GESEMA | RELATÓRIO - Reunião 10/06/2021
GESEMA 1/2021
RELATÓRIO – 8ª REUNIÃO 10/06/2021
Texto: SILVA, Júlia Lenzi. Para uma crítica além da universalidade: forma jurídica e previdência social no Brasil. Tese (Doutorado). São Paulo: USP, 2019 (p. 155-176).
Presentes: Bruno Rodrigues, Eugenia Rigoni, Deise Martins, Francine Nunes, Ligia Bariani, Marcus Orione, Pablo Hall, Renan Pugliesi, Silas Ramos.
Pontos do texto: O texto trata da conformação da forma jurídica previdenciária em seus dois elementos, mecanismos e funcionalidades, quais sejam, o sujeito de direito previdenciário e a ideologia jurídica. A autora após ter percorrido nos capítulos anteriores o processo histórico da conformação da forma jurídica previdenciária como direito humano social, passa a tratar a ideia de sujeito de direito como uma abstração real, dada pela determinação das relações produtivas materiais, que no processo de subsunção real do trabalho ao capital produzem as ideias de igualdade e de universalidade necessárias e específicas do modo de produção capitalista. O trabalho abstrato equalizado a partir do desenvolvimento das forças produtivas, expropria a subjetividade do trabalhador e as forças de trabalho podem ser vendidas e compradas com base nas relações mercantis.
O trabalhador é “transformado” em indivíduo sujeito de direito como uma abstração real, e esse pressuposto teórico dá a entrada para o segundo componente, a ideologia jurídica, cuja dupla função seria tornar eficaz as relações de produção por meio da categoria sujeito de direito, e por outro lado, refletir concretamente e sancionar as ideias que as pessoas fazem das suas relações sociais.
A abordagem de ideologia proposta no texto que serviria para superar uma “encruzilhada subjetiva” seria aquela que busca a materialidade da ideologia, que afirma que são as práticas das ideologias das instituições e da ideologia de Estado que se realizam. E assim, a crítica marxista do Direito escancara a funcionalidade das categorias do direito para a reprodução da sociabilidade capitalista e recoloca o campo da política para os problemas da coletividade.
O texto trata como o funcionamento da previdência social, por meio de seus mecanismos e práticas, assegura a permanência dos direitos previdenciários como a resposta evidente para as lutas da classe trabalhadora por proteção social e bem-estar, ou seja, analisando a previdência enquanto ideologia jurídica previdenciária, como Aparelho ideológico de Estado, retomando a compreensão do Estado em seu funcionamento e a distinção da esfera pública e privada.
A ideologia jurídica seria responsável por garantir a harmonia da relação imbricada entre os Aparelhos ideológicos e os Aparelhos repressivos, que leva os operários na conversa, e em última instância, garante as relações de exploração.
Comentários: Comenta como é impressionante no texto uma coisa fundamental, que é: a pergunta já está viciada, então a resposta já está viciada. Como você está conduzido na pergunta, a resposta já é previsível. Existe um espaço falso de debate e empurra-se sempre para efetividade e inefetividade da norma. Por exemplo, quando se diz que falta lei que criminaliza alguma coisa, é sempre um debate como se o capitalismo pudesse resolver, que fica no campo fictício da reprodução. Isso porque se faz uma pergunta viciada. Em termos de direitos sociais, a resposta tende a ser sempre que tá faltando Estado de Bem-Estar Social ou que tem Estado demais. E assim, a resposta é sempre Estado, mais Estado ou menos Estado. Então, a pergunta a se fazer é por que o problema está em colocar a resposta no Estado, na perspectiva ideológica? Não como forma de visão de mundo, mas como práticas reiteradas que tem no Estado o seu maior produtor de práticas reiteradas, representadas, simbolizadas, com verdade no mundo real, capacidade de pelas práticas produzir coisas no mundo real, seja pela sua presença seja pela sua ausência nos seus discursos.
No capitalismo o Estado é uma representação, porque o Estado é uma ficção, que gera representações.
Do direito objetivo que o Estado gera, ele gera essas representações que estão postas no direito subjetivo. Então a dicotomia do Pachukanis de direito objetivo e direito subjetivo, direito público e direito privado, tem uma representação que se apresenta muito inicialmente, e nós precisamos do Edelman para isso ficar mais claro.
O direito objetivo, a norma que se coloca para todo mundo, é uma representação inicial que é a base, a mãe de todas as representações. E cada um no seu direito subjetivo vai replicando essa representação, que é a especularidade da ideologia jurídica. Você faz o que o outro faz. Você é interpelado a fazer o que os outros fazem. Isso é uma matriz reproduzida no direito objetivo.
Relação especular: O direito objetivo (S maiúsculo) como representação que interpela a todos. Que ao mesmo tempo, todos (s minúsculo) se interpelando na subjetivação do direito, replicam o direito objetivo. Isso é o Althusser.
