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RELATÓRIO - Outras formações (16/11/2022)

Relatório – Reunião 16/11/2022



Texto: As características específicas da transição ao comunismo, Mª Turchetto.



APRESENTAÇÃO

1. Uma análise marxista das contradições da “transição” exige o uso rigoroso de suas categorias para que se logre romper com tal ideologia e explicar esses fenômenos, compreendendo a materialidade que os ensejam. Nesse sentido, para que seja possível pensarmos verdadeiramente “uma transição que permita superar efetivamente as determinações do capital”, urge empreender uma investigação que afaste definitivamente a ideologia jurídica burguesa.


2. Na tentativa de examinar o problema da sociedade de transição dentro do marxismo, predomina uma concepção segundo a qual, tendo tido início o processo de transição com a tomada de poder pelos trabalhadores, a transferência da titularidade dos meios de produção para o Estado “operário” seria medida suficiente para sua “socialização”, restando como tarefa o desenvolvimento quantitativo das forças produtivas para se atingir a etapa do “comunismo”. Segundo essa leitura, que confere um “primado ao desenvolvimento das forças produtivas” para o “desenvolvimento da sociedade”, as relações sociais de produção são compreendidas como meras relações jurídicas de propriedade, e não como relações concretas de exploração baseadas na expropriação crescente dos produtores diretos para fins de valorização do capital. Além disso, as relações sociais de produção e as forças produtivas são compreendidas como elementos externos, como se as relações sociais de produção não se materializassem em determinadas forças produtivas, e como se o desenvolvimento das últimas não implicasse num reforço e aprofundamento das primeiras. Com isso, retira-se a luta de classes como ingrediente propulsor da história, e este papel passa a ser conferido ao desenvolvimento de formas tipicamente capitalistas, impossibilitando uma revolução propriamente.


Comentário – pergunta a qual texto se refere. Origem dessa interpretação é o prefácio da Introdução de 1859. https://www.marxists.org/portugues/marx/1859/01/prefacio.htm?


Comentário - Prefácio de 1859 (Marx, Contribuição à crítica da economia política) que trata das relações de produção (“estrutura econômica da sociedade”, “sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política”), que corresponderiam a um “grau determinado de desenvolvimento das forças produtivas materiais”. Estas, “em uma certa etapa de seu desenvolvimento”, “entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o que não é mais que sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais havia se desenvolvido até então”, abrindo “uma época de revolução social”.


3. Tal interpretação “economicista” do marxismo prevalece nas análises sobre as experiências e crise do “socialismo real”. Contudo, nos anos 60 desenvolve-se uma crítica à essa concepção “tradicional” principalmente a partir de Louis Althusser e de alguns de seus alunos que buscavam desenvolver uma melhor compreensão do movimento específico do modo de produção capitalista. A partir desse referencial tem-se como sentido da transição o desmonte das relações sociais capitalistas e das históricas forças produtivas que a elas correspondem, por meio da luta de classes, para construir uma nova forma de sociabilidade.


4. Nesse contexto, Maria Turchetto, é parte dos críticos do economicismo, é professora da Universidade Cà Foscari de Veneza, desenvolveu estudos e pesquisas junto a alunos de Bettelheim, como Gianfranco La Grassa – que assistiu a cursos ministrados por Bettelheim e por Althusser, se graduou na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales em Paris, e é docente emérito de Economia Política da Universidade de Veneza e Piza. Foi um dos principais representantes do maoismo “teórico” italiano, articulando o pensamento filosófico de Luis Atlhusser com o pensamento econômico de Charles Bettlheim. A autora dirigiu a publicação em italiano de suas obras (de Bettelheim) pôde desenvolver algumas das “teses fortes”, sistematizando uma contribuição decisiva para compreender o caráter da sociedade de transição.


5. Ela explica que o movimento de produção do capital como “um movimento de contínua reprodução “ampliada” – em “extensão” e em “profundidade” – da própria relação capitalista” faz com que o desafio primordial do socialismo seja a possibilidade de romper e inverter esse processo de “auto-reprodução” do capital.


RELATÓRIO DO TEXTO


6. Para a autora italiana, é a partir do conhecimento teórico da “estrutura do modo de produção capitalista e suas leis de movimento” que temos o “quadro teórico de referência para uma abordagem não economicista da questão da transição ao comunismo”. Este “quadro teórico de referência é dado exclusivamente pelo conhecimento do movimento “interno” do modo de produção capitalista”que nos permite identifica aquilo que o comunismo não pode ser.

7. Para tanto, recupera algumas considerações fundamentais sobre o processo que cria a relação capitalista – que é o da separação do produtor direto da apropriação dos meios de realização de seu trabalho - para que seja possível aferir uma correta compreensão do significado de “socialização dos meios de produção” enquanto tarefa essencial da transição ao comunismo.

8. A formação da estrutura de relações de tipo capitalista é caracterizada pelo processo histórico de expropriação dos produtores denominado “acumulação primitiva”. Com ela, os trabalhadores são despossuídos de seus meios de produção e subsistência, fazendo com que tenham que vender sua força de trabalho àqueles não trabalhadores que se tornaram proprietários dessas condições. Nesse primeiro momento, passa a existir a relação de produção capitalista, mas a articulação técnico-organizativa do processo produtivo ainda não sofreu alterações substanciais. Ou seja, “embora o processo de trabalho seja subordinado ao capital, as forças produtivas ainda não foram transformadas, de maneira que um modo de produção especificamente capitalista não se constituiu”. Marx define essa situação como subsunção formal do trabalho ao capital.

