GEMOMA | RELATÓRIO - Reunião 31/05/2021
GEMOMA 1/2021
31/05/2021
Amelia Damiani - A urbanização crítica na metrópole de São Paulo a partir de fundamentos da geografia urbana
Apresentação do texto
O texto da Amelia Damiani tem por base o livro do Pierre George o qual demonstra a geografia dos anos 50/60 e como essa geografia lidava com os fenômenos mutáveis.
Havia uma carga grande de positivismo na geografia. Assim, a autora justifica a escolha do livro de Pierre George porque ele, apesar de ainda ter um descompasso entre as observações empíricas e a urbanização, já anunciava novas concepções que são confirmadas na realidade urbana atual. A primeira questão que demonstra isso é que o autor já reconhece a universalidade, fazendo comparações entre as cidades do mundo. Nesse método geográfico, a quantidade deixa de ser um elemento indiferente e passa a ser um ativo. O urbano espelhando e reproduzindo o acesso crítico da economia capitalista.
A autora Damiani diz que não existe um momento especifico em que houve uma ruptura nítida entre a geografia e a geografia crítica. A geografia crítica é aquela que leva o fundamento marxista e a economia política em consideração. Ficou conhecida como geografia radical.
Damiani também apresenta o autor Edward Soja, que utiliza a cidade de Los Angeles como base e traz aspectos da geografia pós moderna: demarca a dialética do imóvel e do móvel, a provisoriedade dos arranjos espaciais, fazendo a intermediação entre a dialética do tempo e do espaço.
Voltando ao livro base como exemplo, no espaço falado por Pierre George já se nota uma diferenciação entre espaço absoluto e espaço relativo. Em Soja, temos demarcada essa dialética: a ideia da relação entre a produção social do espaço e as relações dos modos de produção.
Dentro da ideia da geografia crítica, temos as ideias de Foucault e os conceitos de heterotopia; a concepção de Mandel sobre o desenvolvimento desigual no processo de capitalismo; a visão de Lenin sobre a tensão dialética entre a diferenciação e igualação das leis do movimento do capital.
É na ideia de geografia crítica que começamos a ter as teses de leitura de totalidade da metrópole em 3 (três) complexos analíticos:
- crise do trabalho e o tempo de trabalho;
- as cidades como espaços privilegiados da produção mercantil;
- a naturalização do humano: quando se diz que o lugar se torna mais urbano, o que se está dizendo é que a população excedente será expulsa e esta seleção é naturalizada.
Nessa urbanização crítica, cada vez que se cria uma centralidade, se cria também um espaço periférico. Isto contribui para enxergamos que não dá para tratar as cidades de forma orgânica.
Pensando em São Paulo, Damiani fala da superestrutura da carga legal, grande burocracia e cita o Estatuto da Cidade, que por um lado moderniza o direito à propriedade, mas também manipula os índices, as características de uso, a ocupação do solo e gera um processo de financeirização da propriedade privada e da terra rural.
Sobre São Paulo ainda, Damiani cita ainda o Plano Diretor do Município, o qual traz uma série de mecanismos que dão potência para alguns setores, como por exemplo para o setor da construção civil, com os incentivos às incorporadoras e todo aparato necessário a essa indústria. A construção civil deixou de ser um setor secundário, ganhando grande importância na urbanização crítica.
Outro exemplo usado pela autora: o Rodoanel, que segue todo um perímetro urbano, teve como consequência o enobrecimento dos espaços ao redor com os condomínios e também trouxe a ideologia ambiental – entre a crise social e a crise ambiental, há uma ideia ilusória de equilíbrio aparente.
Explicação sobre acumulação primitiva ou originária
Antes dos debates, o professor Marcus Orione esclareceu o conceito de acumulação primitiva ou originária, que é fundamental na questão do acesso à cidade e para o marxismo em geral.
Foi utilizado o texto do Harvey na explicação e o que ele entende por acumulação primitiva, ainda existente nos dias de hoje para o autor. Harvey mostra que Marx fez uma leitura da acumulação primitiva muito datada, assim ele tenta desenvolver a ideia de que a acumulação primitiva continua a existir ate hoje.
Harvey fala em acumulação primitiva por desapossamento ou por espoliação. O conceito de acumulação originária é um conceito história que o Harvey tenta estender além das determinações específicas da passagem do modo de produção feudal para o modo de produção capitalista. O texto apresentado hoje, da autora Damiani, usa este conceito ao citar o exemplo do Rodoanel (pág. 48 – Damiani fala em “acumulação primitiva do espaço”). E muitos autores usam esse conceito para estudar o acesso às cidades.
