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RELATÓRIO - Reunião 09/11/2022 - Para uma ontologia do ser social, Georg Lukács (p. 441-501)

Relatório – Reunião 09/11/2022

Para uma ontologia do ser social (p. 441-501)


TEXTO: LUKÁCS, Georg. Prolegômenos e Para uma ontologia do ser social: obras de Georg Lukács. volume 13. Tradução Sérgio Lessa. Revisão Mariana Andrade. Maceió: Coletivo Veredas, 2018.



  • O “pensar fetichizado da ciência oficial” transforma “a historicidade ontologicamente relevante do típico modo de comportamento humano-social em uma »eternidade«, em um »perenizar« do conteúdo no qual a continuidade dinâmica do processo real se ossifica em uma, por último invariável, »substância«”. No “polo oposto” está o “historicismo” ou estruturalismo que ossifica fetichizadamente as etapas singulares em uma unidade estática sem gênese e sem dirimições de mudanças.

  • Marx, ao escrever O Capital questionou se teria sentido falar em “produção em geral” e conclui que seria uma abstração, mas uma “abstração razoável”, na medida em que: existem algumas determinações que pertencem a todas as épocas, sem as quais nenhuma produção seria concebível; outras são comuns a apenas algumas épocas. “A diferença desse universal e comum é precisamente o que constitui o seu desenvolvimento. As determinações que valem para a produção em geral têm de ser justamente isoladas, de maneira que, em vista da unidade - decorrente já do fato de que o sujeito, a humanidade e o objeto, a natureza, são os mesmos -, não seja esquecida a diferença (diversidade) essencial”.

  • A constatação de Marx se refere à produção enquanto tal, não à esfera da ideologia.

  • Ontologicamente não há produção em geral. Essa “abstração razoável” só vale pelo critério de toda generalização que é sempre a continuidade do próprio processo real, pela “permanente modelabilidade oriunda do ser”. “É por isso evidente que o trabalho, em sua forma originária, pode servir mais nitidamente como modelo para suas formas mais complicadas do que é possível nas formas ideológicas da práxis social”.

  • Diferentemente é com a política. A “moldura geral obrigatória para a práxis política” é a estrutura econômica de uma sociedade, “como algo qualitativamente peculiar que nunca se permite derivar do conceito abstrato de »política«”. Apenas do “concreto ser-precisamente-assim, uma vez mais, concreto, em um determinação permeada por acasos” é que podem “se desdobrar os conflitos concretos politicamente dirimidos”.

  • “a mudança socioeconômica estrutural” só pode ser compreendida “concretamente ontológico-socialmente, como momentos determinados daquele grande processo cujo conteúdo constitui o afastamento da barreira natural, a crescente socialização da sociedade etc.”

  • A própria produção abole suas condições, pois, quanto mais se desenvolve, mais busca “sua reprodução sem dificuldades, que apenas pode ser destruída pelo desenvolvimento econômico ascendente”.

  • Apenas com o capitalismo “pela primeira vez na história — as posições de finalidade de todas as posições teleológicas que perfazem a práxis política, seu conteúdo político, têm de ser dirigidas, a provocar um futuro. Todavia, no início apenas segundo as — ainda irreconhecíveis — tendências objetivas”.

  • Diante disso, é preciso olhar o fator subjetivo (circunscrito pelo desenvolvimento socioeconômico) no dirimir de conflitos sociais: “Qual via seguirá o desenvolvimento na sequência de uma crise é — sem, contudo, poder superar a necessidade essencial do desenvolvimento econômico — dependente muito amplamente da resposta que surge no fator subjetivo”.

  • Marx em “A ideologia alemã” descreve a existência ideológica normal da sociedade “As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, a sua força espiritual dominante”. > Trata-se de que o ser social que assim surge dá a base de vida natural para a média dos seres humanos e seus pensamentos, por essência, não são outra coisa que tentativas de tornar consciente a própria existência pessoal”. Isso se expressa na “média de todos que se sentem atados ontologicamente a essa forma de ser (...); objetivação e exteriorização são já formas elementares da vida social, sem as quais nem trabalho nem linguagem seriam possíveis; a tendência a uma certa generalização é, portanto, igualmente, um modo de expressão elementar em todos os seres humanos que vivem em sociedade”.