9. O essencial na subsunção formal é o seguinte: 1) a relação puramente monetária entre o que se apropria do trabalho excedente e o que o fornece; na medida em que surge a subordinação, esta deriva do conteúdo determinado da venda, não de uma subordinação, precedente à mesma, por força da qual o produtor – devido à circunstâncias políticas etc, - estivesse situado em outra relação do que a monetária (relação entre possuidor de mercadoria e possuidor de mercadoria) em relação ao explorador de seu trabalho. É somente na condição de possuidor das condições de trabalho que, nesse caso, o comprador faz com que o vendedor caia sob sua dependência econômica; não existe qualquer relação política, fixada socialmente, de superioridade e subordinação. 2) o que é inerente à primeira relação – pois caso contrário o operário não teria que vender sua capacidade de trabalho – é que suas condições objetivas de trabalho (meios de produção) e condições subjetivas de trabalho (meios de subsistência) se lhe defrontam como capital, monopolizadas pelo comprador de sua capacidade de trabalho. Quanto mais plenamente se lhe defrontam tais condições de trabalho como propriedade alheia, tanto mais plenamente se estabelece como formal a relação entre o capital e o trabalho assalariado, o que vale dizer: dá-se a subsunção formal do trabalho ao capital, condição e premissa da subsunção real..

Comentário - A grande contribuição da Turchetto na produção teórica acerca da transição é a diferenciação da subsunção formal como expropriação objetiva (classe trabalhadora materialmente expropriada, arrancada da terra, etc. mas ainda sem o revolucionamento no "jeito" de produzir) e subsunção real como expropriação subjetiva (revolucionamento completo do próprio processo de produção a partir da introdução da maquinaria / trabalhador não tem mais condições de produzir a vida material sem a direção e coordenação do capitalista). Portanto, a revolução e o início da transição não é uma questão de propriedade dos meios de produção, que deixam de ser propriedade privada e passam à propriedade do Estado conformado como Ditadura do Proletariado. As forças produtivas são a materialização das relações sociais de produção (ou as relações sociais de produção são materializadas nas forças produtivas), portanto, as forças produtivas não são neutras e não são alteradas pela mesma alteração da sua propriedade; elas são desenvolvidas para aprofundamento da exploração e expropriação crescente da classe trabalhadora (por isso é absurdo falar em contradição entre forças produtivas e relações de produção - a ideologia flutuaria sem uma base material). A contradição fundamental da sociedade capitalista é entre capital e trabalho, e não entre forças produtivas e relações de produção.

Comentário - Processo de abstração e universalização das determinantes da forma jurídica. Essa perspectiva da subsunção formal e real como expropriação objetiva e subjetiva ajuda muito nessa compreensão. Centrar a análise apenas na mudança da propriedade dos meios de produção, é como se tivesse desconsiderado a subsunção real - perda da capacidade da classe trabalhadora de se apropriar do seu processo de trabalho. Nova forma de produzir é o desafio da transição. Não apenas a propriedade dos meios de produção/ forças produtivas - ideia contaminada pela ideologia jurídica. Expropriação da potência mental - divisão técnica do trabalho que é eminentemente social - só poder produzir valores de uso dentro da unidade produtiva capitalista. Relação social de produção capitalista é a relação de expropriação - e ela toma uma forma/se materializa nas forças produtivas. Falar que as forças produtivas estão em contradição com as relações de produção de uma forma generalizada não faz o menor sentido. As relações de produção não são neutras - a tomada das relações de produção não basta. Tem que atacar o modo de organização técnica do trabalho que é eminentemente social. Necessidades de desenvolvimento técnico signfica o desenvolvimento das forças produtivas capitalistas. Ninguém se sentirá correto em subestimar a importância da sobrevivência da ideologia e da cultura burguesas, mas uma transformação radical e efetiva transformação das relações de produção remove a base objetiva e da regeneração da ideologia e da cultura da velha formação social.

Comentário - Cultura na nova formação social.

10. Com a submissão formal ao capital a produção ainda ocorre da mesma maneira, mas o trabalhador, mesmo que conheça o modo como se desenvolve processo produtivo em que está inserido, passa a ter a “necessidade” de reproduzir sua subordinação, pois só pode exercer seu trabalho submetendo-se ao capitalista, que é proprietário das condições para desenvolver cada uma de suas etapas. Conforme o capitalismo se desenvolve e se transformam as técnicas de produção, ele não apenas se assenta e conserva essa separação do trabalhador dos meios de produção, mas “a reproduz em escala sempre crescente”. Num segundo momento, ocorre uma transformação das forças produtivas, especialmente com a introdução do sistema de máquinas. Essa mudança faz com que o trabalhador se torne mero “apêndice” das máquinas e equipamentos que cada vez se tornam mais complexos, sendo, assim, reduzido a mero prestador de trabalho genérico e indiferenciado. Com isso,

A força de trabalho dos operários é objetivamente igualada, uma vez que ela é reduzida a mera energia dispendida em determinado tempo. É a isso que Marx chama de subsunção (ou subordinação) real do trabalho ao capital. O capitalista agora tem o poder de dispor efetivamente dos meios de produção. Ao contrário do período anterior, quando a classe operária é limitada à execução de uma tarefa elementar do ciclo reprodutivo, quando ocorre a sepação entre trabalho intelectual e o trabalho manual, a intervenção do capitalista passa a ser necessária também no interior do processo de produção. Ou seja, o trabalhador não é mais capaz de combinar os elementos do processo de trabalho independentemente da direção e coordenação do capitalista. Expropriado do conhecimento técnico, que foi transferido para o sistema de máquinas, reduzido à condição de energia laborativa indiferenciada, o operário torna-se inteiramente subordinado ao capitalista.

11. Os trabalhadores passam a ser realmente despossuídos dos meios de produzir sua vida pois dependem, para participar do processo produtivo dos meios materiais de produção e da capacidade de conhecer o processo que não dominam nem dirigem. Com a subsunção real do trabalho ao capital ocorre com a completa transformação da natureza do processo de produção que caracteriza o modo de produção especificamente capitalista.

