GESEMA | RELATÓRIO - Reunião 29/04/2021
GESEMA 1/2021
Relatório - 3ª Reunião 29/04/2021
Texto: SILVA, Júlia Lenzi. Para uma análise crítica além da universalidade: forma jurídica e previdência social no Brasil. Tese (Doutorado). São Paulo: USP, 2019. (p. 53-68)
O texto começa falando sobre abrir mão de qualquer ilusão de socialismo jurídico. Não é pelo direito que a emancipação será concretizada. Edelman é um dos teóricos que levanta esse ponto, a margem dentro do direito é muito pequena, permite poucos avanços. Júlia lembra da frase de Marx de que toda ciência seria supérflua se a aparência coincidisse com a essência. Então é necessário mostrar os conceitos básicos pelos quais Marx explica o capitalismo, valor, valor de uso, etc. No capitalismo não há exploração direta, para que a exploração ocorra é necessário que o trabalhador venda a sua força de trabalho como um sujeito de direito igual ao patrão. Mas porque uns detém os meios de produção e o restante não? Há uma gênese histórica das relações capitalistas. Como é possível comparar duas mercadorias diferentes? É preciso que haja alguma coisa em comum entre elas. Esse algo em comum é o trabalho humano. Marx mostra que o trabalhador, em sua jornada de trabalho, trabalha mais do que o necessário para sua subsistência. No capitalismo, para que essa troca entre capital e trabalho ocorra o direito tem que tornar os sujeitos livres e iguais. Essa transformação do trabalhador em sujeito de direito também serve para mascarar a exploração.
Comentários:
Organizar o debate de modo que passemos pelo texto ponto por ponto. Talvez funcione melhor. Por exemplo, podemos ver alguns temas centrais do texto: 1. delimitação da teoria de Pachukanis; 2. Luta por direitos; 3. Mercadoria; 4. Mais-valor 5. Trabalho necessário e trabalho excedente; 6. Fetichismo; 7. Acumulação primitiva;
Alguns conceitos que devem ser abordados no debate: força de trabalho, valor de uso, valor, trabalho concreto e trabalho abstrato, trabalho socialmente necessário, segredo do excedente capitalista, trabalho necessário e trabalho excedente, sujeito de direito, trabalhador assalariado como duplamente livres.
Páginas 53 e 54 - há dois pontos importantes, normativismo e socialismo jurídico. É importante sabermos que Pachukanis fórmula uma teoria geral do direito. Ela tem uma diferença para as outras, já que ela visa uma ação revolucionária (justamente por isso não é muito aceita na universidade). Pachukanis tem a humildade de apontar que deu apenas o primeiro passo, há muito mais a se fazer. Edelman é um dos que seguem os passos de Pachukanis.
As notas de rodapé do texto são muito boas. A nota de rodapé 116 aponta como algumas “conquistas” não são verdadeiras conquistas da classe trabalhadora. Elas na verdade são um modo de se manter o capitalismo. No capitalismo vivemos uma série de idas e vindas nos direitos sociais. Os movimentos muitas vezes conseguem apenas algumas conquistas que permitem a continuação da sociedade capitalista. Júlia poderia fazer um comentário sobre uma das notas, a 115 que trata do Edelman.
A tese como um ponto de partida para os novos pesquisadores. Observação sobre a dinâmica do capitalismo atual que você já levantou, dessa dinâmica pendular. Joe Biden por exemplo está fazendo um plano que pretende enterrar o neoliberalismo. Não há garantias, no entanto, que algum tipo de welfare state se forme nos países periféricos, já que o desenvolvimento de um welfare state nos países centrais muitas vezes representam uma maior exploração nos países periféricos. Outra questão, em Roma o poder é marcado por relações diretas de poder. A dinâmica da forma jurídica em sentido pleno só existe no capitalismo. Temos que perceber que essa projeção da forma jurídica em outras sociedade tem uma força ideológica tremenda, porque encara o fenômeno jurídico como eterno.
Os próprios manuais de direito romano mostram que as bases materiais da sociedade romana eram completamente diferentes da nossa, mas mesmo assim eles passam a ideia de uma eternidade do direito.
Sobre o livro “Direito e Backlash". O ponto central do livro é que na verdade o backlash é um “revés” do direito, uma regressão de direitos. Outro ponto do livro é que não se deve ter esperança nos legisladores e nos juristas. Por exemplo, o STF se mostrou um órgão político que muitas vezes foi contra o que estava na constituição. No momento em que a sociedade brasileira tem sido mais conservadora, o judiciário acompanha. Faltou nesse livro que o direito é a própria forma do capital.