Comentário – Dúvida: a perspectiva do desenvolvimento econômico ascendente é aceno para a teoria das crises? Ciclo favorável de acumulação, mas que pelas leis tendenciais leva à crise?

Comentário – Não. Acredito que seja mais simples. Afastamento das barreiras naturais e crescente “socialização” da sociedade com o desenvolvimento do capitalismo e de suas forças produtivas. Perspectiva economicista.

Comentário – Ao longo do texto o autor separa muito a economia da política. O desenvolvimento econômico se autonomiza em relação à política. Deslocamento da política não corresponde à capacidade da política de determinar o desenvolvimento das forças produtivas. Tônica do século XX decisões políticas determinam a economia. A economia não é automática/natural.

Comentário – Parece de fato que nesse trecho ele discute as forças produtivas como desenvolvimento das relações de produção e não seu direcionamento político. Aquelas teriam se tornado destrutivas em termos de desenvolvimento; deixam de ser benéficas para o ser humano, diferentemente do que ocorreu no período feudal.

  • “A ideologia é justamente, ainda que uma forma de consciência, de maneira alguma enquanto tal idêntica à consciência sobre a realidade; ideologia é, como meio de dirimir conflitos sociais, algo eminentemente dirigido à práxis: o ser dirigido a uma realidade a ser alterada”.

  • Mostra Marx com plena razão que: »A existência de ideias revolucionárias numa determinada época pressupõe desde já a existência de uma classe revolucionária.«

  • “Se se fala de classes revolucionárias, o que importa antes de tudo é sublinhar a separação marxiana entre classe em si, i.e., classe ante a classe dominante e classe para si própria. Já dessa primeira formulação, que se limita simplesmente ao desenvolvimento de tipos de classe, segue-se a formulação altamente importante: »Porém, a luta de classe contra classe é uma luta política.«

  • “Como Marx, Lenin não permite limitar a luta de classe às opositividades imediatas entre burguesia e proletariado. Disso surge, aos seus olhos, apenas uma consciência espontânea trade-unionista no proletariado. E, de todo no sentido de Marx, reconhece a verdadeira luta de classe, a autêntica consciência de classe proletária, apenas onde se expressa conscientemente a prioridade do político. (...) É por isso que ele demanda, ao lado da organização do trabalhador, uma organização dos revolucionários. (...) O fator subjetivo da história apenas pode se desenvolver à sua plena potência para o dirimir dos conflitos se, por um lado, a mera insatisfação imediata com as condições sociais dadas, a oposição a elas, eleva-se também teoricamente à negação de sua totalidade e se, por outro lado, a fundamentação que assim emerge não permanece uma mera crítica da totalidade do existente, mas também é capaz de converter em práxis as compreensões assim conquistadas, portanto de intensificar em poderosa práxis da ideologia o compreender teórico”.

  • “Para a classe dominante, basta a reprodução normal, mesmo a não tão normal, para manter o status quo, enquanto para os oprimidos é necessário um enérgico e unitário ato de vontade, portanto, uma autêntica atividade. Através disso é determinada a função decisiva do fator subjetivo no modo de transformação das formações da sociedade”.

  • Não é de toda situação revolucionária que surge uma revolução; só quando às transformações objetivas se soma uma transformação subjetiva [de fato e na prática], qual seja, “a capacidade da classe revolucionária para ações revolucionárias de massa, suficientemente fortes, para esmagar (ou abalar) o poder do antigo governo”.

  • “Que, por conseguinte, os seres humanos façam sua própria história, alcança sua figura mais desenvolvida, mais adequada, precisamente nas revoluções. As questões centrais postas concisamente garantem ao »ser que responde« um empuxo na conformação do mundo e, mediada por isso, na conformação de si próprio (...). Através de uma tal atividade dos seres humanos, surge, nas grandes crises, um mundo fenomênico socialmente existente que, em seu desenvolvimento subsequente, pode se tornar o progresso objetivo sempre mais adequado da essência”.

  • “Um grande revolvimento econômico, antes de tudo a transição de uma formação à outra, por si mesmo já cuida para que as formas de atividade humana (e, com isso, sua qualidade socialmente fundada) se ajustem às novas relações de produção”.