Primeiro de tudo é muito importante, antes de lidarmos com as categorias que os autores usam, entender como elas são colocadas a partir de Marx. Acumulação originária é aquela que se deu com uma violência para retirar o trabalhador da terra usada como um meio de produção. O trabalhador precisava ser forçado a ser livre. Como o trabalhador estava adstrito à terra no feudalismo, o capitalismo necessitava que ele não tivesse nenhum acesso a qualquer meio de produção, a fim de que este trabalhador ficasse rendido ao capital. O trabalhador então foi expulso da terra por meio de legislações que lhe retiraram a posse da terra e o obrigaram a vender sua força de trabalho. Essa acumulação primitiva não é típica do capitalismo, mas preparou o terreno para o capitalismo. Foi necessário que a acumulação primitiva fizesse primeiro a retirada do homem e da mulher da terra, para que depois eles pudessem vender a sua força de trabalho. Isso e acumulação originária em Marx.
Harvey não concorda quando Marx diz que a acumulação primitiva aconteceu em um momento do processo histórico e depois perdeu sua importância.
Harvey ainda usa a autora Rosa Luxemburgo, que pensou a acumulação primitiva concomitante numa época imperialista do mundo, na qual existiam países que não estavam na forma jurídica capitalista. Para Rosa Luxemburgo, a concomitância decorria do desarranjo histórico entre países colonizados e países colonizadores. Harvey pega isso e exporta para situações mais modernas, usando o conceito de acumulação primitiva para a China e depois para a América Latina. Isto é, Harvey tenta exportar as concepções do início do século XX para o final do século XX, e até para o infinito.
Problema do conceito de Harvey segundo o prof. Marcus Orione: isso faria com que a acumulação originária / primitiva fosse quase que coincidente com toda e qualquer acumulação típica do capital. Em outras palavras, isso que Harvey chama de acumulação primitiva por desapossamento é acumulação tipicamente capitalista, mas não acumulação originária que precede o capitalismo.
Na verdade, todos os exemplos citados por Harvey são de acumulações típicas de capital. Se o capitalismo fica mais selvagem, isso não significa que a acumulação se torna primitiva por causa da selvageria do capitalismo. Esse conceito de Harvey atrapalha inclusive o movimento de luta, porque as táticas de luta não seriam mais contra o capitalismo, mas sim contra as acumulações originárias, o que influenciaria também no entendimento acerca de quem são as classes sociais no processo de luta.
Debates do texto de Amelia Damini
Queria entender mais sobre a pág. 45, quando a autora fala da urbanização difusa e da urbanização empírica, relacionando essas urbanizações com a exposição do espaço de catástrofe do organismo urbano.
Um ponto muito interessante no texto, é aquele onde a autora fala sobre a relação entre a produção social espaço e a reprodução das relações de produção. Damiani fala que a cidade, como espaço privilegiado da produção mercantil, internaliza a metamorfose do capital. Nesse processo, as cidades tornam-se sujeitos, como empresas. Isso é interessante porque Marx fala do capital como relação social, como um sujeito que se move. E a autora Damiani compara isso à cidade, que se torna sujeito e se torna capital. A cidade também encarna as determinações do capital e se torna um sujeito econômico.
Em outro momento, a autora fala da catástrofe no urbano quando ela menciona o urbanista Oseki. Entendo que nesse processo não é possível ter o tratamento positivista / organicista, nem em uma urbanização, nem em outra, porque a cidade nunca vai ser algo orgânico e com funcionamento perfeito. A catástrofe é da natureza do urbano, com as periferias e as ocupações irregulares por exemplo. A catástrofe é nesse sentido: não se pode tratar dentro do positivismo, emprestando conceitos das ciências e da biologia em si, porque a coisa é sempre disfuncional. Usar o positivismo causaria muitas limitações. Nos conjuntos urbanos não é possível ter essa ideia orgânica.
Acredito tratar-se de passagens metodológicas na geografia – a geografia vai mudando de métodos. Primeiro era muito positivista e depois deixou de ser positivista para se tornar crítica. Quando se fala em catástrofe, se fala em algo que sempre está no acaso e que não se domina. A perspectiva marxista não lida com esse conceito de catástrofe. Para os marxistas, tem como se perceber as determinações da história e realizar uma leitura jungida à interpretação econômica, ao modo de produzir a vida, que dê clarividência às situações. Se não tivéssemos o controle sobre as determinações, seriamos sujeitos rendidos ao processo histórico. O marxista tem sempre uma dificuldade de como lidar com a catástrofe, pois no aleatório se acaba com a leitura da perspectiva epistemológica dos acontecimentos.
O seguinte texto pode responder ao questionamento da Bruna https://www.revistas.usp.br/geousp/article/view/74117/77759 – “Da teoria das crises à teoria das catástrofes – Henri Lefebvre”.
O espaço de catástrofe do organismo urbano seria a última fase da urbanização orgânica. Isso foi trabalhado no texto que lemos do Lefebvre, quando ele cita isso como espaço do ponto cego, na fase pós moderna.
