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2024.1 | RELATÓRIO - Reunião 14/03/2024 - "Corrente e contrato: a escravidão colonial segundo a crítica da forma jurídica", Pedro Luiz de Oliveira Pinto

Relatório – Reunião 14/03/2024



TEXTO: PINTO, Pedro Luiz de Oliveira. Corrente e contrato: a escravidão colonial segundo a crítica da forma jurídica. 2022. 148 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2022. (P. 46-80).



2. ESCRAVIDÃO E HISTÓRIA

2.1. Historiografia da escravidão

  • Historiografia sobre a escravidão estava ligada ao movimento abolicionista, a exemplo de Thomas Clarkson, Perdigão Malheiro e Joaquim Nabuco

  • Outra tradição das décadas 1930 e 1940 de Trinidad Tobago: conectava a formação do capitalismo europeu à escravidão negra nas américas 🡪 a escravidão foi alçada ao cerne do processo de formação do capitalismo

  • E, ainda, a tradição paternalista encabeçada por Gilberto Freyre: caráter consensual do da escravidão luso-brasileira, ideia de escravidão “mais humana”

  • Correntes que pensavam a relação entre centro e periferia: CEPAL (pensamento nacional-desenvolvimentista), Teoria da Dependência (dependência dos países periféricos e decorrência do desenvolvimento capitalista)

  • Anos 1970 nasce nova tradição historiográfica: modo de produção escravismo colonial 🡪 especificidade deste modo de produção (Genovese estuda a relação entre Norte e Sul dos EUA e dos modos de produção concomitantes; Flamarion propõe método comparativo para pensar os dois modos; Gorender aprofunda de fato nessa tese)

  • Ideia de dualidade: unificação por meio do comércio exterior entre escravismo e capitalismo 

  • Gorender que estudar as leis específicas do modo de produção do escravismo colonial 🡪 não é etapa do capitalismo, mas momento necessário para sua formação 

  • Duas tradições: Antigo sistema colonial (privilegiava uma análise de fora para dentro) e do Escravismo colonial (de dentro para fora) 

  • História econômica privilegiava a tradição cliométrica que tentava calcular a lucratividade da escravidão 

  • Já a história social privilegiava uma visão sobre questões culturais e subjetivas sobre as pessoas escravizadas 

Debate: Teoria da Dependência coloca como se já existisse uma relação de capitalismo dependente quando ainda havia escravismo no Brasil. 

Gorender como natimorto, porque ele “nasce para morrer”, não tem espaço para as ideias dele naquele contexto. Ainda havia um processo de profissionalização da pós-graduação e Gorender nunca esteve nesse contexto, ele sempre foi militante. E mesmo hoje, não foi um autor recuperado, seguem com esse enterro. Processo parecido com o do Edelman, desse enterro de suas ideias. 

O que Gorender faz é diferente do que Flamarion e Genovese fizeram, ele cita de onde veio a ideia, mas consegue avançar e ele finalmente tem condições de romper com o individualismo metodológico e desenvolver o debate. 

Nessa época algumas pessoas até defenderam o Gorender, mas outras tradições se sobrepuseram, até vir a tradição americana cliométrica que ficava olhando a gestão escravista a partir de dados de produtividade, lucratividade etc. E por outro lado, o debate sobre as agências que se aproxima da antropologia, mas deixa de lado esse debate sobre os modos de produção e traz olhares mais individualizados. Ideia da morte da metanarrativa traz a micronarrativa e a relatividade de cada indivíduo. Quando vai para a micro-história não tem como debater a historiografia das formas sociais, inviabiliza o debate e coloca em um campo moral sobre histórias e agências ignoradas pela história. Essas polêmicas acadêmicas não têm como ser desenvolvidas em cima de uma narrativa individuais, não mobiliza categorias e nem debate metodologicamente, então não tem como discordar. 

