top of page

RELATÓRIO - Reunião 05/10/2022 - Para uma ontologia do ser social, Georg Lukács (p. 337 a 397)

Relatório – Reunião 05/10/2022

Para uma ontologia do ser social (p. 337 a 397)


TEXTO: LUKÁCS, Georg. Prolegômenos e Para uma ontologia do ser social: obras de Georg Lukács. volume 13. Tradução Sérgio Lessa. Revisão Mariana Andrade. Maceió: Coletivo Veredas, 2018.



2. Para a ontologia do momento ideal


  1. O ser social é unitário e constituído por elementos que são as posições teleológicas dos seres humanos que em sua qualidade ontológica fundamental, no interior e exterior da esfera econômica. As posições dirigidas ao metabolismo sociedade-natureza se distinguem daquelas cuja intenção é a alteração da consciência de outros serem humanos, “tudo depende de quão amplas são as mediações das visadas alterações na consciência com o problema direto da reprodução dos seres humanos, e qual é o conteúdo dessas alterações” (p.337).


  1. A gênese ontológica da relação entre bases econômicas e superestrutura ideológica já aparece em cada fato do trabalho. Todos os momentos do desenvolvimento da humanidade devem ser considerados sempre como “patamares móveis do processo histórico desse devir-humano” (p. 338).


O texto, até o momento não superou os processos individualizantes, a perspectiva entre homens enquanto indivíduos, não transitou ao tratamento da materialidade.

A compreensão da influência do autor sobre a “esquerda” pode ser justificada pela centralidade do trabalho na obra. Para o autor, a centralidade do trabalho é compreendida enquanto fazer da subjetividade e não enquanto produção.

O desenvolvimento da objetificação e da exteriorização são centrados no momento da circulação e não na produção. É o que se extrai pelo excerto a seguir:


Tal como o próprio trabalho, enquanto motor decisivo da humanidade e do ser humano, não é um estado de fato fixo, mas antes um processo histórico, assim devem ser vistos todos os momentos do desenvolvimento da humanidade, por mais variados, aparentemente por mais independentes, na realidade amplamente mediados e que se elevam a uma relativa independência sempre como patamares móveis do processo histórico desse devir-humano. (p. 338)


Há uma perspectiva evolutiva. Verifica-se que o trabalho é considerado, pelo autor, o motor da história, e não luta de classes.

Trata a centralidade do trabalho e a reafirmação do trabalho como um processo histórico, sugerindo uma passagem de modos de produção em um sentido progressista que pode chegar no “devir-humano”, talvez resultando em uma ética.

O trabalho é tratado como categoria destacada do modo de produção, como um mecanismo de fazer-se da humanidade, de construção da subjetividade, perspectiva esta que é tratada em alguns campos do serviço social.

Sugere, o autor, uma perspectiva em que o socialismo se coloca como produto de devires éticos da humanidade?


  1. Devemos também aqui tentar avançar e mostrar em que consistem os pressupostos e consequências ontológicos da posição teleológica na sua forma inicial, no trabalho, e ascendendo dele, compreender a essência das mediações, do aperfeiçoamento etc. a partir do desenvolvimento da própria coisa.


  1. O ser humano é um ser que responde, o que pressupõe perguntas, estabelecendo relações. O trabalho e a linguagem distinguem as formas mais elevadas do desenvolvimento dos organismos naturais e o “mais primitivo” rendimento do trabalho humano.


  1. O salto significa, justamente, que o ser humano que trabalha e fala, sem cessar de ser um organismo biologicamente determinado, desenvolve atividades de novos tipos cuja qualidade essencial não pode ser apreendida por nenhuma categoria natural.


  1. Essa interconexão transforma, portanto, a relação imediata entre as necessidades do organismo e seus tipos de satisfação em uma mediada.


  1. O autor sugere a decomposição da necessidade, para a compreensão do fenômeno, em três momentos: 1º brotam da necessidade, considerações sobre as ações; 2º cada novo meio de satisfação da necessidade tem um efeito modificador sobre a própria necessidade; 3º nessa condição dinâmico-social, a possibilidade real de satisfação de necessidade adquire um caráter econômico-social mais pronunciado (p. 341)


Todas as vezes em que o autor trata de ideação, necessidade, trabalho, há uma reescrita da metáfora abelha-operário. O que diferencia o trabalho humano é a antecipação da ideia, do objetivo.