Por isso o Estado, no sistema de representações é tão importante. Porque ele gera a primeira representação, que é a norma. E que normaliza, portanto, não sendo debatida na sua dimensão do modo de produção específico, ela está normalizando para todos aquilo que se pede como conduta a ser replicada por todos. Portanto, é uma interpelação que é feito primeiro pelo Estado na norma. Não se pergunta mais. Simplesmente vai se replicando.
Assim, quando se manda para o Estado a resposta já previsível, você manda para o sistema de representações controlado pela ideia daquilo que é normal. Porque se não fizer o que está naquele normal, você é o delinquente, ilegal, ilícito, tudo o que não está replicado ali dentro.
O Estado recebe isso como lugar de aporte desses fenômenos. A pergunta é sempre para o Estado, porque é dali que sai a normatização, a equivalência, para todos seguirem aquela equivalência.
Outros aspectos são carregados no discurso normativos, como por exemplo a imoralidade.
E quando se fala em direitos sociais, aumenta a carga de realização. Porque os direitos sociais são aqueles que quando normatizados como régua e colocados no direito subjetivo, eles estão dizendo para as pessoas qual é o padrão de igualdade que as pessoas podem ter. Eles atingem a relação liberdade/igualdade diferentemente dos direitos individuais. Mas no direito social, você cria um padrão que o igual fica muito mais bem definido. Porque você está tratando diferentemente algumas pessoas que precisam ser tratadas de modo diferente.
Então, de certa maneira, nos direitos sociais está se usando a medida da diferença para igualar.
A medida da diferença é para colocar igual. Com a possibilidade da circulação da força de trabalho. Os direitos sociais é o lugar de maior controle pelo Estado das liberdades individuais. Pode-se dizer que tipo de educação uma pessoa vai ter. O bolsa família é ligada à frequência escolar e vacinação dos filhos. Se sujeita um direito social a um tipo de formação de compra e venda da força de trabalho. Liga-se o direito social ao maior aparelho de Estado que é o aparelho Escola.
O direito social tem essa possibilidade de controle e de replicar e de fazer esse processo ideológico, muito mais sofisticado e muito mais intenso. Porque além de não atingir só individualmente, ele faz em grupo e na dimensão das condições.
Direitos sociais são a melhor maneira de controle das individualidades.
Quando não se tem o Estado, tem as igrejas. Por outro lado, o Estado ainda pode ser o promotor das perspectivas religiosas. A forma jurídica traria a possibilidade da forma religiosa se dissipar.
Comentários: Foca na ideologia como prática, que tem interlocuções com a psicanálise. Saindo da concepção da ideologia como noção intuitiva, muito subjetivante, considera o nível zero da ideologia tomar um fato como óbvio. A constituição de sujeitos livres, nessa conformação do sujeito de direitos, no capitalismo tardio aparece como algo evidente, como um cinismo sensato. A ideologia opera independente do aspecto subjetivo de véu, e se é disfarçado ou não.
Comentários: Traz que para pensar como a ideologia jurídica é importante e pensar a ideologia como algo material. A ideia do texto das abstrações reais é uma forma de verificar a base material para a ideologia. A autora parte de concepções de ideologia desenvolvidas por outros autores, mas ela se fixa sobre a ideologia jurídica.
Comentários: Pergunta qual a diferença dos termos: ideologia jurídica e fetichismo jurídico?
Comentários: Faz uma explicar de forma simplificada e que não é consensual a partir da periodização de Althusser sobre a obra de Marx. Considera que a obra de corte epistemológico de Marx é a Ideologia Alemã, e a alienação é mais voltada ao plano das ideias e a uma leitura hegeliana. A alienação seria parte do processo de abstração do trabalho em que o sujeito em relação ao objeto está alienado.
O fetiche da mercadoria é mais ligado às relações materiais, quando Marx abandona a relação sujeito/objetivo e passa a pensar no modo de vida em si. O modo de produção capitalista coloca a situação de não se reconhecer mais como pessoas, mas como coisas.
A violência de reconhecer os homens como coisas, na circulação é reproduzida pelo fetichismo jurídico, pela ideia de sujeitos de direitos, direitos humanos.
Para alguns autores fetiche seria uma evolução da alienação.
E o fetichismo jurídico está mais próximo da ideologia, porque na produção é violência, mas na reprodução não pode ser assim, então ela se dá pelo fetichismo jurídico.
E é no âmbito do fetichismo jurídico que se dá a ideologia jurídica.
Comentários: Sobre a relação entre fetichismo jurídico e a ideologia jurídica, que não está em Marx, pergunta onde se quer chegar quando se fala em fetichismo jurídico.
Comentários: Se tomarmos que o fetichismo da mercadoria é tudo, chega-se à conclusão de que teria uma teoria da ideologia em Marx, ainda que incipiente. O Pachukanis consegue concatenar as ideias em Marx e depois Althusser e Edelman aprimoram isso.