  • Questão ontológica central do desenvolvimento social: “se e o quão amplamente as consequências sociais revolvimentos econômicos de fato liberam aquelas forças, capacidades etc. dos seres humanos que, através delas, tornaram-se possíveis. Isso, sob nenhuma circunstância, pode direta, mecanicamente garantir o desenvolvimento da própria essência em virtude de sua necessidade interior. Ela conduz à crise; esta desencadeia ações dos seres humanos, e essas ações produzem transformações correspondentes nos seres humanos”.

Comentário – desenvolvimento adequado à “essência”, sem determinação histórica e especificidade capitalista. Ideologia parece ser igual a dirimir conflitos

Comentário – Dúvida: “opositividades”. Porque usa oposição de classe em vez de contradição de classe?

Comentário – P. 446. No final diz “Apenas o capitalismo é uma formação econômica cujo processo de reprodução não possui uma tal relação a um passado”; direcionado ao futuro.

Comentário – Pelo que se depreende da leitura, esse “futuro” só vai ter base material com o capitalismo. Uma nova sociedade surge da própria sociedade capitalismo. É o capitalismo e o desenvolvimento econômico (leia-se desenvolvimento das forças produtivas do capital) que permite essa socialização da sociedade futura.

  • “Trata-se meramente de que uma »condição« econômica »fundamental« para o socialismo começa a se desenvolver já no capitalismo sem— o que Marx, todavia, jamais alegou — com isso produzir automaticamente o socialismo”.

  • Momentos metodologicamente decisivos: Primeiro: A »luta do ser humano com a natureza« »para conservar e reproduzir sua vida« não pode por princípio alterar suas bases ontológicas; baseia-se na inexorável relação entre ser humano (sociedade) e natureza.” (...) “Com isso é enunciado um princípio importante da ontologia marxiana: a transição do ser natural em social não pode ter nenhuma ação de retorno sobre a qualidade categorial, ontológica, da própria natureza; Aqui, considera que “todo evento econômico constitui-se de cadeias causais postas em andamento por posições teleológicas, enquanto na natureza jamais se encontram posições teleológicas”. Para Marx, “as leis da essência do desenvolvimento econômico, (...) brotam, ontologicamente, de fato, igualmente a partir de posições teleológicas; todavia, as cadeias causais por elas desencadeadas alcançam validade independentemente do conteúdo, intenção etc. das posições que as causam. Nesse sentido, pertence o mundo da economia ao reino da necessidade. (...) O reino da necessidade social, ao contrário, é o motor de todo desenvolvimento humano. Marx aponta em inumeráveis passagens que, do devir-humano através do trabalho até as mais elevadas formas de divisão de trabalho e modos de trabalho, estas têm promovido ininterruptamente o tornar-se-humano dos ser humano. Segundo: O processo econômico objetivamente “implica um desenvolvimento ascendente do ser social, mas que não é em nenhum sentido propriamente de caráter teleológico; ele se move na direção de um sempre mais puro desdobramento da socialidade do ser social; coloca com isso os seres humanos por ele formados e remodelados ante questões cuja resposta correta pode torná-los, ao mesmo tempo, tanto em real ser genérico quanto em individualidades autênticas. (...) mas isso “não é mais determinado pelo próprio processo econômico, mas é uma consequência das decisões alternativas dos seres humanos que são colocados diante de tal processo. O fator subjetivo na história é, portanto, por último, mas apenas por último, produto do desenvolvimento econômico; à medida em que as alternativas ante as quais é colocado são produzidas por esse processo, ainda assim ele atua, em sentido essencial, relativamente livre dele, porquanto seu sim ou não está ligado a ele apenas pelas possibilidades. Nisto está fundado o grande papel histórico ativo do fator subjetivo (e com ele, da ideologia)”.

  • “(...) a propulsão pela elevação da produtividade brota com necessidade espontânea da própria atividade econômica. Que com isso também se desenvolvam as capacidades dos seres humanos é, visto da essência, um subproduto. Naturalmente, houve e há casos em que isso é intencionado e promovido”, como exemplo: sistema educacional dirigido para preparação para a produção, psicólogos para elevar prazer de trabalhar, etc. como “meio para a realização de posições de finalidade puramente econômicas” –o desenvolvimento das forças produtivas é necessidade do capital, não “necessidades”.