Uma outra questão a ser pontuada é o que o autor entende por leis na natureza, tomado por pressuposto que condiciona inevitavelmente o trabalho. Seriam as condições naturais (sol, chuva, clima etc?)?

As chamadas leis físicas que condicionam o trabalho e a ideação são o motor da história, e não o trabalho. Por mais que o autor afirme que é o fazer que transforma e cria a subjetividade, esse fazer tem que ser antecipado por uma ideação que, somente depois se traduzirá em ações concretas. A alteração de consciência antecipa as alterações das próprias necessidades.

O autor retoma alguns pressupostos da História e consciência de classe. A concepção do devir histórico que se desenvolve a partir da práxis humana cuja ontologia está assentada no trabalho, reproduz uma compreensão do desenvolvimento histórico que é hegeliana. O autor pensa o desenvolvimento histórico como o desenvolvimento de um homem atado às necessidades e que, ao tentar satisfazer suas necessidades vai movendo a história. Trata-se de um pressuposto burguês: a ideia do sujeito que incide na natureza, na realidade, para constituir objetos que transformam a realidade. É uma relação sujeito-objeto assentada na lógica da propriedade.

A ideia da história que se move a partir do homem que tenta satisfazer suas necessidades é a história do homus economicus, objeto da crítica do Marx. Considera as necessidades descoladas da forma mercadoria, como se a nossa necessidade gerasse a forma mercadoria (nossa necessidade de comer teria gerado a maçã como forma mercadoria). A ideia de necessidade já separa valor de troca e valor de uso, pressupondo a existência de um valor de uso “puro” na sociabilidade capitalista, um valor de uso não-portador do valor de troca. A concepção de que o homem, buscando atender as suas necessidades desenvolve a história traduz a concepção humanista.

É notório que o autor trata a categoria do sujeito como o homem com uma função teórica específica. O autor coloca o homem como origem e fim do processo histórico, de maneira idealista, teleológica. A análise para chegar ao homem não é realizada. Ele parte do homem, do sujeito.

A noção sujeito-objeto é instaurada pela propriedade, por isso toda a filosofia burguesa está pautada na discussão sujeito-objeto, de modo que o tratamento nesses termos coloca o autor nos marcos da filosofia burguesa. Sua obra se traduz como uma teoria do conhecimento clássica burguesa. Em Kant, a relação sujeito-objeto é expressa na coisa em si. Hegel postula a não separação do sujeito e do objeto, sempre numa lógica do poder do sujeito sobre o objeto e da independência do objeto. A consciência de si do homem altera a relação do homem com o objeto. Não é a relação que determina a consciência do homem. Há uma “inversão” dos pressupostos, mas se mantém nos marcos do Hegel.

Nos marcos da perspectiva evolucionista, presente no texto, o trabalho é o salto ontológico do ser biológico para o ser social. O autor trata de teleologia como projeção da forma ideal e a finalidade da ação, como fato que distingue o homem da natureza. A relação da teleologia com a causalidade se expressa de maneira progressiva: idealiza > trabalha > idealiza novas necessidades > cria novos trabalhos.

A relação entre teleologia e causalidade seria a essência do trabalho, pressuposto que valeria em qualquer momento da humanidade, desde a pré-história.

A consciência se expressa como a ideia de conhecimento prático para o trabalho.

É preocupante a afirmação do sujeito proprietário como pressuposto da análise da relação sujeito-objeto.


À medida que a satisfação de necessidade gradualmente se desenvolve para o consumo, à medida que o intercâmbio de mercadorias socializa a satisfação de necessidade, apenas uma necessidade »capaz de pagar« pode atingir uma satisfação. (p. 341)


Significa que nossas necessidades deram origem ao capitalismo? É um desenvolvimento gradual, uma evolução da satisfação. A teleologia do trabalho desde a pré-história resultou na mercadoria?

O texto é mais próximo da Fenomenologia (Hegel) do que d’O Capital (Marx). Remete à dialética do senhor e do escravo, da Fenomenologia, traduzindo a dialética do trabalho enquanto conformação da subjetividade, do reconhecimento, que se expressa na linguagem.


  1. A combinação de momentos reais e ideais, por todas as diferenças que possam mostrar em patamares evoluídos, se preserva em suas bases ontológicas (p. 342).