Comentário): Comenta que o Professor Flavio tem um texto sobre o problema no Pachukanis de se identificar uma coesão sobre ideologia. Isso seria possível de se resolver indo no Althusser.
Comentário): A tendência do início do século XX, e que está de volta, de ver a ideologia como visão de mundo, estava presente na obra do Pachukanis. Mas foi superado pelo Edelman no direito, a partir do Althusser, se aproximando da noção da ideologia como de práticas reiteradas que nos interpelam.
Comentários: Quem está a margem do Estado, por não ter o aparato do Estado são ainda mais violentos.
Comentários: Pergunta se o Estado detém o monopólio ideológico e se a ideologia se reproduz para além do Estado.
Comentários: Confirma que o Estado detém o monopólio, mas quem está fora reproduz a ideologia de Estado. A forma jurídica tenta sempre colocar para dentro do Estado as práticas sociais.
Comentários: Sobre as práticas do tráfico de drogas, por exemplo, fica difícil perceber que é a cópia da dinâmica oficial, porque estão envolvidas no maniqueísmo de bem e mal.
Comentários: Acrescenta que o padrão é sempre o Estado, e que as discussões não envolvem a ausência de Estado. A ausência de Estado seria a milícia e relaciona o uso de armas de fogo nos EUA e o caso dos Panteras Negras.
Comentários: Trata do individualismo e da importância da camaradagem. Com o fim do comunismo, essa forma de relação de camaradagem foi capaz de encontrar uma saída para o caso concreto. No século XXI, as formas ideológicas empurram para o individualismo, mas é preciso buscar outras formas de sociabilidade, de solidariedade.
Comentários: A partir do que o Silas trouxe, existe um dilema que é a alteração das relações e práticas para mudar o modo de produção. Isso seria suficiente? Alterar as práticas seria algo dado? Quais os obstáculos ideológicos que existiriam? A mudança das representações é violenta e envolve a questão da consciência também.
Comentários: Pergunta o que seria o cordão sanitário que a autora cita do Edelman.
Comentários: Sobre o cordão sanitário entende que pode significar a própria ideologia que não pode ser debatida indicando o seu funcionamento por reiteração de práticas, sem questionamento. Seriam essas fronteiras da ideologia, demarcada pela própria ideologia. No ensino do direito, por exemplo, os debates só se dão dentro do próprio direito.
Comentários: Comenta como é impressionante que até na biologia se confirma o modo de produção capitalista, trazendo o exemplo da fala de um biólogo que em um vídeo sobre formigas acabava fazendo uma apologia ao mercado.
Comentários: Dá a dica de nos casos de dúvida dos termos, buscar pela literalidade. E no caso do cordão sanitário poderíamos entender no sentido de que a ideologia jurídica formaria um cordão que as práticas não conseguiriam superar esse cordão.
Comentários: Sobre o sentido de cordão sanitário, se pensarmos que passado o cordão sanitário tudo viraria violência. A violência seria elemento universalizante e não o sujeito de direito. No caso da pandemia, a maior preocupação foi não poder realizar a compra e a venda da força de trabalho, e as primeiras medidas tomadas e as falas reiteradas foram no sentido de garantir isso.
Comentários: Relaciona o cordão sanitário com o que pode ficar dentro e o que deve ficar fora, em termos de discussão. Quais perguntas se faz ou não se faz, e até onde podemos ir na disputa política.
Comentários: Comenta que as perguntas já estão pré-prontas e a própria forma de luta, a arena já está posta. No texto, a autora trata de lutar por justiça social, mas justiça já é uma concepção jurídica posta, dentro desse cordão.
Comentários: Sugere tratar dos aparelhos ideológico e repressivos. Os aparelhos dentro do Estado não precisam ser só repressivos. O par dialético direito social/ direito penal são as duas pontas da dialética. Um é o processo ideológico mais cristalino e o outro é a violência.
Comentários: Cita o final da página 72 para formar o desenho sobre as relações de produção, ideologia de Estado, aparelho repressivo e aparelho ideológico.
Comentários: Comenta como a justiça do trabalho é boa como exemplo de aparelho que dosa o ideológico e o repressivo. Porque ela é tem sua composição formada na justiça social, mas ao mesmo tempo no caso de greve abusiva, autoriza-se repressão. Reafirma que o cerne do nosso debate é a ideológica jurídica. E dá o exemplo do metrô as 6h da manhã lotado e os aparelhos ideológicos e repressivos.
Comentários: Uma questão que ficou pendente nas minhas pesquisas é a questão do trabalho reprodutivo, a acumulação desses trabalhos pela força de trabalho feminina na perspectiva da ideologia jurídica.
Comentários: Em termos de pesquisa, sugere que se faça um mestrado de sujeito de direito e um doutorado de ideologia. Porque aprender primeiro o sujeito de direito, mesmo que seja dialético é uma forma mais fácil de entender a ideologia.
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