  • “As »condições mais dignas e adequadas à sua natureza humana« da produção requerem, ao contrário, uma organização da economia não mais puramente segundo posições de finalidade econômicas. Marx e comunismo: »depois que o próprio trabalho tiver deixado de ser mero meio de vida e tiver se tornado a primeira necessidade vital«”.

  • A exigência marxiana “apenas libera capacidades” que “são marcas essenciais do gênero humano, apenas através de sua vontade como um todo podem dar ao desenvolvimento uma nova direção. Aqui, portanto, a humanidade está diante de uma decisão que pode executar-se apenas com base em uma ideologia que realmente apreenda o ser social.

  • “(...) quando a alternativa de transição do reino da necessidade ao da liberdade é colocada na ordem do dia, sua resolução ideológica tem de ter um caráter mais elevado (...). Apenas o desenvolvimento das forças produtivas pode colocar os seres humanos ante tais alternativas ideológicas. (...) a necessidade do desenvolvimento econômico é o que cria um espaço de manobra de possibilidade para as decisões ideológicas dos seres humanos. Ou, para sublinhar o específico dessa situação em oposição à anterior — ademais, ontologicamente similarmente disposta — o desenvolvimento pode (e vai) alcançar um ponto em que existem todas as condições objetivas para o autêntico tornar-se-humano dos seres humanos, em que a humanidade em si se torna um gênero humano real. A tendência de que se trata é que certamente a continuação sem limites das forças produtivas perde seu sentido econômico” – primado das forças produtivas

  • Esse ir para além, contudo, é determinado, por último, pelo processo de produção material; se uma determinada tomada de posição espiritual se independentiza, é sempre existente uma necessidade social como seu motor”.

Comentário – “Transição feudalismo ao capitalismo”. “Afastamento da barreira natural, crescente socialização”, etc. O autor fala pouco de como o capitalismo é global. Parece que a revolução russa aconteceu só na Rússia, e que os processos que vieram depois não têm relação com a Rússia. Principalmente as consequências disso na economia. Novamente o descolamento da economia (ligada aos processos da luta de classes) e da política. Exemplo: New Deal teve inspiração na NEP: estado concentrado atuando na economia.

Comentário – O autor tem uma posição clássica do desenvolvimento das forças produtivas ascendentes. A complexidade que isso cria, a divisão social do trabalho e suas contradições. Mas depois fala do surgimento da classe revolucionária e distingue classe trabalhadora sindicalmente organizada e classe revolucionária. Parece combinação de um economicismo associado ao surgimento da subjetividade como elementos para a revolução.

Comentário – esse economicismo tem como par necessário o humanismo da subjetividade burguesa.

Comentário – Luckács faz afirmações problemáticas como pressuposto, como se retomasse uma ideia já defendida. “Capitalismo que projeta um futuro” – fiquei perdida com isso. Se pensarmos que a mudança das formações sociais depende das revoluções, todos de alguma forma tem passado a ser enfrentado e presente a ser construído. Seria pensando em um capitalismo em consolidação? Acho que não, porque ele não está num processo de círculo virtuoso de crescimento.

Comentário – Interpretei como se falasse dos países da esfera soviética, que tiveram ganhos de produtividade que pareciam automáticos. Mandel – o regime soviético tinha oposição, o que coloca em cheque essa posição de Lukács. Parte do pressuposto de que entende que há uma esfera superior do desenvolvimento econômico

Comentário – Jabbour atribui a alta produtividade à consciência política (vontade de trabalhar pelo projeto).

Comentário – acho essas concepções bastante problemáticas. Consideram as forças produtivas como neutras, a-históricas e não constituídas pelas relações capitalistas de produção com vistas a permitir a expansão da acumulação do capital. Tomada das forças produtivas para seu desenvolvimento quantitativo implica em ciência como algo neutro. Ascenção do trabalho material é indício de ascensão do socialismo como elementos de socialização. E aí a ciência e as forças produtivas como elemento de libertação humana.