12. A característica geral da subsunção formal continua sendo a direta subordinação do processo do trabalho – qualquer que seja, tecnologicamente falando, a forma em que se efetue – ao capital. Nessa base, entretanto, se ergue um modo de produção tecnologicamente específico que metamorfoseia a natureza real do processo de trabalho e suas condições reais: o modo capitalista de produção. Somente quando este entra em cena, se dá a subsunção real do trabalho ao capital.

13. Assim, com a subsunção real do trabalho ao capital acompanhada pela completa transformação do modo técnico-organizativo da produção o trabalhador encontra-se incapacitado de realizar a atividade laborativa independente e torna-se simples “peça” dessa realidade complexa que lhe escapa. Portanto, a subsunção real do trabalhador ao capital baseia-se não apenas na expropriação do trabalhador das condições objetivas de seu trabalho, mas também de suas condições subjetivas, pois sua capacidade intelectual se separa de seu trabalho manual e é apropriada e transformada em “potência do capital”, em verdadeira força produtiva especificamente capitalista que se opõe ao produtor e o subordina.

14. Se o capital é uma relação social, isso significa que os meios de produção só se convertem em capital quando são combinados com a força de trabalho assalariada, portanto só há capital quando o proprietário das condições materiais da produção encontra disponível no mercado a força de trabalho e a consome no processo de produção. É justamente a relação entre essas duas classes, a burguesia e o operariado, mediada pelos meios de trabalho, que constitui a relação de capital ou capitalismo.

Comentário – Menciona o recente texto do Márcio Naves e do Kashiura do Introdução a Pachukanis (https://lutasanticapital.com.br/products/introducao-a-pachukanins), que aponta que isso está presente no Pachukanis. Desenvolvimento, consolidação e sofisticação da forma jurídica, que atinge especificidade no momento da subsunção real. E, se pensarmos o momento contemporâneo, temos o que o Prof. Orione trata como subsunção hiper-real (o ORIONE, Marcus. Subsunção hiper-real do trabalho ao capital e novas tecnologias. In OLIVEIRA, Christiana D’arc Damasceno (Coord. e Org.). Revolução 5.0 e Novas Tecnologias. São Paulo: Tirant lo Blanch Brasil, 2021(Coleção Transformações no Mundo do Trabalho, v. 3). Nova fase que expressa essa expropriação intelectual do trabalhador, realizando cada vez mais o trabalho de forma apartada da coordenação e direção do processo de produção, que atinge um outro grau/patamar, em que o capital se espraia a todos os âmbitos da vida. Discutimos isso na banca de doutorado da Angélica (https://bit.ly/BancasFDUSP). Tudo passa a estar cada vez mais profundamente coordenado pelas forças produtivas mais desenvolvidas, tecnologia, robótica, etc.

Comentário – Esse debate da transição nos leva de volta para os fundamentos do marxismo, porque demanda entender o que determina o capitalismo; o cerne do método e da compreensão das relações capitalistas de produção.; a questão da subsunção formal e real. Quando pensamos a transição ao capitalismo, durante a subsunção formal, do que estamos falando? Já existem formas de contrato e forma jurídica se desenvolvendo. Também chama atenção a ideia de reprodução ampliada. Quando o capitalismo se torna capaz de se reproduzir por si próprio? Falamos disso de forma automática, sem pensar muito em que momento isso se dá e como ocorre, para que seja possível de fato pensar como interromper essa reprodução.

Comentário – O texto afasta um evolucionismo. Na transição do feudalismo ao capitalismo não poderíamos falar ainda de capitalismo nesse processo, mas de disputa. Não estava dado que o capitalismo se consolidaria. Adequação das forças produtivas às novas relações de produção. Trata a história como luta de classe permanente. Poderia ser que o feudalismo europeu não tivesse chegado ao capitalismo.

Comentário – Também acho o texto fantástico porque não dá pra ler Pachukanis sem ler a Turchetto. Me dá essa impressão. Capacidade de juntar Pachukanis e Althusser através dela. O Prof. Orione reforçou isso na tese de titularidade. Nos processos de capitalismo central, a transição é mais longa no tempo, mas é possível observar essa transformação de maneira mais “estanque”, enquanto na periferia do capitalismo, até pelo desenvolvimento desigual e combinado, e remessa de mais valia pra os países centrais, etc., esse processo é marcado por uma maior dificuldade de se periodizar. As coisas se “bagunçam” aqui, a transição se dá de forma meio abrupta, como se houvessem coisas referentes a diferentes períodos históricos que convivessem. Os primeiros 30 anos do séc. XX são extremamente acelerados. Saber pontuar quando já é um modo de produção capitalista, mas que existe convivência com elementos “remanescentes” do modo anterior, porque foi um processo muito acelerado. O desenvolvimento, maturação e complexificação das formas sociais capitalistas passa pelo processo de universalização do sujeito de direito, passa pela abstração das categorias, e a ideia de expropriação formal e real como expropriação objetiva e subjetiva trazida pela Turchetto ajuda muito nessa leitura. O erro da concepção acerca do "primado das forças produtivas" centra-se na ênfase dada as relações jurídicas de propriedade durante o período de transição, desconsiderando, em alguma medida, o próprio estágio da subsunção do trabalho ao capital (as relações sociais de produção não são meramente jurídicas, mas assentadas na divisão técnica e social do trabalho). Porque, ainda que se torne propriedade coletiva isso não significa que a classe toca por si próprio o processo produtivo. A transferência da propriedade não é suficiente pra ensejar novo modo de produzir. Não altera as determinantes capitalistas desse modo de produção. Ex.: direito de trabalho. Inicialmente, no Brasil, era importante que o trabalhador que tinha conhecimento da maquinaria permanecesse no trabalho, mas depois retira-se a estabilidade para passar Á dinâmica do FGTS, e há uma complexificação da subjetividade jurídica. No FGTS já não há mais nenhuma concretude com relação ao trabalho, ao posto de trabalho, ao ramo produtivo, etc., facilitando, assim, a circulação da força de trabalho, que pode ser realocada de forma totalmente igual. Sofisticação são indícios importante do estágio das forças produtivas.

