia”, assim como “manter historicamente operante nas massas, ainda que por mais enfraquecidas, necessidades religiosas”.
O autor enfatiza a posição de absoluta neutralidade adotada pelo positivismo, mas, sobretudo, pelo neopositivismo, renunciando a problemática ontológica e construindo uma “filosofia que exclui de sua esfera todo o complexo de problemas do em-si-existente como pseudo questão por princípio irrespondível”. Assim tais escolas do pensamento se alinhariam à “herança do idealismo subjetivo”, havendo ainda entre estes uma compreensão variada sobre a concepção de “uma imagem do mundo que meramente recusa a »arrogância materialista« de esclarecer o mundo a partir dele próprio”.
Questões de debate
I - O que é nominalismo medieval e qual a sua relação com o neopositivismo? O autor parece tratar de um materialismo bastante subjetivo.
II - “Permanece, portanto, — muito variada, mesmo contraposta —, entre os idealistas subjetivos sempre uma imagem do mundo que meramente recusa a »arrogância materialista« de esclarecer o mundo a partir dele próprio” (p. 351). Resta dúvida sobre se é isto que o materialismo postula, pois este trecho passa a impressão de que é possível compreender o mundo por ele próprio sem que haja a mediação de uma teoria. Penso que Kant teria razão quanto a este aspecto. Marx em “O Método da Economia Política” diz que o homem reproduz no pensamento a realidade, não a partir dele mesmo, mas a partir do método correto. Não há um empírico transcendental que parece haver no Lukács.
III - É exatamente contra isso que o Lukács debate neste texto. A ontologia de Lukács é o ser social que por si só determina o método, não havendo essa separação do mundo que por si mesmo vai ao pensamento.
IV - “O cérebro pensa especulativamente e o mundo (sujeito real) segue com sua autonomia fora do pensamento”. Estão separados.
V - Parte-se de uma leitura que não identifica ciência ou pensamento como isso que o Marx está chamando de cérebro. Na ontologia de Lukács são duas coisas diferentes, o que é a ciência e como cada indivíduo se apropria disso. Marx neste texto mencionado não fala do “pensamento humano” ou da “ciência”, quando ele aborda a autonomia utiliza-se a palavra “cérebro” se referindo às consciências individuais.
VI - A filosofia utilizava esta linguagem “cérebro” e “indivíduo” porque era “o homem”, “o ser humano” e “o mundo”, depois mais tarde passou a ser “o artesão” e “as coisas”. Mudaram-se os termos, mas a ideia de um subjetivo que pensa e um objeto no mundo permanece a mesma. Claro que o pensamento é parte do ser social, nisso a gente tem acordo com o Lukács, mas o conhecimento que os “cérebros” individuais ou coletivos produzem são sempre mediados pelas ideias que produzem.
VII - A separação entre o cérebro e o mundo como tributário de Kant é justamente o que a literatura marxista posterior – de qualquer ramo que seja – desmonta. O que cada cérebro individualmente entende do mundo é irrelevante para o materialismo histórico-dialético. O valor existe não porque Marx tenha o descoberto, ele existe porque foi abstraído da prática social. O grande salto que Marx dá a partir de Hegel – que o Lukács está postulando, e, como eu leio, está no Althusser dos “Aparelhos Ideológicos de Estado” pra frente – é esse de que o conhecimento não é uma questão gnosiológica.
VIII - Foucault gosta muito do Kant porque existe mesmo essa arrogância que deve ser “materialisticamente” questionada (arrogância materialista de que tudo é deduzido do processo do capital). Abre-se espaço para mais questionamentos sobre o sujeito produtor do conhecimento.
IX - Lukács está trazendo os materialistas para tratar de crítica imanente no sentido de que o mundo fornecerá a possibilidade da crítica dele mesmo. O mundo fornece os critérios pelos quais ele deve ser criticado.
X - Retomando o debate sobre a coisa em si e a representação da coisa, ou admitimos que a coisa em si existe ou não – mesmo num processo dialético hegeliano. Quando se pensa muito “althusserianamente” a questão da ciência ou da ideologia torna-se difícil de identificar a essência da coisa em meio ao processo em movimento.
XI - Por isso Kant faz sucesso. Gnosiologia pura é algo incômodo e ontologia pura também. Existe lá a coisa em si, nós a representamos, mas estamos separados. É confortável.
XII - O objetivo da crítica imanente seria chegar à coisa em si?
XIII - Não, nunca. Seria chegar à tensão entre a coisa em si e sua representação.
XIV - Retomando a noção de que o mundo fornece os critérios para a sua análise, é preciso tomar o objeto em sua aparência para verificar se essa aparência coincidirá com sua essência, até porque a própria ideia de essência só faz sentido em sua contraposição com a ideia de aparência.
XV - A compreensão de que a essência só faz sentido em contraposição à aparência é bastante precisa, mas também suscita pensar que a coisa em si seria a essência exclusivamente posta, sem aparência.