“Fim das micronarrativas totalizantes”, o problema não é considerar também as micronarrativas, mas de como vai ligar isso com a totalidade, se vai ler a experiência pelo total como o Burawoy ou se vai pelo caminho inverso. Privilegiar as grandes análises isso não desconsidera as experiências individuais, mas o contrário sim. Como o Trotsky é um contraexemplo disso, de alguém que liderou o exército vermelho e depois sentou para escrever sore isso. Usam experiências individuais para desconstruir leituras gerais das formas sociais que lemos abstratamente. E como utilizar questões identitárias para acusar de racismo e machismo para interditar o debate sobre modos de produção. E a realidade é contraditória então vão aparecer contraexemplos a todo tempo que tentam contradizer debates gerais. 


2.2. Escravismo Colonial e Jacob Gorender 

  • Gorender propõe que se estude o escravismo tendo a figura central a do escravo, sem pensar a história apenas como desdobramento cronológico de fatos e eventos 

  • Uma formação social pode ter mais de um modo de produção, tendo seu caráter geral sendo orientado pelo modo de produção dominante 

  • O modo de produção das colônias americanas não era o feudalismo das metrópoles europeias, nem a produção dos povos originários que habitaram milenarmente essas terras, tampouco a síntese desses dois, mas algo novo. Assim, coloca-se a possibilidade de reconstruir uma formação social com base em categorias e leis únicas

  • A escravidão era uma condição imposta e garantida à força 

  • Gorender divide as leis econômicas em onimodais, plurimodais e monomodais segundo o critério de vigência nos modos de produção ao longo da história. As leis monomodais seriam vigentes em todos os modos de produção, podendo ser exemplificas pela “lei da correspondência determinante entre as relações de produção e o caráter das forças produtivas”. As leis plurimodais estariam em mais de um modo de produção, como a lei do valor vigente nos modos de produção em que se apresenta relações mercantis. Por fim, as monomodais, são as leis econômicas específicas de um modo de produção. São, portanto, leis que identificam um modo de produção, como por exemplo a lei do mais-valor

  • 1ª Lei: renda monetária: apropriação do excedente de trabalho que era comercializada e transformada em dinheiro será a renda monetária; enquanto o trabalho excedente conservado e consumido na própria unidade produtiva, será a renda natural

  • O autor observa que a produção escravista colonial se prendia ao mercado mundial, sofrendo os efeitos das leis da circulação mercantil, mas isso não era suficiente para dominar o processo escravista de produção. Com a variação histórica no preço das mercadorias se observa a sua dinâmica interna, em que a contração ou expansão da economia natural era dependente da expansão ou contração da economia mercantil

  • 2ª Lei: inversão inicial: a pessoa escravizada tem o preço inicial gasto e não como o salário a longo prazo para reprodução da força de trabalho, esse dinheiro era capital esterilizado 🡪 importação de escravos era processo de desacumulação de fundos produtivos 🡪 desestímulo de desenvolvimento técnico para manter a quantidade de força de trabalho 

  • 3ª Lei: lei tendencial da população escrava: tendência de diminuição absoluta da população escravizada para conservação da utilidade produtiva da sua propriedade 

Debate: renda monetária se difere do lucro capitalista que, por sua vez transcende a relação direta da unidade de produção, o que não acontece no escravismo colonial. Marx fala de renda monetária em sociedades não capitalistas no Livro III d’O Capital. 


3.3. Escravidão capitalista 

  • 3 obras que buscam se contrapor à tese de Gorender: Antonio Barros de Castro; Maria Sylvia de Carvalho Franco e Julio Manuel Pires e Iraci Del Nero da Costa


  1. Luta de Classes e Antonio Barros de Castro

  • As colônias escravistas fazem parte do modo de produção capitalista mundial, ainda de traços indefinidos

  • O capital, então, deve ser entendido como um processo histórico-natural de expansão-com-transformação por meio do qual se estabeleceria o domínio do capital