Comentário –Althusser – economicistas são os humanistas atrelados ao jovem Marx e que sustentam o primado do desenvolvimento das forças produtivas. Lukács chama o desenvolvimento do capital de desenvolvimento das necessidades humanas / essência humana. Aquilo que parece tangenciar a materialidade fica esvaziado – tenta construir a objetividade revolucionária com subjetividade. Sem especificidade capitalista. Essa objetividade são as formas sociais. Aspecto subjetivo descamba para um voluntarismo, sem determinação nem mediação.

  • “Essa conexão não precisa ser, de modo algum, uma conexão consciente”.

  • Esses atos adquirem uma tal efetividade apenas como consequência de sua efetiva generalização; generalizações desse tipo são, todavia, por seu lado, os pressupostos para que se tornem componentes das ideologias, que se tornem adequados a auxiliar para dirimir os conflitos que se elevam da vida social. (...) O processo social enquanto tal consiste de cadeias causais que são postas em andamento, de fato, por posições teleológicas, as quais, todavia, uma vez tornadas realidade, podem ser operantes exclusivamente como causalidades. À medida que a divisão social de trabalho cria relações sempre mais complicadas, surgem exteriorizações (objetivações) que são adequadas ou inadequadas para as finalidades concretas e a causalidade do processo incorpora-se as primeiras, elimina as últimas, ambas, todavia, apenas em um modo tendencial.”

  • “Aqui nos interessa, antes de tudo, o destino daquelas exteriorizações que conduzem ao surgir, ao tornar-se efetivo das ideologias, que possuem uma dupla face: por um lado, seu conteúdo é determinado pelas necessidades (reais ou imaginárias) do ser humano singular; por outro lado, a intenção de sua expressão é dirigida, teórica bem como praticamente, a colocar o ato pessoal que assim surge como realização de algo que socialmente coloca o dever-ser” > duplicidade de individualidade e generidade

  • “a força de penetração social geral de generalizações que mais ou menos imediatamente, ou próxima e claramente mediadas, estão vinculadas com a práxis cotidiana dos seres humanos”. Exemplo: na transição feudalismo para capitalismo na Europa, camponeses foram contra o Direito escrito e a prática jurídica judicial, mas não é uma “resistência contra a generalização em geral, mas da defesa das generalizações antigas (obtidas a partir da tradição, costume, hábito etc.)”.

  • “Toda elaboração puramente consciente da realidade, a prescindir de quanto e como de fato se torna ideologia, parte do processo de reprodução da vida dos seres humanos tornada social. É o desenvolvimento das forças produtivas, da divisão social de trabalho que destaca tais esferas (digamos, matemática ou geometria) da produção, precisamente no interesse da produção, designando a elas uma posição independente na divisão social de trabalho. O tornar-se independente, a diferenciação das ciências, ocorre, portanto, no curso espontâneo e em consequência da crescente divisão social de trabalho”.

  • Por sua vez, a filosofia: “mesmo hoje, em uma época em que a divisão de trabalho conduz à tendência de erigir barreiras fetichizantes, artificiais, entre os diferentes ramos do saber, é com frequência difícil constatar entre determinadas generalizações se são de caráter científico ou filosófico”. “Enquanto o método de generalização nas ciências torna-se sempre mais intensamente desantropomorfizante, seu ápice na filosofia significa simultaneamente um antropocentrismo”.

  • Não há nenhum filósofo que mereça esse nome, não apenas em estrito sentido acadêmico, mas que realmente o mereça, cujo pensamento não seja dirigido a intervir decisivamente nos conflitos decisivos de seu período, a elaborar os princípios de sua resolução e, através do próprio dirimir, dar uma direção mais resoluta”. Exemplo: “o importante papel do significado ideológico que tiveram as pesquisas científicas de Galileu no crítico período de transição entre feudalismo e capitalismo”. Seu pensamento está enraizado nas grandes questões do seu tempo”. Todas as utopias que estão em nível filosófico, “elas têm, antes, uma intenção que se refere àquela tipo e nível de generidade que poderia emergir do dirimir da respectiva crise”.