Ponto da página 56, que é quando a Júlia aponta que o que caracteriza a época capitalista é que a própria força de trabalho se torna mercadoria. Essa é uma característica que marca a passagem das sociedades pré-capitalistas para a atual, é uma especificidade do capitalismo.
O texto em estudo é muito claro e ajuda a entender vários conceitos. Um ponto é a desumanização do trabalhador quando ele vende sua força de trabalho. Todo o processo de expropriação dos meios de produção na transição para o capitalismo também é muito desumanizador. Os direitos na verdade são apenas um meio de continuar com o capitalismo, é só na aparência que ele representa uma evolução.
É muito importante percebermos que quando trocamos dinheiro por uma mercadoria, no fundo trocamos o nosso tempo de vida. É interessante o conceito de Marx de acumulação originária. A passagem do feudalismo ao capitalismo foi um processo violento que separou os trabalhadores dos seus meios de produção. Também devemos, por motivos de clareza teórica, distinguir o trabalhador assalariado do escravo. O trabalhador assalariado é duplamente livre. É livre porque não está sujeito diretamente a ninguém, não é escravo, portanto, é portanto um sujeito de direito livre para vender a força de trabalho para qualquer capitalista. É livre também porque não dispõe dos meios de produção, não tem propriedade deles.
Sobre o escravismo. O livro do Jacob Gorender sobre o escravismo colonial é muito importante para entender a formação social brasileira, que é muito diferente da Europa. Gorender trata do direito?
Qual é a natureza da abstração no processo mercantil? Ela é do trabalho? Ela é do trabalhador? Ela é dos dois? Quais são as consequências dela?
Precisamos ter em mente do processo violento que foi a acumulação primitiva. Até a forma jurídica tem um papel nisso, já que diversas legislações foram responsáveis por “domesticar” o trabalhador. O trabalhador assalariado foi forjado à força. No Brasil também houveram esses tipos de lei, que penalizam a vagabundagem, por exemplo. Pessoas poderiam ir presas por não ter uma ocupação registradas em carteira, etc.
Não há diferença entre as mercadorias e nem entre as pessoas. Quando as mercadorias são equiparadas, as pessoas também o são. Vou tentar trazer alguns conceitos para que caminhemos juntos. Os bens sempre foram produzidos pela sua utilidade, seu valor de uso. Por isso toda mercadoria é um valor de uso. Mas no capitalismo a produção é feita tendo em vista o valor, e não mais o valor de uso, como nos modos de produção anteriores. Isso tem consequências para o próprio trabalho. Na passagem da subsunção formal para a subsunção real o trabalhador é desprovido de seu saber. O trabalho vai se tornando cada vez mais indiferenciado, cada vez mais como uma geleia de trabalho humano. A partir das categorias marxistas do apagamento do trabalho concreto podemos entender melhor questões de gênero e classe.
A pejotização também é um modo brutal de igualação do trabalhador ao operário. Outra questão importante é que podemos pensar até o processo como uma ferramenta do capitalismo.
Sobre a exploração consentida, página 62 do texto. Vieram à cabeça os coachs e esses motivadores de internet que no fundo passam uma mensagem que mascara a exploração capitalista. Me lembrei sobre o filme do Daniel Blake no qual o personagem não consegue o auxílio previdenciário do qual tinha o direito.
Como advogados previdenciaristas muitas vezes não percebemos que estamos repetindo o mecanismo do capitalismo. Assim como o José Ricardo também sou professora de direito e o grupo está me dando outra visão das relações entre direito e justiça.
Retomando o processo de abstração. Esse processo de abstração não se confunde com a alienação, são coisas diferentes. Como é possível a troca generalizada de mercadorias? Isso só é possível porque se encontra nelas algo de comum, que é o trabalho humano abstrato. Outra questão importante é que quando falamos de sujeito de direito não estamos tratando de alguém que tem certos direitos, mas sim como uma qualidade que todos assumem na sociedade capitalista.
Estudar Pachukanis é difícil no começo porque vai contra nosso saber de juristas do dia a dia. É um processo angustiante, por isso é interessante que esse estudo seja feita de maneira capitalista. Precisamos pensar a justiça de um ponto de vista de classe, a verdadeira justiça só pode ser alcançada por meio de uma revolução, que é necessariamente violenta. Outro ponto, temos que tomar cuidado com a questão do salário. O patamar do salário é definido como o valor suficiente para reproduzir a força de trabalho, esse patamar é social e histórico, não apenas fisiológico. Na troca entre força trabalho e capital não há violação das leis do mercado. O mais-valor é um direito do capitalista, a exploração se dá dentro das regras do jogo. Assim podemos entender como a luta em torno da jornada de trabalho é tão importante para o capitalismo, porque ela vai determinar as taxas de extração de mais-valor. Devemos distinguir também as lutas pela efetividade de certos direitos com a forma jurídica. Devemos perceber que com mais ou menos direitos, a forma jurídica sempre mantém sua força no capitalismo.
