RELATÓRIO - Reunião 07/10/2021 - Para uma ontologia do ser social, Georg Lukács (p. 532-539)
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Relatório – Reunião 07/10/2021
Para uma ontologia do ser social (p. 532-539)
TEXTO: LUKÁCS, Georg. Prolegômenos e Para uma ontologia do ser social: obras de Georg Lukács. volume 13. Tradução Sérgio Lessa. Revisão Mariana Andrade. Maceió: Coletivo Veredas, 2018.
Predomina a abordagem gnosiológica do problema filosófico tradicional que identifica na realidade essência, fenômeno e aparência; segundo Lukács, entre as diferentes concepções agnósticas e céticas, prevalece a herança teológica, segundo a qual “... a compreensibilidade da essência seria peculiaridade de um pensamento divino, enquanto aos seres humanos corresponde apenas o mundo da aparência, do fenômeno.” (pp. 532-3).
O desenvolvimento da sociedade burguesa e das ciências torna essa oposição entre essência, aparência e fenômeno “secularizada”. Lukács cita Berlamino e sua prédica à ciência para que deixasse a essência das coisas ao terreno da religião. De todo modo, a abordagem gnosiológica se refina e se sofistica. Em Kant, segundo Lukács, “a essência seria apenas uma abstração criada pelo sujeito, conquistada através do abstrair das experiências sensíveis e que, contudo, justamente por isso, não teria muito a ver com a realidade existente em si [...]” (p. 533); enquanto categorias ontológicas, essência e fenômeno restam separados irremediavelmente.
Aqui entra o “ato filosoficamente revolucionário de Hegel” consistente na “eliminação ontológica do abismo absolutamente separador entre fenômeno e essência” (p. 533). A essência deixa de ser algo transcendente ou o produto de uma abstração intelectual.
No entanto, segundo Lukács, Hegel trata dessas relações ontológicas num “complexo logicista”, o que não impede que possamos discernir “por trás das exposições aparentemente puramente lógicas, as veladas conexões ontológicas” (p. 533). Assim: “essência e aparência, apesar de seu abrupto contraste, pertencem inseparavelmente uma à outra, que uma não existe, de maneira alguma, sem a outra” (p. 534).
A abordagem gnosiológica permanece tolhida “na imediata dadidade da opositividade que é, contudo, igualmente uma propriedade ontológica dos próprios complexos” (p. 534).
Já a abordagem ontológica de Lukács afirma:
[...]. Essência, fenômeno e aparência são, portanto, nesse sentido, determinações de reflexão, já que todos eles expressam essa relação; todo fenômeno é essência que aparece, toda essência aparece em algum modo, nenhuma pode ser existente sem essa relação dinâmica, plena de contradição; cada uma é na medida em que ininterruptamente preserva e abandona sua própria existência, na medida em que entra nessa relação contraditória. [...]. (p. 534)
Lukács prossegue com o percurso de Hegel que nos leva, feito o seu correto emprego, ao “coração da dialética” (p. 535):
[...]. Para ser preciso, Hegel examina aquelas relações nas quais o tipo mais primitivo de essência de todos os objetos (processos etc. inclusos) como relações consigo próprios e, ao mesmo tempo, com todos os outros, conduz, em uma série categorial do respectivo traspassar da identidade em opositividade, até a contraditoriedade. Novamente, tem aqui lugar uma ruptura com o antigo modo costumeiro de consideração, na medida em que Hegel demonstra na própria identidade a diferencialidade; na simples diferença, o ser-em-si da contradição; descobre, por um lado, na categoria, aparentemente tautológico-lógica, da identidade, o caráter de reflexão; por outro lado, e em estreita conexão com isto, a realidade inexorável do ser-referido ao outro. [...]. (p. 535).
Novamente Lukács reprova Hegel por tratar dessas questões num plano apenas lógico: para Lukács essas categorias fazer parte da realidade; “uma interpretação mais livre, que em alguns passagens vá para além do texto, torna-se indispensável”, o que, no entanto, não a retira “da moldura das intenções últimas de Hegel” (p. 535). Para explicar essa imputação, Lukács cita a seguinte passagem de Hegel:
«Para o estudo de uma ciência é necessário não se deixar desviar pelos princípios. Estes são gerais e não significam muito. Ao que parece, só quem possui o seu significado, possui o particular. Com frequência, eles são mesmo ruins. Eles são a consciência sobre a coisa e a coisa é, com frequência, melhor do que a consciência.» (apud Lukács p. 535).
Lukács vê aqui, ainda que em germe, a prioridade da matéria que caracteriza o materialismo histórico.
Retoma-se, então, as categorias hegelianas. Lukács fala do conceito de identidade de Hegel, que polemiza contra a tautologia A = A, na qual haveria uma essência isolada, ao passo que, para Hegel, na identidade está inextirpavelmente a diferença, a oposição em relação ao outro e mesmo a contradição interna, o que permite que algo se torne outro:
[...]. A saber: a identidade é uma propriedade objetiva (identidade de algo consigo próprio) e esse objeto está em ininterrupta interação processual com seu mundo ambiente; toda a sua existência enquanto tal é, ao mesmo tempo, o respectivo resultado de um processo interior causado pela operação de seus componentes um sobre o outro, portanto, surgem de modo necessário ininterruptas mudanças que sempre renovam a questão que emerge: o objeto encontrado na alteração é sempre ainda o «mesmo»? (p. 536).