  • “Já vimos que a solução social-real de cada uma de tais crises pode apenas criar um espaço de manobra de possibilidades, o que a humanidade é capaz de fazer de si mesma a partir desse novo solo”. E a filosofia “autêntica” é aquela que expressa concreta e dinamicamente (ao mostrar o futuro) as possibilidades de um patamar de desenvolvimento concreto do gênero humano”.

  • “aqui deve ser enfatizado o ideológico de tais concepções. Também as filosofias operam, não porque são sempre corretas em todas ou nas questões essenciais, sempre progressistas etc., mas porque promovem, ao seu modo, o dirimir de tais conflitos”

  • “como já vimos, o dirimir de conflitos grandes ou pequenos, latentes ou explosivos, requer generalizações no sentido de que aquelas ações que conduzem às suas soluções de fato devem aparecer como consequência necessária de conexões sociais gerais, de tendências típicas gerais que movem a vida humana”.

  • “pertence à essência do ser social, da tendência de desenvolvimento da socialização da sociedade” e que a individualidade possa “dirigir-se a um patamar sempre mais elevado de generalização”. Assim, cria-se “na continuidade do processo de desenvolvimento formas sempre mais elevadas de ideologia”.

  • Marx sempre defendeu que » o poder material tem de ser derrubado pelo poder material«, o que, naturalmente, pressupõe os conflitos reais que ascendem a partir do desenvolvimento econômico”.

  • “Trata-se, antes de tudo, do complexo de problema da coisificação. (...) toda coisa apenas pode adquirir sua coisidade através de um tornar-se-processo, pode apenas ser um resultado do pensamento de um conhecimento científico já desenvolvido. Deve-se possuir conhecimentos especializados que vão para além da mera capacidade de manipulação, para poder conceber a »coisa« objetivada como resultado de um processo genérico > genérico = “sem determinação”/abstrato/genérico!

  • “Essas mistificações originárias dos próprios atos da humanidade (...) não são apreendidas como resultado da práxis humana > mitologização da gênese.

  • “Nos debates sobre tal complexo de questões, quase nunca aparece a autêntica concepção de Marx, uma história unitária do tornar-se-humano dos seres humanos, de seu elevar-se a partir de uma condição animal através do trabalho e da linguagem, através da objetivação dos processos, através do criar modos de exteriorização do sujeito até a perspectiva do reino da liberdade. (...) ao metabolismo material com a natureza corresponde o papel de uma base dinâmica e de um motor movente, através do qual o sistema de objetivação criado pelos seres humanos produz historicamente um nível do ser social que oferece a possibilidade real para uma atividade dos seres humanos que pode se tornar finalidade-em-si-mesma para eles, a união de seu autodesdobramento individual e genérico. (...) o processo nada tem a ver com teleologia. Se se trata de uma participação direta ou mediada no processo de crescimento da sociedade, no tornar-se uma socialidade sempre mais pura, na integração de fato das bases do gênero, ou de intenções na maior parte conscientes, com frequência falsamente conscientes, muitíssimo raramente claramente conscientes, que tentam objetivar antecipatoriamente os pressupostos humanos ao reino da liberdade, (...) podem trazer as ferramentas para essa transformação da possibilidade em realidade. Apenas esse entrelaçabilidade em unidade, dos (sempre postos em andamento teleologicamente) componentes materiais e imediatos ou mediados que conscientemente conduzem para a práxis, resulta naquele processo histórico ante cuja historicidade os momentos singulares devem perder seu imediato ser-posto-sobre-si. Contudo, esse quadro como um todo do desenvolvimento ideológico, que o jovem Marx já havia esboçado, emerge extremamente raramente, nem mesmo no horizonte, nas controvérsias sobre a própria ideologia” > “motor da história” não é a luta de classes, mas a busca por realizar as necessidades humanas.

  • Teoria de Marx sobre a ideologia: “O momento predominante de sua gênese é o do dirimir dos conflitos sociais. Essência da filosofia está em compreender essas conexões e sua função de responder a crises. O quanto ela é duradoura “repousa se e o quão amplamente é capaz de propor respostas às questões que ocupam o mais apaixonadamente os seres humanos do momento, se com isso auxiliam — alinhando os conflitos presentes ao destino do gênero humano — a trazer os seres humanos para mais próximo de um esclarecimento espiritual” > Hegel

  • Ideologia - conteúdo humano dos conflitos e de seu dirimir. . Ascende da esfera da ontologia do cotidiano, retornam como enriquecimento, e levam à condição da práxis.