15. A lei que rege o movimento do capital é o da sua valorização, que desenvolve-se aprofundando a “subordinação “real” do trabalho ao capital” e aumentando “a expropriação – inclusive e sobretudo a “subjetiva” – dos produtores, isto é, a condição social que é suficiente para reger o processo de valorização”. Isso significa que o “sentido da transformação socialista” encontra-se na superação da cisão entre o produtor direto e as condições da produção. A subsunção formal e real do trabalho ao capital se constituiu por exigência do processo de valorização do capital e levou à “organização do processo de trabalho sob a base técnica das forças produtivas especificamente capitalistas”. Portanto,

16. A possibilidade de uma transformação revolucionária das relações de produção capitalistas reside necessariamente no “ataque” à organização capitalista do processo de trabalho, pois é justamente o modo como o processo de trabalho se organiza sob as relações de produção capitalistas o que permite o prosseguimento do processo de valorização.

17. Logo, a principal tarefa desse período é revolucionar a natureza das relações de produção, permitindo a constituição de novas forças produtivas, de modo que seja possível uma efetiva apropriação dos trabalhadores do processo produtivo. É no interior do próprio processo de trabalho que as relações de produção capitalistas estruturam as forças produtivas que impedem o controle dos produtores diretos dos meios de sua produção. Isso se dá por meio da divisão entre trabalho manual e intelectual, trabalho de direção e de execução que reproduzem “as condições de expropriação da “potencia mental” do operário”, “a perda da capacidade do trabalhador de pôr em funcionamento o processo de trabalho e de dispor do produto de seu trabalho”. Portanto, o movimento do capital se dá por meio da divisão técnica do trabalho, que em verdade é eminentemente social, na medida em que é “o lugar de existência da relação social capitalista e da determinação “profunda” de todos os complexos aspectos da sociedade burguesa”, representando a peculiaridade histórica do capitalismo.

18. Nesse sentido, as forças produtivas possuem uma forma histórica e determinada de desenvolvimento, que diz respeito justamente à organização técnica do processo de produção, que lhes imprime a forma capitalista das relações de produção. Com isso, é impossível falar em contradição entre relações de produção “socialistas” – quando consideradas como mera relações jurídicas - e forças produtivas - tomadas como indiferentes a sua natureza de classe - a serem desenvolvidas, mas apenas em contradição objetiva entre o capital e o trabalho na relação de produção que se aprofunda. Isso quer dizer que o desenvolvimento das forças produtivas em quantidade sob o socialismo, sem uma transformação de sua qualidade, representam o desenvolvimento da forma de existência concreta dessa relação capitalista que reproduz a separação entre as potências intelectuais autônomas de produção e o trabalhador expropriado, reduzido a portador de capacidade laborativa “abstrata”, que só pode produzir valores de uso dentro da unidade produtiva capitalista.

Comentário – Vemos que faz todo sentido a escola do Althusser, da ideologia enquanto materialidade. Para falar de reprodução ele se centra nas relações sociais de produção. Quanto ao desenvolvimento técnico ele faz ênfase de que é técnico-social, que nada mais é que o desenvolvimento das forças produtivas capitalistas. As relações sociais de produção se baseiam nessas cisões e vem da necessidade de reprodução do capitalismo.

Comentário – Esse salto de qualidade ela dá é tanto com relação ao primado das forças produtivas, quanto, ao contrário, contra quem coloca ênfase exclusivamente nas relações de produção e na consciência.

19. Note-se que em diversos momentos de experiências como a da URSS ou da China as “imperfeições” do “sistema socialista” são atribuídas pelos líderes dos partidos à permanência de diversas formas de propriedade, ou seja, à existência de formas de propriedade “não estatais”, e à permanência da ideologia burguesa. Esta confusão leva à impossibilidade de apreender o verdadeiro sentido da transição socialista e à respostas incompletas quanto ao problema da luta contra a burguesia por meio da ditadura do proletariado. Assim, configura-se uma compreensão caracterizada por Maria Turchetto como uma tendência a:

Falar da permanência da luta de classes no socialismo somente no sentido de que o novo modo de produção instaurado com a tomada do poder por parte da classe operária se confronta com as sobrevivências do modo de produção capitalista. Segundo essa abordagem, portanto, no socialismo já existe um novo modo de produzir, mesmo que ainda não irreversivelmente afirmado; e, a rigor, aqui também se faz uma interpretação reducionista da relação de produção capitalista. As “sobrevivências” do modo de produção capitalista vêm, de fato, identificadas, do ponto de vista econômico, com a permanência de formas de “produção mercantil privada” (embora não seja este, efetivamente [...] o aspecto essencial da produção do capital), quando não vêm mesmo identificadas com as “sobrevivências ideológicas” da velha sociedade.

20. Ao analisar os maoístas, por exemplo, o problema da ideologia ocupa um lugar de primazia levando-os a ter uma compreensão da contradição entre base econômica e superestrutura que parece ser entendida de forma não dialética, como se se tratassem de elementos externos um ao outro e como se se negasse o fato de que as relações sociais são determinantes para a transformação de “todas as ideias que dela emanam”. Segundo uma análise de Turchetto e La Grassa:

Me parece que sobre este ponto já está presente na posição maoista uma determinada ênfase sobre fatores que, embora importantes, não podem ser, no fundo, que secundários. Quanto à sobrevivência da ideologia e da cultura burguesas, ninguém se sentirá correto em subestimar a sua importância, mas é necessário, no entanto, lembrar como esses fatores podem agir de forma complementar, nunca como elementos decisivos de uma involução para o capitalismo. Seria, sem dúvida, "materialismo" vulgar argumentar que a "superestrutura" ideológica "cai" logo que transformada a "base econômica"; Mas parece-me bastante claro que uma transformação radical e efetiva transformação das relações de produção remove a base objetiva da regeneração (...) da ideologia e da cultura da velha formação social.