  1. Momento ideal: intenção condutora daquele movimento material do trabalho que, no metabolismo da sociedade com a natureza, executa, nesta, mudanças, realizações a partir das possibilidades reais (p. 343). Tudo o que ocorre na esfera econômica tem como pressuposto o momento ideal (p. 344).


A separação e relação das duas categorias, sujeito e objeto, e a tomada da distância da consciência para a realidade remonta a Kant. A afirmação do real vem seguida da afirmação de que o ideal deve existir antes da apreensão do real.

Há uma nota metodológica:


Com frequência já apontamos ao ponto de vista metodológico decisivo do marxismo, o de que todas as formas complicadas do ser social brotam objetivamente das formas mais primitivas de sua gênese ontológica; pense-se, sobre isso, que Marx, bem no início de »O Capital« mostra como o dinheiro surge da dialética interior do desenvolvimento do intercâmbio de mercadorias. (p. 338)


É problemático assumir como pressuposto uma gênese ontológica e a centralidade da categoria do ser social na dinâmica da história.

Na medida em que texto é apresentado, não é possível apontar a que momento da “evolução” (devir, teleologia) o autor se refere. Há uma divisão e subordinação do momento ideal ao momento real, o que remete a um texto de divulgação do Sergio Lessa em que se trata de prévia-ideação (o ser humano antecipa na cabeça o machado, mas a representação existe na natureza).

O autor não deixa claro se esse é um tipo de reiteração histórica ou condição imanente da atuação do ser social na reprodução social. Coloca que as necessidades biológicas vão ser incorporadas a determinações de natureza puramente econômico sociais. Isso se refere a que momento? É um momento genético do ser social?


Isso significa que, na sociedade, a interrelação de organismo e mundo ambiente é enriquecida e transformada por uma interconexão com a qual a consciência adquire a função de tornar as reações imediatamente desencadeadas pelos estímulos mais efetivas através de tais mediações. Essa interconexão transforma, portanto, a relação imediata entre as necessidades do organismo e seus tipos de satisfação em uma mediada. (p. 340)


Caracteriza a consciência como uma espécie de regulador adaptativo dos indivíduos na vida social. A interação dos indivíduos em sociedade é de alguma maneira regulada pela consciência como uma otimizadora. A consciência regula a efetividade da relação social a partir dos estímulos.


A práxis que se tornou consciente através da posição teleológica e por isso, estritamente tomada, é a única autêntica, pode então apernas surgir quando a consciência daquele que age ultrapassa todas as imediatas restrições biologicamente dadas que surgem espontaneamente de suas interações vitais com seu mundo ambiente e se consolidam conscientemente como reações instintivas a ele. (p. 345)


A questão da consciência traz muito de Hegel, da Fenomenologia, porque reproduz uma concepção metafísica de uma verdade do sujeito existe originalmente e vai se desenvolvendo como um auto-movimento, a partir das necessidades. O saber de si mesmo do sujeito é permitido pela práxis. O que move é a autoconsciência, a lógica da autoconsciência em Hegel. Conforme alcança esse princípio ontológico, se realiza em si mesmo. Na lacuna entre o que é o conceito e a ordem histórica, se instaura o conhecimento e a consciência que permite avançar as etapas do desenvolvimento.


  1. “O ontologicamente é, que, na consciência dos seres humanos emerge uma imagem correspondente da realidade objetiva, cuja análise mais próxima, cuja aplicação sempre diferenciada à realidade da práxis material, apenas a realização das posições teleológicas torna possível. Essa imagem, esse reflexo da realidade na consciência dos seres humanos obteve uma independência imediata na consciência, está ante aquela como objeto próprio e peculiar, apenas com o que pode surgir uma análise tornada tão imperativa, uma contínua comparação de seus resultados com a realidade. A posição teleológica requer, portanto, uma determinada distância da consciência para com a realidade, uma posição da relação do ser humano (da consciência) para com a realidade: como relação-sujeito-objeto (p. 344).


A diferenciação sujeito-objeto demarca a distinção pretendida pelo autor para com Hegel. O trabalho implica na gênese de um novo ente que seria ontologicamente diferente do sujeito que o criou, mas o que vemos é que não é tão diferente assim, em que pese a insistência do autor na demarcação. Essa diferença ontológica se afirma na separação entre ser social e objetivação.