Lukács prossegue com as cadeias de mediações definidas logicamente por Hegel e que vão ganhando complexidade; esses movimentos lógicos são apropriados e servem à construção da ontologia, que está fundada nos mesmos princípios:
[...] elevando-se das formas de objetividade mais simples da natureza inorgânica, até as formações, até o mundo orgânico (pense-se, por exemplo, no fenômeno da mutação), até o ser social, uma série de complicações cada vez maiores e, por isso, qualitativamente outras, nas quais — de novo, segundo as leis da dialética ontologicamente compreendidas — contêm as mais elevadas formas incessantemente novas, mas que, ontologicamente, apenas podem surgir da base do mais simples; sem ser-em-si não pode dar-se o ser-para-si. [...]. (p. 538).
No terceiro grupo de categorias, no par imediaticidade e mediação, Lukács vê uma dificuldade em Hegel, que as encontra “na consciência”, isto é, em relação ao sujeito cognoscente (p. 539).
Lukács critica essa asserção de Hegel e restringe a aplicação dessa “dependência em relação ao sujeito cognoscente” à categoria da imediaticidade: a mediação, segundo Lukács, “é uma conexão categorial elevadamente objetiva, muito geral, de todas as forças, processos etc. que determinam objetivamente o surgimento, o funcionar, o ser-precisamente-assim de um complexo.” (p. 539).
E arremata, imputando essa ressalva ao pensamento do próprio Hegel:
[...]. Portanto, nem na natureza nem na sociedade pode ser encontrado um objeto que, nesse sentido — e é também isso que Hegel pensa —, não seja mediado, um resultado de mediações. Nesse sentido, a mediação é uma categoria objetiva, ontológica, que tem de estar presente em toda realidade independentemente do sujeito. (p.539).
Como se vê, a existência da realidade independentemente do sujeito cognoscente é um postulado materialista; resta a dúvida se, de fato, cabe na filosofia de Hegel.
Comentários, questões, intervenções.
COMENTÁRIO: pergunta sobre a “dadidade”, ao que Flávio pontua que é o caráter de algo dado.
COMENTÁRIO: no entanto, é possível questionar, segundo Hegel, o que é um dado, pois o que é dado a um sujeito não é a outro ou quando vejo uma casa à minha frente, posso deixar de vê-la se me virar de costas.
COMENTÁRIO: a questão que está posta é a relação entre razão e realidade. Em Hegel a solução é idealista. Marx rompe com Hegel ao entender a realidade, a dadidade como o que sustenta o processo.
COMENTÁRIO: esse parágrafo simboliza muito bem aquilo que Marx diz a respeito de Hegel na Introdução de 1857; aparência e essência não são externas uma em relação a outra; aqui incide a crítica de Marx, segundo a qual o processo de apropriação do real não se confunde com o de produção.
COMENTÁRIO: debatem o enquadramento que Hegel dá à Revolução Francesa, para sondar a concepção histórica de Hegel e a herança que pode deixar a Marx.
COMENTÁRIO: Hegel não é materialista; não é possível salvá-lo nisso.
COMENTÁRIO: coisa em si; qual é a dadidade dela? Da cadeira a cadeiridade... mas quando se trata de um processo histórico, como a Revolução Francesa, é algo muito mais complexo.
COMENTÁRIO: Hegel acaba transformando toda dialética num processo de abstração mental: ciência da experiência da consciência.
COMENTÁRIO: não há uma história em Hegel pela ausência da luta de classes; torna-se vítima da astúcia da razão e da ideologia jurídica burguesa: “eu vi Napoleão em seu cavalo...”. A crítica filosófica de Marx questiona o objeto da própria filosofia hegeliana, assim como sua crítica da Economia Política critica não só os resultados para o objeto.
O período de Iena é anterior à “Fenomenologia”.
COMENTÁRIO: "uma coisa não é apenas uma coisa, mas uma coisa em unidade com seu conceito".
Discussão sobre as identidades e o identitarismo a partir do conceito de identidade em Hegel, que não é uma categoria da razão, mas um atributo da realidade, na qual a identidade é indissociável da diferença e da contradição.
COMENTÁRIO: ressalta que o estudo da identidade e do identitarismo é preciso passar pela leitura crítica de Hegel; cita Gilberto Freyre e a discussão do par particular-universal, em que há idealizações.
COMENTÁRIO: cita uma carta de Marx a sua filha Laura em que critica dura e radicalmente Goninau, um expoente do racismo científico do século XIX.
COMENTÁRIO: Kant: fixidez da coisa em si e a lógica representacional da razão. Hegel: coisa em si dinâmica e procedimento de razão que comporta a contradição. Por isso a importância da recuperação de Heráclito.
COMENTÁRIO: o esterco das contradições não é o procedimento lógico. Para Hegel, o ser determina o aspecto dialético da razão: a dialética está na realidade. Lukács: tudo o que em Hegel se aproxima da gnosiologia é o esterco, que deve ser separado para se extrair a ontologia presente na lógica.
COMENTÁRIO: a última passagem, em que Lukács atribui a Hegel a independência do real em relação ao espírito é duvidosa; trata-se de um postulado materialista presente em Marx, mas ao que tudo indica, não em Hegel.
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