21. Em contraposição às “ideias burguesas” confere-se um peso muito grande “à direção revolucionária” que seria depositária da ideologia revolucionária “correta”, que, tendo sido “vitoriosa” no campo da superestrutura política, com a tomada de poder, teria a capacidade de conduzir processos unívocos para a revolução.

22. Com Stálin consolida-se definitivamente a ideia segundo qual: “A luta de classes intervém essencialmente para romper as relações de produção que impedem o desenvolvimento das forças produtivas, dando então origem a relações de produção novas, de acordo com as exigências do desenvolvimento das forças produtivas”. Assim, a força determinante do desenvolvimento da formação social não seriam as contradições do modo de produção, mas o próprio modo de produção. Este “não é concebido como a unidade das relações de produção e das forças produtivas, mas como uma adição organizada de elementos ou de aspectos”. Com isso, as forças produtivas, reduzidas aos instrumentos de trabalho, teriam a capacidade de desenvolver-se sucessivamente, “autonomamente”, e, portanto, de forma a-histórica, aparecendo, assim, como um ““deus ex machina”, a fonte de todo “desenvolvimento social”.

23. Stalin também defendia que as novas forças produtivas e as relações de produção “correspondentes” surgiriam ainda no seio do antigo regime, o que implica em entender que as novas relações de produção surgem independentemente de um processo de lutas revolucionário. Trata-se de uma concepção reformista e mecanicista que compreende que no interior do próprio capitalismo vai se constituindo um processo gradual e linear de socialização dos meios de produção, como se o capitalismo estivesse “grávido” do socialismo. Contudo, o modo de produção capitalista não se transforma “por si” mesmo, como desdobramento de suas “contradições” inerentes. Não há que se falar em uma “evolução “espontânea””, guiada “pelas exigências de desenvolvimento das forças produtivas”, pois que o movimento de reprodução do capital é orientado pela lei do valor que reforça a relação capitalista e a aprofunda.

Comentário – Tal concepção retiraria luta de classes de cena.

Comentário – Concepções burguesas projetam a sociedade burguesa para o passado. Nas concepções reformistas não projetam exatamente para o passado, na medida em que entendem que a mudança de titularidade por si só garantiria a mudança do modo de produção. É um “cavalo de pau” nas próprias concepções burguesas.

Comentário – É de uma sacada muito importante principalmente (novamente pensando o tempo presente e a banca da Angélica) sobre as esperanças que correntes de esquerda nutriram no desenvolvimento tecnológico que daria autonomia e facilitaria processos organizativos para a classe trabalhadora. Mídias alternativas, redes que facilitariam a comunicação, etc. Como se fossem terreno neutro passível de apropriação. Ideia de que “existe uma internet boa e o problema é como usá-la”, e que precisamos nos “educar” sobre a forma de fazer política no tempo das redes, das quais a esquerda não saberia se valer. Como se fosse possível fazer política de classe aí. E as forças produtivas não são só máquinas, que fazem carros, etc., por exemplo, mas são justamente essas tecnologias. Se apropriar disso para fins de revolução traz contradições. Não estamos falando de fordismo, mas de hoje. Se o desenvolvimento da internet propiciará uma contradição. Como se fosse possível um desenvolvimento autônomo, engendrado pelos usuários. Usam a primavera árabe e junho como exemplos desses momentos de tensão entre relações de produção e forças produtivas.

Comentário – Problema do foco da contradição do capitalismo que é entre capital e classe trabalhadora, na medida em que forças produtivas e relações de produção não são antagônicas mas conformadas uma à outra. Caso contrário é a ideia de que o desenvolvimento da internet propiciará a uma contradição com as relações de produção capitalistas e isso desencadeará um desenvolvimento revolucionário. Ideologia da socialização - como se o desenvolvimento das forças produtivas capitalistas levasse a uma socialização a ponto de as pessoas quererem acabar com o capitalismo. A contradição está entre capital e trabalho.


Comentário – A ideologia flutuaria sem uma base material, como se fosse possível dentro do capitalismo uma força produtiva se descolar e criar uma experiência socialista.

Comentário – Como se a internet fosse território livre de mercadorias e interagir na internet não fosse produção capitalista, “garimpo” de dados, etc. Como se não fosse produção material de mercadorias ao usar os seus mecanismos e não fosse permeada entre capital e trabalho. Como se a internet fosse um território livre de mercadorias - como se aquele universo não fosse produção imaterial de mercadorias.

Comentário – Relações que não tem claramente a produção envolvida. A Uber diz que “conecta pessoas” e desloca essa percepção da relação capital e trabalho. Em A ideologia alemã, fala-se da produção de mercadorias imateriais…

Comentário – O pós fordismo reforça esse “ocultamento” via circulação das relações de produção e temos dificuldade de compreender esse processo. Atrás da “núvem” tem muita exploração, grandes complexos industriais, etc. Fábricas do lado dos rios esfriando as nuvens. Processo da acumulação flexível pos fordismo complexifica muito as coisas. Capital como uma existência concreta - abstração não significa que é das ideias. Como combater a divisão do trabalho manual/intelectual - experiências de juntar fábrica e escola, pensar direção e execução, etc. “a instauração de relações de produção de tipo comunista não é algo que possa de forma alguma preceder à transformação da estrutura material técnico-organizativa da produção, mas algo que coincide imediatamente com tal transformação”.