  • “Centro dinâmico de fato” – o vir-a-ser do sujeito/ autêntico tornar-se-humano (elevar o humano do ser humano, de forma mais rica e detalhada, tornando sua sua individualidade ao mesmo tempo mais individual e mais genérica)? X a luta de classes!!!!

  • “Pois nessa teoria da ideologia de Marx se expressa seu princípio de que a raiz para o ser humano é o próprio ser humano, que o desenvolvimento social pode, de fato, desencadear, a partir de suas próprios objetivações” que levam a “uma elevação, aprofundamento, ampliação de sua personalidade humana e portam, com isso, o pô-lo capaz, nas crises do desenvolvimento da humanidade, de ir para além de sua própria particularidade (Partikularität), de optar pelo ser-para-si do gênero humano”.

  • Cita o jovem Marx nos »Manuscritos econômico-filosóficos.

  • Desenvolvimento das forças produtivas (posição teleológica) + lado subjetivo (desenvolvimento ideológico, com sua culminação nas ideologias puras” – ambos aspectos indispensáveis. Esse é o ponto de vista ontológico que funda possibilidade real da transformação do em-si do gênero humano em seu para-si. (...) Marx mostrou que o desenvolvimento das forças produtivas é ao mesmo tempo um desenvolvimento ascendente do ser humano, mesmo se com muita frequência em formas desumanas. As lutas, todavia, nas quais se executa essa formação plena de contradição do ser humano de mero ser natural a uma socialidade consciente, de um mero singular a uma individualidade, enquanto meio de seu dirimir, são, ao mesmo tempo, veículo que ajuda a desdobrar no ser humano a autêntica generidade.”.

Comentário – vai ficando bem clara a perspectiva do primado do desenvolvimento das forças produtivas e de sua neutralidade e trans-historiedade / teleologia. A luta de classes não aparece! Poderia aqui abordar a ideologia como práticas sociais.

Comentário - Quando separa o caráter científico de filosófico é a escola de Frankfurt e a razão instrumental. Desantropormofizante – técnico/neutro. Filosofia – preocupação com o gênero humano. Está à serviço do desenvolvimento da “humanidade”. “Gênero” é negação de classe. Ideia de linearidade, contínua e sem limites, e de etapas. Para a filosofia apresentar resposta correta para a crise precisa desenvolver a ciência como técnica. Forças produtivas para criar as condições objetivas de revolução.

Comentário – não é a luta de classes que move a história, mas a ciência e as forças produtivas. E à filosofia cabe desfazer os “nós” e impasses a partir do “humano”

  • Como o marxismo insere a si próprio no complexo de problemas das ideologias > a separação de ciência e ideologia (dois complexos) depende de sua função no ser social e nada tem a ver com a questão da cientificidade ou não-cientificidade; conecta-se com a tomada de posição para com o respectivo estado das forças produtivas, para com a respectiva situação da sociedade. Não existe um dilema rígido de ideologia e ciência no sentido das palavras de Max Weber”.

  • Assim, a análise da ideologia assenta-se no “fato de se o objetivado — desejado ou não desejado — funciona objetivamente como ideologia”.

  • “é claro que o marxismo se compreendeu, deste o início, como instrumento, como órgão para dirimir os conflitos de seu tempo, antes de tudo os centrais, entre a burguesia e o proletariado. O marxismo, portanto, nunca escondeu sua gênese ideológica e sua função: é justamente a ideologia do proletariado. Por outro lado levanta sempre a exigência de cientificidade; sua polêmica contra as falsas concepções (por exemplo, Proudhon, Lassalle etc.) é sempre puramente cientificamente mantida na essência da coisa; é a prova racional e programática de incoerências na teoria, de imprecisões na exposição de fatos históricos etc.”

