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GESEMA | RELATÓRIO - Reunião 01/07/2021

GESEMA 1/2021

RELATÓRIO – 11ª REUNIÃO 01/07/2021



Texto: SILVA, Júlia Lenzi. Para uma crítica além da universalidade: forma jurídica e previdência social no Brasil. Tese (Doutorado). São Paulo: USP, 2019 (p. 215-231).


RELATÓRIO:

Iniciamos com a continuidade à tentativa de entender as relações estreitas da forma jurídica previdenciária com a valorização dos capitais fictícios.


A partir desse trecho, buscando dar início a uma análise sobre o processo de privatização da previdência, em voga no Brasil a partir dos anos 1990, Júlia dá um passo atrás e procura compreender as duas principais mediações que passam a determinar as novas funcionalidades desempenhadas pela forma jurídica previdenciária: a formação e o rápido crescimento dos mercados de ações e títulos públicos.


Nós nos encontramos em um período de queda tendencial da taxa de lucro. Em resposta a isso, o modo de produção capitalista opera por meio do aumento do capital acionário, o que acaba engendrando novos padrões organizativos na esfera produtiva. Vivemos, então, em um novo ciclo de acumulação em que predomina a acumulação financeira do capital, caracterizada pela sua liquidez/imediaticidade.


Em meio a isso, a tendência contemporânea é a proeminência das sociedades transnacionais (STN), mais conhecidas como empresas multinacionais, cujo papel é organizar a cadeia mundial de produção de bens e serviços e capturar o mais-valor advindo do trabalho não pago. A especificidade que essas empresas ganham na atualidade é que elas são constituídas por sociedades anônimas, também chamadas de sociedades por ações. As sociedades anônimas são uma manifestação da forma jurídica que nos indica a presença da causa contra-arrestante (o que permite a sobrevivência do capital em meio às crises) à lei da queda tendencial da taxa de lucro representada pelo aumento do capital acionário. Em outras palavras, as sociedades anônimas são uma modalidade jurídica de organização que surge como resposta a uma necessidade objetiva do capital frente à queda da taxa de lucro. Trata-se de uma necessidade do capital em ir além da pessoalidade individual do capitalista reunindo os haveres produtivos de diversos investidores individuais. Assim, forja-se uma miniatura do capital social total. Isso representa uma pulverização e fragmentação da propriedade capitalista na forma de multiplicidade de ações que permite a continuidade do ciclo de acumulação, superando o que seriam as limitações das fortunas individuais e familiares.


Esse então é o ponto de partida para o reaparecimento do capital fictício e a constituição da esfera das finanças. O capital fictício consiste nos títulos emitidos no momento do empréstimo em dinheiro a entidades públicas ou como expressão da participação dos primeiros participantes no financiamento do capital de uma empresa. Esse movimento se verifica na criação do capital fictício representado pelas dívidas públicas contraídas pelos países periféricos ao longo dos anos 80.


No regime de acumulação predominantemente financeiro, o movimento é de migração dos lucros empresariais não reinvestidos para a esfera das finanças, principalmente por meio das dívidas públicas.


Quanto à afirmação de que o capital portador de juros e o capital fictício estariam externos à produção/ exterioridade das finanças em relação à produção. As sociedades anônimas ao mesmo tempo que são lugar de valorização do capital produtivo industrial, influem sobre a organização da esfera produtiva. Elas exercem essa influência na medida em que 1) os acionistas possuem um poder de pressão capaz de aumentar a parcela do lucro destinada à valorização dos seus ativos e 2) também à transformação dos lucros não reinvestidos em capital fictício/capital de empréstimo a título de dívida pública.


Como reflexo da primeira mediação, temos a degradação das condições de trabalho como estratégia para o aumento do montante de mais-valor, mediante duas principais formas: 1) prolongamento e intensificação da jornada de trabalho acarretando no aumento da produtividade; 2) desenvolvimento e inovações tecnológicas responsáveis pela criação de um exército industrial de reserva.


A segunda consequência, em relação à segunda mediação, diz respeito à convergência de interesses entre grandes grupos empresariais transnacionais com os capitalistas monetários. Torna-se assim bastante difícil traçar uma fronteira entre o que seria a produção e a apropriação puramente parasitária do valor, uma vez que a própria produção capitalista revela interesses nos ganhos da esfera financeira.


Em um segundo momento, o texto dedica-se a entender outro grande mecanismo de transferência de riqueza para a esfera financeira, a dívida pública. A criação de um mercado de títulos públicos se deu, em primeiro lugar, como uma forma de valorização financeira via empréstimos em razão da baixa taxa de lucros. A alta inflação parecia favorável aos países devedores, que optaram pela feitura de empréstimos a taxas flutuantes de juros. No entanto, o rompimento unilateral dos Estados Unidos do acordo de Bretton Woods acabou acarretando no aumento das taxas de juros e de câmbio do dólar e portanto numa explosão dos montes de dívidas. Deu-se início a inúmeras renegociações e refinanciamentos e abriu-se espaço para diversas políticas de ajuste estrutural, austeridade fiscal, liberalização e privatização.


Cumpre compreender o serviço da dívida pública a partir da crítica às formas sociais capitalistas, visto que é isso que nos permitirá alcançar o objetivo central da análise, que é a abordagem da forma jurídica previdenciária. O pressuposto metodológico da Julia parte da análise do fundo público dentro de uma perspectiva da totalidade, por isso não abre margem para a fragmentação do montante. Dessa forma, os recursos que compõem o fundo público advém exclusivamente da parcela do valor que remunera trabalho necessário (salário) e das parcelas nas quais se divide o mais-valor entre as distintas espécies de capital (lucro empresarial, renda da terra e juros), ou seja, exploração da força de trabalho na esfera da produção e a riqueza socialmente produzida e privadamente apropriada que dela resulta.