Comentário – Turchetto diz demarca que deve-se partir a análise das relações de produção e a circulação como posterior, como consequência. O ambiente da circulação é o direito. E o direito ajuda nessa ocultação, pois parece que podemos debater tudo na circulação, pouco importando a produção. O direito é a linguagem da circulação. Como o direito ajuda na reprodução- circulação passa a concentrar todos os debates, e a produção fica isolada.

24. Portanto, a transformação jurídica da propriedade privada em propriedade do Estado socialista é uma condição necessária mas ainda insuficiente dessa “socialização”, na medida em que ela não implica, por si só, no desmantelamento da estrutura organizativa da produção capitalista. Isso porque, a “propriedade privada” dos meios de produção não se refere à “forma jurídica na qual esta última é sancionada pelo direito burgues”, mas à “disposição efetiva” das condições de produção por parte da classe capitalista, ou seja, a “apropriação capitalista da mais-valia e o movimento de constante reprodução das relações de produção capitalistas”.

25. Deve-se atacar, então, a forma da divisão social do trabalho “determinada pela subordinação do trabalho ao capital” que é própria do capitalismo. Este é, como esclarece Turchetto, o “lugar real no qual se desenvolve a luta de classes no “socialismo”, e o objetivo fundamental de tal luta”:

A relação capitalista está de fato inscrita na estrutura mesma das forças produtivas materiais, na organização do processo de trabalho, na divisão técnica do trabalho e na divisão social do trabalho dela derivada, na autonomização da ciência e da técnica em relação aos produtores diretos, no consequente “esvaziamento” da capacidade laborativa humana, etc.: elementos estes que o “socialismo” herda, e que podem ser transformados só no decorrer de um longo – e certamente não linear – processo histórico. Em outros termos, a “nova sociedade” instaurada com a tomada do poder por parte do proletariado se baseia ainda sobre a produção estruturada segundo as exigências da valorização capitalista, que por suas próprias características “objetivas” reproduz constantemente as condições de subordinação dos produtores; que, portanto, contém nos seus elementos materiais e organizativos a relação de produção capitalista. Nisso, de fato, se encontra o fundamento da permanência da luta de classes no “socialismo”: mesmo se a “burguesia” – enquanto classe “subjetiva”, organizada como classe dominante no Estado – tiver sido derrotada com a instauração da ditadura do proletariado, continua a existir o “capital” enquanto relação social de produção que tem a sua existência “concreta” na estrutura das forças produtivas. Isso significa que, enquanto a estrutura material da produção não for transformada (nisso consiste, precisamente, a “transição” ao comunismo), é sempre possível que também se forme outra vez uma nova burguesia, uma nova classe de “agentes do capital”, sobre a base da permanência da relação de produção capitalista (isto é, da subordinação real dos trabalhadores aos elementos materiais e à organização do processo produtivo) e da presença desta última em uma divisão social do trabalho (e, portanto, na esfera das relações de distribuição e de circulação) que reproduz as divisões, os papéis, a “estratificação social” próprias da sociedade burguesa.

Comentário - Pensar na ênfase que Althusser dá a questão da divisão social do trabalho na temática da ideologia e reprodução das relações sociais.

26. Por isso, afirma: “a instauração de relações de produção de tipo comunista não é algo que possa de forma alguma preceder à transformação da estrutura material técnico-organizativa da produção, mas algo que coincide imediatamente com tal transformação”. É por isso que o proletariado tem necessidade de apossar-se do poder estatal, que reproduz, “em última instância, as formas sociais da sociedade capitalista”[30], desmontar seu aparelho repressivo, e levar à cabo a referida revolucionarização das relações de produção. Para isso, o Estado deve ser absorvido pelas massas, ser controlado diretamente por ela, até sua efetiva extinção, juntamente com a extinção das classes. É “precisamente nisso que se joga a possibilidade de se constituir uma nova forma de organização social ou – ao contrário – de se fortalecerem as formas da exploração burguesa”.

Comentário – Ficou bem claro do nosso encontro hoje o quanto nosso trabalho enquanto juristas tem que ser específico nesse sentido, porque falar da forma jurídica é falar da sua fundamentalidade para a reprodução capitalista. Se não entendermos que elemento jurídico assegura as forças capitalistas vamos sempre resvalar no “não avanço da consciência” ou “contradições entre forças produtivas e relações de produção”. Falar em forma jurídica é falar em transição. E entender experiencias como a URSS e a China como excrescências, cujo problema é exclusivamente o stalinismo como “pessoa” simplesmente e não uma incompreensão teórica do sentido da revolução e do método de Marx, do Capital, é um problema. O jurídico em todas as áreas é fundamental para a reprodução. Nosso trabalho precisa ser específico. Fundamentalidade da nossa produção teórica- que nossos trabalhos não sejam apenas crítica da economia política - mas entender como cada uma das diversas áreas na qual se dividiu o campo jurídico são fundamentais para a reprodução do modo de produção.