  • Castro chega a comparar um engenho escravista do século XVI a uma grande lavoura capitalista contemporânea, ou ainda a uma fábrica inglesa do início do século XIX. Sustenta que o escravo era uma antecipação do moderno proletário

  • Castro irá considerar os conceitos da renda da escravidão mais geral e renda diferencial em particular. A renda da escravidão pode ser explicada dividindo-se o trabalho total dos escravos em trabalho necessário (parte responsável pela manutenção e sobrevivência dos próprios escravos como a produção de alimentos e vestimenta) e o trabalho excedente (atividade principal das unidades escravistas, consistente na produção de produtos exportados, aqui chamada de renda da escravidão). Já a renda diferencial é resultado das diferenças de produtividade do escravo, dos graus de fertilidade do solo e dos custos de transporte para o escoamento dos produtos, ou seja, a concorrência entre as unidades escravistas produzia uma renda específica que impunha uma racionalidade à produção. A renda da escravidão e a renda diferencial mantinham a classe senhorial e as subclasses que parasitavam suas terras pelo trabalho excedente da produção exportadora e por meio da disputa entre as unidades escravistas


Debate: Esses pesquisadores são sérios e há várias coisas que dá para debater com eles e algumas que inclusive não são incompatíveis com o que o Gorender apresenta. Dificuldades em demonstrar o texto e ao mesmo tempo sinalizar que não está se concordando com o autor em questão. 


  1. A unidade de Maria Sylvia de Carvalho Franco

  • A autora se opõe às teorias duais, como da Teoria da dependência, que estabelecem o espaço interno da colônia e o espaço externo da metrópole interligados via mercado. Para a autora a lógica do lucro perpassa esses dois espaços ligados por meio da reprodução em escala ampliada do Capital. Dessa maneira unifica a reprodução do mundo colonial e a reprodução do mundo metropolitano 🡪 contra a ideia de que escravismo e capitalismo são unidades autônomas que se comunicam 

  • A autora afasta a ideia de uma relação entre o capitalismo e formações pré-capitalistas, pois tudo seria considerado capitalismo em formação. A escravidão colonial seria, nesse sentido, uma determinação particular da organização social do trabalho nas colônias 

  • Para ela o possuidor da força de trabalho não precisa, necessariamente, ser o proprietário da força de trabalho. Franco entende que as categorias aparentemente dissociadas devem ser vistas como o processo unificado de formação do modo de produção capitalista. Nenhuma dessas peças pode ser retirada do cenário mais amplo


Debate: A Maria Sylvia apesar de alguém de dentro da academia foi alguém bastante escanteada porque rigou com muita gente importante lá dentro. Ela consegue fazer uma volta e ter uma coerência interna que é difícil de descontruir. 

Marx diz que ter a propriedade da força de trabalho é algo específico do modo de produção capitalista e ela diz que essa é uma questão histórica, porque o trabalhador escravizado seria dono da posse de sua força de trabalho e que um outro poderia vender por ele. 

Ela também quer romper com as grandes dualidades dos “dois Brasis”, fala das “ideias no lugar” em oposição às “ideias fora do lugar” e de romper com essa forma de pensar a história do Brasil. Paulo Arantes critica ela falando que ela não superou a dualidade. 


  1. Capital escravista-mercantil de Pires e Costa

  • Para os autores, além das três formas explicitadas, Marx teria sugerido uma quarta forma de existência do capital, que eles denominaram de capital escravista mercantil. Tratar-se-ia de um valor que se valoriza baseado na produção escravista de mercadorias em áreas do Novo mundo

  • O capital comercial agenciaria a esfera da circulação, enquanto o capital escravista mercantil garantiria a esfera da produção. Dessa maneira o capital comercial teria propiciado a emergência de um complexo econômico autônomo e isolado no novo mundo que se comunicaria com os mercados externos por meio da interface do capital comercial


Debate: simplesmente pegam o que Marx fala do capital industrial e transporta para o escravismo colonial.



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