A dívida pública consiste na intersecção entre a esfera pública e a privada, uma vez que representa a transferência de recursos monetários do fundo público (do Estado) para proprietários privados dos títulos da dívida pública. O fundo público representa uma síntese material da cidadania porque é composto de tributos que visam garantir a promoção do bem comum por meio da realização dos investimentos, obras e políticas públicas. O que valida a tributação é o contrato social, uma vez que os sujeitos de direitos consentem em sua instituição.


Essa manifestação jurídica é a que manifesta de modo mais claro o compromisso do Estado em assegurar a destinação de montantes para a valorização dos capitais fictícios. Isso se dá da seguinte forma: a força de trabalho é explorada e assume forma de salário, renda e lucro empresarial. A partir de então, ela se transforma em imposto direto e indireto e em contribuição social, transferindo-se ao fundo público, para finalmente dirigir-se às finanças, por meio da alocação de parte do orçamento do Estado para o serviço de dívidas.


A forma jurídica previdenciária, especificamente, é responsável pela captação de uma poupança forçada, contribuindo assim para a garantia da reprodução da força de trabalho e também da aceleração da rotação via consumo. Dessa forma, são os próprios trabalhadores os únicos responsáveis pelo financiamento de suas aposentadorias, pensões e demais benefícios previdenciários, prestando enorme contribuição para a dinâmica da acumulação. É impossível afirmar que o empregador também contribui para o fundo público, visto que como já provado até aqui toda carga tributária incide sobre as parcelas da mais-valia apropriadas por cada espécie de capital e assim sobre toda forma de trabalho não pago, expropriado.


No movimento atual de progressiva acumulação predominantemente financeira, o que vemos é uma tendência de liberação de uma soma cada vez maior da poupança forçada para direcionar tudo isso para o ciclo de valorização processado na esfera financeira. Isso tem sido operado nos âmbitos das reformas da previdência dos últimos anos em que por meio da dificultação a obtenção de aposentadoria bem como o rebaixamento de seus valores, tem assegurado maiores aportes do fundo público para servir às novas demandas do capital.


COMENTÁRIO: Cabe colocar a diferença entre o capital portador de valores e o capital fictícios. Marx demonstra que no início dessa forma de capital ele esteve associado ao capital industrial. O capital monetário foi investido na produção em seu início, possibilitando a globalidade do capitalismo.


Leda Paulani descreve o capital fictício como “mera lembrança de um capital que não existe mais”. Assim funciona a dívida pública, que não é gerada pra ser quitada, mas existe como uma armadilha de produção e reprodução de si próprio. A emissão de títulos não está atrelada ao investimento público, esses títulos tem o único propósito de levar recursos públicos para a esfera da circulação. Marx ironicamente nos lembra da forma trinitária da mais-valia, em três tipos, a o lucro empresarial, os juros e a renda da terra. Que são indiferentes pro trabalhador já que todo o produto de sua produção é apropriado pelo capitalista ou dispersado, mas essa indiferença é relativa, já que toma-se como pressuposto os lucros extraordinários do capital e a transposição desse capital para o sistema previdenciário.


Sobre a ditadura dos acionistas, a atração por empresas com representatividade identitária, responsabilidade ambiental etc. atuam como dispositivos ideológicos, mas em sua essência o que garante a valorização de uma empresa é sua extração de mais-valia.


É extremamente importante lembrar que um montante de dinheiro vazio, o capitalismo é criativo em formas de investimento.


O avanço da financeirização sobre os fundos públicos explica as sequenciais reformas da previdência. A criação da previdência privada


COMENTÁRIO: Apresenta uma dúvida em relação à diferença entre dívida pública e dívida externa.


COMENTÁRIO: Retoma a ideia do Althusser de “abtração real” como uma sequência de práticas reiteradas. A abstração real se manifesta mais claramente após a política de rompimento com Bretton Woods.


COMENTÁRIO: Dúvida acerca de um aumento nocivo de expansão das quantidades do outro não é nocivo?


COMENTÁRIO: Essa é a trilha do capitalismo. Com a expansão do capitalismo, não coube mais o seu lastro físico e limitado como é o outro.


COMENTÁRIO: Uma das saídas do capitalismo é a causas contraversantes da queda tendencial da taxa de lucros se trata de um conceito do Capital VOL. 3. Com o desenvolvimento das forças produtivas ocorre uma sobreposição do capital constante ao capital variável, que se torna predominante na formação de grandes partes dos setores econômicos, em que posteriormente a taxa de lucro tende a cair, nesse processo, o capital apresenta respostas, um exemplo é a própria pandemia, em que é necessário recomeçar um novo ciclo de acumulação.


A crise tem sido tão profunda, em que se abriu mão dos mecanismos ideológicos e a violência é a forma de resposta para a emergência de um novo ciclo de acumulação.


COMENTÁRIO: Não podemos falar numa abandono da ideologia, mas sua mediação através da violência.

Orione : Retoma um trecho da tese em que Júlia se desdobra sobre o tributo.


COMENTÁRIO: Os capitais fictícios talvez sejam a forma mais individual do capital, em que a figura do capitalista se aproxima do capitalista, onde o curto prazismo é o ritmo da acumulação.


COMENTÁRIO: Sobre a imbricação entre capital fictício e industrial. Me chama atenção a centralidade da LCA como uma alternativa à previdência pública. O que é mais sugerido como alternativa à previdência são os investimentos em LCA.


COMENTÁRIO: Observação muito pertinente. Cabe apontar sua correlação com o desmonte das políticas de previdência.


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