Se o ser humano que executa esse ato tem ao menos um pressentimento de que executa uma abstração, nada tem a ver com o tópico; aqui vale a verdade marxiana por nós com frequência citada: »Não o sabem, mas fazem.« Fazem, contudo, não sozinhos, cada um por si, mas socialmente. A pedra mais primitiva preparada, mesmo a apanhada para o trabalho, é já um objeto no mundo, para o mundo do ser social: todos podem usá-la. Torna-se, aqui, uma propriedade inerente da própria objetividade que os objetos naturais, em sua ontologicidade original, não possuem. (p. 346)


O trecho traduz um lapso em que poderíamos superar uma leitura subjetivante, compreender que seria a reiteração das práticas diárias no fazer do trabalho como mediação necessária para a formação da consciência, e que fica expresso na linguagem. Teoricamente ela aparece na linguagem, mas ela advém desse fazer cotidiano.

O autor se mantém nos marcos da consciência, em termos hegelianos, que contêm em si as potencialidades. A práxis se desenvolve demarcando a diferença com Hegel, que permaneceria no campo do metafísico. O esforço da ideologia é conferir essa materialidade que estaria no trabalho, que diferencia o homem dos outros seres vivos, biologicamente falando. Estruturalmente a elaboração permanece idealista.

Pleno de valor seria a coisa com utilidade, ou valor de uso, e avesso de valor, seria a coisa sem utilidade, o que indica uma compreensão da forma mercadoria distinta do que Marx traz n’O Capital.


  1. Nova categoria do ser social: a avaliação subjetiva, com a afirmação ou negação do valor, são componentes ontologicamente necessários do ser do ser humano (p. 349).


  1. O autor pretende destacar o “outro lado do fenômeno”: a relação das formas de consciência que assim, surgem para com a realidade objetiva e em estreita conexão com isso, nas novas funções da consciência que através disso surgem (p. 350).


Esses objetos estão ante o sujeito, por um lado, na endurecida inalterabilidade de seu ser-em-si; por outro lado, o sujeito da práxis tem de, de fato, se submeter incondicionalmente a esse ser-em-si, tanto quanto possível tentar conhecer afastado de preconceitos subjetivos, de projeções da subjetividade, sobre o objeto etc.; descobre, todavia, precisamente nesse percurso, aqueles momentos até então desconhecidos no objeto que possibilitam sua transformação em meio de trabalho, objeto de trabalho etc., que engendram o metabolismo entre ser humano (sociedade) e natureza bem como, nisso, -— nele se apoiando — a produção do novo em geral. A irrefutabilidade de uma tal prioridade do ser-em-si surge precisamente disso, de que um trabalho (práxis) exitoso apenas é possível quando a consciência representa tão discernivelmente, intelectualmente, os objetos do mundo exterior, os apreende, os elabora, tal como corresponde ao ser ser-em-si. (p. 350)


No Tomo I, debatendo com Hartmann o autor trata da intentio recta e intentio obliqua, no sentido de demonstrar que o ser humano pode se aproximar mais do conhecimento do trabalho ou da ideologia, sempre numa perspectiva individualizante. O planejamento trabalho e a apropriação do conhecimento prévio para o trabalho é o intentio recta. A intentio obliqua traduz a ideologia, o momento em que a complexificação dos métodos de trabalho faz com que exista a necessidade de compreensão do mundo, projetando uma ideia do real (que seria a ideologia, ex. religião). O autor traz uma síntese do que é o processo de conhecimento do sujeito que, acessando o objeto, desvenda a sua essência por meio da verdade, se constituindo enquanto sujeito.


  1. Jamais se fala de uma mera contemplação, de um aceitar passivo-consciente dos objetos. Ao indivíduo corresponde um papel ativo, de iniciativa: sem posição teleológica, nenhuma percepção, representação, conhecimento corretos, praticamente relevantes do mundo objetivo. Apenas a posição teleológica dirigida ao uso, à alteração do mundo objetivo, produz aquela escolha a partir da infinitude extensiva bem como intensiva dos objetos e processos naturais que possibilita o comportamento da práxis para com eles. (p. 351) – isso caminha para idealismo? Teleologia na relação homem-natureza / ser-objeto.


  1. Caráter geral do momento fundamental do ser social: a objetivação do objeto e a exteriorização do sujeito que constituem, como processo unitário, a base para a práxis e teoria humanas. Esse complexo de problemas, em uma parte da filosofia contemporânea, tomou um lugar central na medida em que foi tratado como a base para a alienação. A alienação pode apenas brotar da exteriorização; onde a estrutura do ser não coloca esta última no centro, nem sequer podem adentrar determinadas espécies da primeira (p. 354).