A realidade deixa de ser a cidade e passa ser a aglomeração. A catástrofe seria o ponto auge da crise.
Interessante quando Damiani fala da mobilização da propriedade privada e da terra. A autora faz uma análise precisa ao colocar o que são as operações urbanas e questionar as funções sociais da propriedade (págs. 47/48).
Perguntou sobre o conceito de acumulação primitiva do capital em relação ao exemplo da tomada das terras das comunidades tradicionais.
Se a subsunção do trabalho ao capital não estivesse tão avançada, o conceito de arcaico e de moderno teria sentido. Esse conceito de acumulação primitiva teve sentido até o início do século XX. Depois, esse conceito tem um sentido apenas residual. As formas residuais passam a ser formas determinantes. Exemplo: os remanescentes dos escravizados – quilombos. Não dá mais para verificar as pessoas herdeiras como ligadas historicamente às mesmas determinações que os quilombos tinham no século XVI. Do contrário, teríamos que olhar para os fenômenos hoje com as determinações do passado, sendo que quem está no quilombo foi atingido pelo processo capitalista. A tendência é que eles deixem de ser grupos remanescentes e passem a ser sujeitos de direito dentro do modo de produção capitalista.
Chega no momento em que a cidade se torna capital, deixando de ser apenas o espaço físico de produção da mercadoria, para ela mesma ser o espaço de produção do capital. Damiani traz vários elementos que são demonstrações de que a própria cidade se torna capital.
Isso é fundamental, a questão do urbano e do que não é urbano. A linha que coloca a Irene que aquilo que é urbano passa a se sujeitar de forma tão global, de modo que a relação arcaica com o que não é urbano também é atingida. O processo de urbanização é o capitalismo total. Não tem mais o arcaico do agrário. O agrário é o moderno dentro do urbano.
A autora fala que a disciplina do planejamento urbano, do plano diretor e do estatuto da cidade que fazem avançar o modo de produção capitalista. Até que ponto, de fato, esses instrumentos seriam instrumentos da classe dominante?
Até onde tem luta de classes e até onde não tem luta de classes? Se traduzirmos a história da classe trabalhadora a partir da síntese legislativa, estaríamos, em verdade, fazendo uma síntese do que a burguesia conquistou. O processo de luta de classes, mesmo quando sintetizado, ele existiu. Então temos que recuperar esse outro dado do processo. Esse é um problema sempre presente nos textos de geografia, no final temos que lidar com a questão de institucionalidade, mas não podemos pensar que isso é a historia da classe trabalhadora.
Quando Damiani fala do aparato legal, ela é muito crítica ao direito. Ela não capitula o direito. Ela coloca que esse aparato legal é determinante para financeirização da cidade, ou seja, para a cidade virar o capital. Ela não vacila nisso, sendo bem crítica ao direito, por mais que siga outro caminho.
Damiani fala como o trabalho intelectual vai se realizando nessa superestrutura legal de planejamento. No interior dessa superestrutura, existem conquistas sociais, no sentido de que essas leis são frutos de processos que tem relação com lutas. Proporcionalmente essas conquistas são muito inferiores ao processo econômico em movimento. Ela deixa muito claro como essas leis e o aparato legal têm como objetivo a mobilização da propriedade privada. O debate sobre como a função social da propriedade também é um elemento para inserir terra no mercado, pois para o capital também interessa, através da função social da propriedade, inserir a terra no mercado.
Na pág. 47, quando Damiani traz como sujeito o negócio imobiliário, ela faz uma descrição da maneira como o Estado está à serviço para legitimar o capital. A função social, entre outros aparatos legais, são instrumentos que dão conta da modernização do capital. É interessante que ela fala dessa modernização dos instrumentos para legitimar o nível do desenvolvimento do mercado imobiliário nessas regiões.
Tem uma coisa interessante no pessoal da geografia porque eles estudam muito as operações urbanas. Tem o texto da Ana Fani (sua tese de doutorado ou de pós doutorado), onde ela estudou a operação urbana da Faria Lima e como foi a organização da luta das pessoas que resistiam à operação urbana.
O importante é que esse texto ajuda a firmar essa perspectiva de que a legislação, o planejamento urbano, essas ferramentas superestruturais de trabalho intelectual têm a função de mobilizar a cidade como espaço de produção e reprodução de capital. Podemos trabalhar nas contradições legais, na medida do que pode nos favorecer nessa luta direta. Podemos mudar o conteúdo da lei, mas a lei em si é um campo do capital, controlado pelo capital. De todo modo, as legislações permitem que exploremos as contradições na luta direta.
Necessariamente somos empurrados para as etapas pelo capitalismo, da modernidade para a pós modernidade. A dinâmica é passar por etapas. Não tem sentido acumulação primitiva nisso, isso é acumulação tipicamente do capital.
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