Comentário - Lembrar um autor que foi bem interessante de estudar e que seria interessante se ele se tornasse orgânico do nosso campo, que é o Preobrajensky. Resgatando o começo da conversa, sobre o sentido das publicações recentes do Márcio Naves, se a gente ver o potencial de alcance da crítica da forma jurídica, no fim, dá pra se considerar em alguma medida uma espécie de um campo de autonomia, de uma tendência a se desenvolver no próprio interior do marxismo. Se a gente explora teses como a do Márcio e Kashiura, sobre a inexistência de superação dialética de formas, para a forma jurídica e pensar isso num sentido que não seja apenas para forma jurídica, mas para a sucessão histórica de formas sociais, e considerarmos a partir disso o próprio materialismo dialético vamos ter outra perspectiva de explicação do próprio capitalismo, na qual Althusser é “cachorro morto”. E a própria posição pachukaniana sobre a transição, como a forma, se transforma. Me parece que revolve a própria base teórica, no fim das contas. Se a gente pegar esse debate no contexto da formulação pakukaniana vamos ver que esse tipo de problema é muito essencial para qualquer perspectiva de transição. Preobrajensky discutia como oposição de esquerda, e o quanto no processo a alteração dos conteúdos econômicos e jurídicos das formas sociais impostas pela direção consciente do proletariado não podia perder de perspectiva a alteração da própria forma. Ex: continuar existindo a forma salário. Mesmo no setor em que há controle do processo produtivo, pelo governo soviético. Preobrazenski - o quanto no processo de transição a alteração dos conteúdos não podia perder de perspectiva a necessidade de alteração da própria forma em si. Especificidade do capital/das formas de produção e desafios da transição. Ou seja, são duas formas de conexão: forma jurídica pelas formas sociais permite avançar tanto no aspecto histórico e explicativo da constituição do modo de produção capitalista, quanto no da transição. A partir do interior da discussão mesmo dos desafios da transição soviética. Resistência das formas sociais no contexto revolucionário, mostra como se trata de um ponto sensível de domínio de classe. E são difíceis de lidar para serem destruídas. Se formos ver o potencial de alcance da crítica marxista da forma jurídica pode ser considerado uma tendência a se desenvolver no próprio interior do marxismo - inexistência de superação dialética de formas. Sucessão histórica de formas sociais e reconsideração do materialismo dialético.

Comentário - Livro “A luta de classes na URSS ‘ traz uma relevante análise sobre os desafios da União Soviética centrada exatamente na compreensão de qual é a tarefa da luta de classes no socialismo que é desativar as relações sociais capitalista de produção que engendram essas formas sociais.

Arte e cultura no processo de transição socialista:

programa produtivista e a dissolução da arte na vida

O que a arte pode fazer uma vez que saia dos estúdios e das galerias? Em que tipo de habilidades e recursos os artistas podem confiar quando abandonam a pintura, a escultura, ou mesmo a fotografia? Em que sentido o artista é um "trabalhador coletivo", da mesma forma que a força de trabalho dos trabalhadores está organizado coletivamente? Como os artistas podem contribuir para um produto ou processo coletivo? Como pode a criatividade artística, então, ser direcionada para a transformação das aparências sociais e do ambiente construído? Como tal, de que maneira o artista é, agora, - após a crise da função artesanal tradicional da arte - um especialista no "não-especializado", por assim dizer, um produtor de coisas e significados além dos limites e práticas disciplinares? [...] é possível para a arte realmente entrar nas relações de produção propriamente ditas? A arte pode, de fato, contribuir e ajudar a direcionar a produção econômica?[1]

Contexto:

1. Radicalidade dos movimentos políticos e artísticos que emergiu com a Revolução de Outubro, nos âmbitos da arte e da cultura. Diversas perspectivas que proliferaram na Rússia pós-revolucionária, divididas acerca da “relação que deveria existir entre a arte e a sociedade revolucionária”.

2. Foco no movimento artístico produtivista/construtivista, em razão de suas ideias e produções a partir das intersecções entre arte e política; e das contribuições que trazem aos estudos das formas sociais e da transição dos modos de produção.

3. Surgimento no contexto da Guerra Civil, que só viria a terminar em 1921, com a vitória dos bolcheviques e de seu Exército Vermelho. Cenário de crise econômica e social:

As diversas experiências desta revolução [Revolução de Outubro] e da subsequente guerra civil proporcionaram três ingredientes essenciais para o desenvolvimento do construtivismo. Deram aos artistas a experiência da agitação social, experiência prática na hora de levar os assuntos artísticos, e finalmente, lhes proporcionou uma ideologia revolucionária: o materialismo marxista.

4. Nos primeiros anos subsequentes à revolução, união dos artistas com o governo soviético. Concessão aos artistas de um “domínio relativamente livre no estabelecimento e funcionamento dos organismos culturais oficiais [...] e na formulação de novos valores para a nova sociedade”.

5. Substituição da liberdade inicial por paulatinas tentativas de controle e direção dos movimentos e produções artísticas por parte da cúpula do partido. As divergências se intensificavam, sobretudo no que dizia respeito:

1. Da relação entre a nova cultura comunista e a arte do passado [...]; 2. Da dificuldade, alegada por alguns membros da cúpula do partido, de compreensão da arte de vanguarda; 3. Da inter-relação entre a cultura comunista e as massas, o partido e o Estado [...]; 4. E da possibilidade de existência, ou não, de uma arte comunista em uma ditadura do proletariado.[5]

6. Diante dos atritos crescentes, a Frente de Esquerda das Artes – LEF, existente entre 1922 e 1928, tornou-se um dos esforços de resistência aos efeitos da burocracia estatal na arte – como eram classificados pelos lefistas a estética contemplativa, a cultura burguesa, o “culto a Lênin”, etc. –, compreendendo-a como um campo de disputa essencial frente à contrarrevolução que se mostrava cada vez mais um perigo real. Dentro da LEF, o construtivismo e o produtivismo ocupavam posição central, marcando um desenvolvimento das artes enquanto resultado da correlação de três forças principais:

1) a revolução artística, que sancionou a passagem da “representação” à “construção”; 2) a revolução social, que impôs uma reorganização total da vida; 3) e a revolução técnica, que introduziu novas formas materiais na vida cotidiana.]

7. A proposta construtivista, resumida em um princípio, era o de superar a ideia de representação e de reconhecimento autoral, inerentes à pintura, através da decomposição do organismo pictórico em direção ao real. O produtivismo ia além: para além da crítica e superação das noções burguesas de cultura, nele o projeto artístico encontrava-se em estreito alinhamento com as demandas do processo revolucionário, sobretudo a urgência de constituir uma nova cultura material e reestruturar o modo de vida (byt).