  1. No trecho, ele deixa de lado a alienação, que será tratada mais adiante, para focar na “crítica marxiana da exteriorização”, onde Marx, criticando Hegel, indica: “Um ser que não tenha nenhum objeto fora de si não é nenhum ser objetivo. Um ser que não seja ele próprio objeto para um terceiro ser não tem nenhuma essência para o seu objeto, i.e., não se comporta objetivamente, o seu ser não é nenhum ser objetivo. Um ser não objetivo é um não-ser.” (p. 355)


A objetivação do objeto seria o resultado do trabalho. A exteriorização do sujeito seria a constituição da subjetividade, um “segundo parto do sujeito”. No trabalho cotidiano de produção dos objetos, de objetivação dos objetos, se dá a própria objetivação dos sujeitos. Se o sujeito é feito no processo do trabalho, e o problema é que o trabalho foi alienado e a satisfação das nossas necessidades não está em nós, mas em outra coisa, a “emancipação” se torna um processo de “sujeito herói”, muito mais individual do que coletivo. Esse processo unitário de que o sujeito se constitui no trabalho e libertando o trabalho da alienação libertaremos o sujeito, evidencia que não há um problema no sujeito. Esse sujeito não é uma categoria específica do capitalismo. O problema é o trabalho alienado, e não o sujeito em si, o que justifica a luta por direitos para libertar o trabalho da alienação, o que se choca com a compreensão de que o sujeito é em si próprio uma forma social e não existe a possibilidade de trabalho alienado sem sujeito de direitos.

O objeto é a exteriorização da vontade livre do sujeito, que se torna propriedade, mercadoria. Objeto/propriedade como exteriorização do próprio sujeito. A essência do sujeito é materializada e exteriorizada como propriedade, atributo do sujeito. Ao se apropriar do objeto que é sua exteriorização, o sujeito se apropria de si mesmo, dessa essência que é atributo da propriedade e da liberdade.

Se o sujeito é proprietário de si mesmo e do que produz, e o que ele possui de si mesmo passa ao objeto pelo trabalho, o objeto que se aliena precisa ser reavido, reapropriado, recriando a unidade dialética hegeliana sujeito-objeto que se fundem na relação de produção-apropriação. Pensando a partir de Hegel, a liberdade é o movimento do espírito de se por como efetividade, o movimento do sujeito de se efetivar se exteriorizando no objeto. Quando se objetiva, realiza sua liberdade. A vontade livre se faz propriedade no objeto.

O autor resgata alienação e exteriorização, categorias do Manuscrito de 1844, cuja vigência n’O Capital e nas obras maduras do Marx, sobretudo a alienação, é difícil de ser reconhecida. Pelo contexto que o autor escreve, e o resgate de uma certa filosofia do homem, do jovem Marx, podemos identificar uma tentativa de resposta histórica à experiência soviética, uma tentativa de resgatar algum ponto do marxismo que possa se legitimar no contexto da experiência soviética, com traços humanistas.

Nessa linha, o socialismo é quase a afirmação do sujeito proprietário. Não é rompimento da propriedade privada, mas a sua reapropriação individual por aquele que produz (isso acaba sendo a essência da "superação da alienação").


  1. O ser humano, já objetivo como mero ser natural, progride em sua interação ativa, consciente, genérica com a objetividade natural no trabalho até a objetivação dessa vida genérica (p. 356).


  1. Inseparabilidade ontológica dos polos que se correspondem no ser social: Todo ato de objetivação do objeto na práxis é, ao mesmo tempo, um ato de exteriorização do sujeito (p. 359).


  1. Objetivação – exteriorização: desantropomorfização do trabalho – trabalho abstrado? “Apenas a desantropomorfização do trabalho, que começa de uma forma não ainda consistente com a divisão do trabalho na manufatura, deixa desaparecer o momento da exteriorização em tais objetivações” (p. 360).



Pois são, antes de tudo, as ciências da natureza que, todavia, brotando do metabolismo com a natureza, executam mais consistentemente a desantropomorfização e, precisamente nisso, ressalta de modo impressionante a função prevalecente da objetivação da exteriorização. (p. 360)


O excerto afirma a neutralidade e tecnicidade como pressupostos do conhecimento.