XVI - Em diversas passagens Hegel trata da “coisa em si” ou “para nós”, pois a coisa em si está em unidade com a representação que ela provoca, que seria esse jogo de essência e aparência. Para o Hegel não existe a coisa em si pura.
XVII - Existe coisa em si pura na ausência total de determinações – no nada e no absoluto, no começo e no fim.
3º Bloco – De “Cabe apenas perguntar quais devem ser as consequências filosóficas de uma neutralização tão radical.” (p. 352). Até “Para citar, apenas marginalmente, a conexão ideológica entre o trabalho inicial e as »teorias« mágicas, ainda que suas consequências sobressaíssem profundamente na práxis da Idade Média, seja apenas apontado o sistema ptolomaico, cuja falsidade científica foi evidenciada tão só depois de muito tempo, mas que, para os propósitos práticos (navegação, calendário etc.) funcionou quase perfeitamente.” (p. 354).
Relatório do Bloco
Conforme Lukács, o neopositivismo consiste em uma “regulamentação da linguagem para a filosofia científica”. Neste contexto, a generalização da lógica matemática aplicada a todas as ciências se torna um dos pilares do neopositivismo. Para iniciar sua crítica o autor resgata o contraponto apresentado pelo próprio Carnap: “Para cada cálculo dado há, em geral, muitas possibilidades distintas de interpretação verdadeira”. Carnap resolve esta problemática pelo pragmatismo na interpretação de uso do cálculo. Contudo, conforme assevera Lukács, “toda práxis está imediatamente dirigida para atingir um propósito concretamente determinado”. Desta forma, “a práxis é inseparavelmente ligada ao conhecimento; por isso [...] é o trabalho a fonte originária, o modelo geral também da atividade teórica dos seres humanos”.
Questões de debate
I - Este é um debate central para a física, pois pouco importa se Einstein ou Newton estavam corretos, relevante é que os cálculos de edificação de um prédio – amparados neste ou naquele pensador – estejam corretos e que este não desmorone.
II - O que Lukács quis dizer com “trabalho concreto” especificamente neste contexto? Foi um uso genérico? Pode não parecer, mas a distinção entre trabalho concreto e abstrato também aqui deveria ser relevante. Mesmo em um processo de abstração, chamar os trabalhos individuais de concretos precisa ser feito com muito cuidado.
4º Bloco – De “O conhecimento conquistado a partir da prática, no curso do desenvolvimento humano, tomou dois caminhos, com frequência entre si entrelaçados [...]” (p. 354). Até “Muitíssimo bem, todavia, o fundamento de determinação dessas funções propositivas não é o factum brutum — em si existente — de que Hamburgo de fato fica na Alemanha, etc. mesmo se Carnap evite cuidadosamente toda proposição »metafísica«?” (p. 356).
Relatório do Bloco
Lukács insiste na noção de que a generalizada “matematização da ciência”, representada pelo neopositivismo, implica na rejeição de “toda e qualquer ontologia”, bem como corresponde a uma “superioridade por princípio da manipulação ante toda a tentativa de entender a realidade como realidade”. Sua defesa da existência ontológica na crítica ao neopositivismo está bem sintetizada em: “Apenas quando o em-si foi declarado inapreensível teoricamente é que a teoria do conhecimento se tornou independente e as proposições têm de ser classificadas como corretas ou falsas”. Questões de debate
I - Adorno já havia escrito sobre a instrumentalidade da razão, pois o desenvolvimento teórico é concomitante.
II - A aversão à “matematização” que aparece no texto é de certa forma hegeliana.
III - Lukács está tratando de como do Kant se chega ao neopositivismo e como isso é uma radicalização da gnosiologia.
IV - Isto leva ao estabelecimento dos critérios de verdade na lógica do pensamento matemático, na unidade interna do pensamento. Trata-se da autonomização completa em relação à coisa, dando margem a ideia de que a coisa em si é inapreensível, existem somente os discursos. Logo, a verdade da coisa depende da correspondência com a lógica do discurso.
V - Por esta chave seria possível fazer uma leitura kantiana do Althusser.
VI - Essa é a contribuição do Kant que talvez Althusser tenha radicalizado. A apreensão do objeto sempre será mediada pela teoria.
VII - A oposição a isso não pode ser o retorno à ideia de correspondência, a práxis elimina a possibilidade de correspondência. A discussão de método científico tem por base a definição dos critérios para a verdade. Lukács está propondo que o critério está dado pelo próprio movimento do objeto, isto é a ontologia. Por esta razão, todo materialismo histórico dialético precisa ser ontológico.
VIII – Esta compreensão é aceitável desde que se conceba a ontologia como uma oposição à gnosiologia. A ontologia, conforme concebida historicamente pela filosofia, está mais associada a uma essência pura e justamente por isso o termo empregado por Lukács seria impreciso.
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