*

O programa produtivista:

8. Compreensão de como, na sociedade capitalista, a divisão social do trabalho encontrava-se em profunda associação com a divisão entre proprietários ou não dos meios de produção. Nas palavras de Karl Marx: "divisão do trabalho e propriedade privada são expressões idênticas; o que uma diz sobre a atividade é o que a outra diz sobre o produto da atividade".A perda da propriedade dos meios de produção, nesse sentido, estabelece as bases da perda generalizada de controle da classe trabalhadora sobre os demais aspectos da sociedade.

9. O processo de acumulação originária encontra-se nas bases das relações sociais capitalistas, possibilitando a produção e reprodução desse sistema, por exemplo no âmbito essencial que é a compra e venda da força de trabalho. Com o seu desenvolvimento ele pôde alcançar o que Preobrazhenski, teórico revolucionário russo, chamou de “acumulação cultural secular”, sendo a cultura entendida aqui em sentido amplo, incluindo os hábitos de vida, tradições e rituais cujas práticas foram incutidas e naturalizadas ao longo de séculos de reiteração.

10. Desse modo, caberia aos revolucionários russos orientar a transição em direção à superação dessas relações de produção e do consequente desaparecimento das formas sociais burguesas. Tal proposta, portanto, ia além da transformação das forças produtivas que se encontrava no centro das políticas do Partido Soviético e, de certo modo, evidenciava contradições sobre a própria forma como estava sendo conduzido o processo revolucionário já nas primeiras décadas da União Soviética.

11. A partir das artes, compreendidas enquanto uma forma de produção como outras, seria possível, então, pensar o problema da superação das formas capitalistas, com a mercadoria como sua forma elementar. No campo artístico, é clara a separação instituída entre o artista e o restante da sociedade, sendo seu trabalho considerado de forma distinta das outras práticas sociais:

[...] a arte burguesa quedou-se por princípio no artesanal e por isso está isolada da práxis social dos homens, remetendo-se ao âmbito da pura especulação [...]. O mestre isolado é o único tipo de artista na sociedade capitalista, o tipo dos especialistas da arte «pura», que trabalham alheios a qualquer utilidade imediata porque esta baseia-se na técnica das máquinas. Provém daqui a ilusão da arte como fim em si mesma e o seu completo fetichismo burguês

12. Nesse sentido, encontra-se no fim dessa noção burguesa de arte, baseada na divisão social do trabalho e na cisão entre trabalho intelectual e trabalho manual, um passo essencial à transformação da sociedade.

13. Projeto produtivista: criação de uma nova arte, de um novo artista, de um novo modo de vida, que no fundo, se traduziria em novas relações sociais de produção. A “morte da arte”, enquanto sintoma do esgotamento das formas artísticas precedentes, e proposta de “dissolução da arte no processo de produção da vida”. Ou seja, a compreensão de que a sociedade russa e as transformações pelas quais ela passava haviam estabelecido as bases materiais para a criação de outra forma de arte: a arte na produção.

14. Integração a arte à vida não como uma mudança estética ou mero embelezamento do cotidiano. Atuação na esfera da produção: um deslocamento da arte dos museus para as fábricas que buscasse alterar toda a produção, de forma coletiva e, para tanto, em escala industrial.

15. “Ponto de vista produtivo”: na integração entre as distintas tarefas e na superação da cisão operada pelo capital em relação ao trabalho e às esferas da produção e da circulação, seria possível criar novas relações de trabalho não alienantes. A arte produzida nesse contexto seria, a partir dessa perspectiva de superação das práticas e formas capitalistas, socialmente útil, dotada de uma finalidade prática oriunda das relações de produção em transformação.

16. Que finalidade seria essa? Para Boris Arvatov, um dos pensadores produtivistas, programar a obra “em função de sua tarefa de reconstrução do modo de vida e da percepção”. Mas não de uma forma idealista ou mecanicista, e, sim, vinculando a arte ao trabalho, o trabalho à produção e a produção à vida, percebendo como a relação do indivíduo com o ambiente material que o cerca, com os objetos, determinariam suas relações sociais. Isso tudo baseado na mesma técnica operante nas demais esferas da vida, e no trabalho dos materiais a partir de demandas objetivas da produção

Tratar a arte como atividade sócio-laborativa, como ramo específico do trabalho socialmente útil, com sua técnica, economia, ideologia; portanto, construir um sistema histórico-artístico que tenha uma característica teleológica, ou seja, como teoria cuja essência resida na organização da arte proletária e, juntamente com essa, do ordenamento proletário e, mais tarde, socialista]

Comentário - Indicação de livro “Revolução Russa, Estado e Direito”, Org. Gustavo Seferian Flávio Batista , Dobradura Editorial, 2017. Formas sociais e transformações de conteúdo. Artigo sobre como foi abordada a questão da habitação durante a revolução e os debates entre diferentes perspectivas. Construtivistas parecem seguir a perspectiva de que a mudança de conteúdo levará a uma mudança das formas.

Comentário - Debate mais avançado sobre esse tema parece ser o Manifesto “Por Uma Arte Revolucionária Independente”, assinado por André Breton e Diego Rivera, e escrito por Trostky e Breton, de 25 de Julho 1938. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/breton/1938/07/25.htm . Trotsky isolado no méxico e escrevem um manifesto de criação do surrealismo e oposição ao realismo soviético. Criticar a ideia de arte engajada - colocada nos termos do realismo soviético. Arte tem que estar liberta das disputas políticas diretas porque ela tem que expressar as disputas no campo artístico. Esse manifesto depois vira uma referência pro início do trotskismo no Brasil



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