A desantropomorfização do trabalho afirma o caráter útil do trabalho. Pensando nas categorias trabalho concreto e trabalho abstrato, o trabalho concreto/útil ainda resguarda a “humanidade”, e o trabalho abstrato tem a “humanidade” subtraída, por expressar valor, traduzindo-se no caráter reificado, objetificado. O autor reforça a ideia de que o sujeito que produziu essa objetividade tem direito de se reapropriar dela, como o proprietário se apropria da mercadoria.


  1. A relação-sujeito-objeto em si homogênea, que está na base de sua unidade, efetua na objetivação uma alteração no mundo objetivo na direção de seu tornar-se-social, enquanto a exteriorização fomenta o veículo do desenvolvimento do sujeito na mesma direção. O tornar-se-social dos objetos é um processo amplamente mais homogêneo que aquele do sujeito. A pedra da pré-história, por mais primitivamente afiada, abandona tão decisivamente a mera objetividade natural quanto a máquina mais complicada. Nesse sentido ontológico-fundamental, o salto para fora do ser natural em ser social é único e definitivo (p.361).


  1. Segundo salto: generalidade em si para generalidade para si: quando a reprodução da sociedade promove o ser-humano dos seres humanos, quando o indivíduo, em sua vida individual, realiza-se conscientemente como membro do gênero. (p. 362)


  1. Possibilidade: para além da esfera e que ocorre a reprodução material do gênero humano.


  1. Todas as condições objetivas do “reino da liberdade”, a saber, do início da verdadeira história da humanidade, podem ser existentes, mas permanecem apenas possibilidades se os seres humanos não são capazes de expressar, em suas exteriorizações, uma generidade autêntica, positiva, conteudística e, não meramente, uma particular (partikulare)-formal (p. 366).


  1. Na medida em que os atos objetivadores do trabalho pressupõem decisões alternativas, é pautada a questão da liberdade (p. 369).


  1. Ética da intenção e ética da consequência: oposição obsta os esforços para se conceber a ética como componente orgânico no desenvolvimento da humanidade para um gênero humano em si existente e, com isso, se alcançar um entendimento social da individualidade e, ao mesmo tempo, a um humano da socialidade (p. 371).


  1. As simultâneas conexidade e opositividade da generalidade em si e para si, apenas podem ser adequadamente expostos na ética.


  1. Função da objetivação e da exteriorização no quadro ontológico como um todo do ser social (p.372).


  1. Devido ao caráter objetivado exteriorizado das posições teleológicas humanas, as decisões concretas não são ligadas à situação no sentido como o das atividades de organismos que funcionam com consciência, mas desde o início a elas é inerente uma tendência à generalização que necessariamente espontaneamente pressiona na direção de fazer consciente as ações singulares como momento de um “mundo”; a consciência do ser humano que assim age, particularmente nos casos normalmente recorrentes, é impossível que possa se deter na simples constatação de um desconhecimento, ao contrário, tem de tentar a qualquer preço, intelectualmente inseri-lo em seu “mundo” (p. 378).


  1. Tendência desantropomorfizante do pensamento humano: já ocorre quando o ser humano descobre nos objetos de sua práxis (suas objetivações) a independência de suas qualidades, de suas propriedades, conexões, relações etc – os seres humanos podem executar atos de consciência sem saber o que fazem (p. 379).


  1. Interessam as forças que determinam a “concepção de mundo” dos seres humanos singulares em sua vida cotidiana, em que nunca se pode esquecer que aquela corrente social é a síntese (claro, não a soma mecânica) das posições singulares dos seres humanos. Quais forças aqui operaram e como o fazem é, por isso, mesmo se em modo complicado, também um problema social geral (p. 392).


O trecho sugere a introdução do tema da ideologia. Apresenta um indivíduo que se esvai numa concepção genérica de humanidade, e o processo de integração à humanidade como realização do sujeito. A afirmação do “reino da liberdade” como possibilidade do sujeito se realizar, se exteriorizar de forma autentica, significa materializar a essência do sujeito, que são os atributos da propriedade, inclusive o egoísmo, na medida em que postula o alcance de um generalidade autêntica positiva, e não particular, afirmando que o tema em discussão é a superação das particularidade que condicionam o sujeito para o alcance da generalidade.




| DHCTEM |






Comments


Faculdade de Direito da USP

Grupo de estudos DHCTEM

bottom of page