Sobre a ilusão gerada pela forma salário. A ilusão do salário que parece que o trabalhador recebe pela jornada inteira, quando na verdade recebe só por parte da jornada (a do trabalho necessário).
Pensando sobre a reforma da previdência podemos ter ideia de quão necessária é a violência para a reprodução do capital. Na reforma da previdência os militares ficaram de fora, isso tem um sentido profundo. O capitalismo sempre precisará da violência do direito penal para garantir a reprodução em última instância. Todos os ramos do direito servem à dominação, mas no direito penal a violência de classe aparece de forma mais explícita.
O trabalho necessário é suficiente para gerar lucro?
O trabalho necessário e o de trabalho socialmente necessário. O trabalho socialmente necessário é a medida do valor, é o quanto de trabalho abstrato está contida numa mercadoria. O trabalho necessário é uma das parcelas da jornada de trabalho. A jornada é dividida entre trabalho necessário e trabalho excedente. O trabalho necessário será pago ao trabalhador na forma de salário, o trabalho excedente é o que vai gerar o mais-valor apropriado pelo capitalista. No nosso momento estamos passando por um aumento do trabalho excedente. As jornadas estão sendo estendidas
O trabalho necessário é suficiente para gerar lucro? Ou não? Ou o trabalho excedente é uma necessidade do sistema capitalista?
O conceito de Marx de jornada de trabalho sempre se divide entre trabalho necessário e trabalho excedente. O trabalho excedente é a própria razão do capitalismo, o capital não pode existir sem ele. Por isso não podemos conceber um capitalismo humano, já que ele depende da exploração do trabalho, em todas as suas fases. Também podemos entender porque o capitalismo está sempre se espraiando para novos setores e mercantilizando cada vez mais a vida. Podemos ver isso por exemplo quando pensamos na educação, na saúde, e também na previdência, que nos últimos anos vem sendo alvos de investidas do capital. Lembrando de Guimarães Rosa: “o capitalismo é tal qual a água do sertão, a água das veredas, uma vez que ele penetra no solo no solo, não há possibilidade de pará-lo, o capitalismo encontra sempre um meio pelo qual ele vai jorrar”.
Quando pensamos no mais-valor e no trabalho excedente devemos ter sempre em mente não situações muito individuais e sim mais gerais. Por exemplo, um trabalhador que por motivos de saúde não trabalhou a jornada toda num dia vai com certeza gerar mais-valor ao longo do mês, isso é ainda mais certo se pensarmos no conjunto dos trabalhadores, possíveis falhas individuais se compensam. Também queria levantar uma questão que pode gerar equívocos. O trabalhador nunca pode receber um salário que esteja muito abaixo de um mínimo necessário a reprodução da força de trabalho, porque senão o próprio modo de produção é colocado em risco.
Sobre violências do direito. Existem vários casos nos quais o INSS nega o direito previdenciário mesmo com um laudo médico favorável.
No capítulo sobre ideologia jurídica veremos melhor essa questão da violência.
Na página 60 a Júlia fala da transformação de dinheiro em capital. O trabalho excedente é basicamente o que transforma o dinheiro em capital. Acho que a pergunta do Rodrigo pode estar relacionada a essa transformação. Estou certa.
Além disso Marx coloca que a tendência de acumular no capitalismo não tem barreiras, sempre se tenta aumentar a escala de acumulação.
A reforma também aumentou a jornada do trabalho parcial, não apenas a jornada de trabalho comum. Também há a questão do trabalho intermitente, no qual o trabalhador é chamado para trabalhar apenas algumas horas. Eu ainda tenho alguma
A questão do trabalho intermitente é interessante porque até com poucas horas de trabalho o trabalhador já produz um excedente.
É importante pensar em questões mais gerais, pensar o capitalismo como um processo social global. O Estado por exemplo não pode ser pensado separado da economia capitalista, ele faz parte da estrutura do capital. Bauman por exemplo fala do capitalismo parasitário, ele é um sistema que acha formas de se readequar. O direito tem um papel muito importante nessa readequação do capitalismo. Bauman também diz que o capitalismo não é capaz de lidar com as distorções que ele mesmo produz. Como a Júlia falou, não há como pensar num capitalismo humano.
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