  • Pela primeira vez, uma tal íntima combinabilidade de ciência e filosofia é, contudo, igualmente um resultado do desenvolvimento da humanidade até aqui. (...) . a generalização filosófica no processo econômico real é um sinal histórico de que a decisão nos conflitos que levam ao término da »pré-história da humanidade«, foi gradualmente, em escala histórico-mundial, posta na ordem do dia. Com isso surge a possibilidade de consumar o dirimir ideológico desses conflitos com base na autêntica cientificidade. Todavia, meramente a possibilidade” – “posição peculiar do marxismo como meio científico para o dirimir dos conflitos sociais”.

  • “a teoria é meramente o método para encontrar a solução cientificamente ótima para as situações concretas únicas, completamente novas, produzidas pelas desigualdades concretas do respectivo desenvolvimento”, já “Que da posição de classe do proletariado é impossível que decorra automaticamente a capacidade de executar correções”.

  • “Já que o caráter de ideologia surge da função no processo social, trata-se com isso, antes de tudo, da questão da prioridade metodológica - aqui sempre factualmente pensada - interior à relação do conhecimento histórico-social da situação e entre o conteúdo, direção etc., na tentativa de dirimir o conflito dado. Não é a prioridade psicológica nos que agem ou, nos líderes, o momento decisivo, mas aquele complexo que factualmente tem a precedência objetiva na formulação de »O que fazer?« no dirimir do conflito”. Exemplo: Lenin X Stalin.

  • O método de Marx ocupa esse lugar específico no desenvolvimento do pensamento humano sobre o mundo, porque ele contém em si a possibilidade, enquanto ideologia, de participar no dirimir dos conflitos em um modo a ser capaz de oferecer intelectualmente para sua solução tanto o fundamento científico objetivo quanto a perspectiva de saída humana, genérica, de transformação do gênero humano em si existente em um para si existente.

Comentário – ideia de “generalizações” parece referir-se a processo genérico, cada vez mais “humano”. É a “socialização” da sociedade.

Comentário – p. 454 – generalidade como categoria do ser e força motriz da vida humana. Nesse trecho sobre a ideologia ele orbita referir a uma espécie de teoria da revolução – no sentido de algo para além das forças produtivas, que permite a ele fazer a conexão das categorias (ser, ontologia, etc.) enquanto evento histórico. A capacidade de generalização (inata) acontece para dirimir os conflitos – algo atemporal, a-histórico, com um nível de abstração problemático de se conceber. Todo processo revolucionário tem como força motriz um atributo dos indivíduos de construir generalidade como mecanismo ideológico para dirimir conflitos. Isso resiste a um tratamento aprofundado das revoluções burguesas e socialistas que conhecemos? Do ponto de vista de um critério historiográfico? Acredito que não. E o autor sempre volta a uma concepção de ciência da história. Sujeito, categoria do ser, que encontra desenvolvimento, aplicação... parece a-histórico e indeterminado. Necessariamente campo das ideias que se apresenta mais amplo que os indivíduos. E no campo do marxismo isso é muito complicado. Usa passagens do jovem Marx, textos políticos, mas se jogarmos essas ideias para o conjunto do Capital, não há diálogo possível.

Comentário – parte bem problemática. Redução tão grande do projeto teórico metodológico do marxismo. O faz no campo da ciência burguesa. O marxismo seria “melhor” porque supera as “imperfeições” da ciência burguesa, como se o marxismo fosse só isso. Como se não fosse um novo campo e um novo continente, uma nova forma de conceber a ciência.

Comentário – é como se a essência humana, esse tornar-se humano fosse a própria realização das determinações burguesas do sujeito.

Comentário - Dirimir significa “dissolver”, extinguir os conflitos, e não elevar o conflito a uma revolução. Acaba ficando no campo dos direitos humanos. A filosofia como órgão pra dirimir os conflitos do seu tempo, trazer os seres humanos para um esclarecimento espiritual. Parece que está falando da “paz mundial”, do reino da liberdade burguesa. Por isso é tão comum juristas que sejam “marxistas” – sentido muito comum do direito que casa com os “direitos humanos” como caminho muito mais fácil do que a crítica radical do direito como forma do capital, como forma única de reproduzi-lo.

Comentário – curioso a Júlia destacar isso. Lukács não usa a categoria hegeliana de “resolver”, “suprassumir”. Muito comezinho utilizar “dirimir” diante da complexidade metodológica marxiana.

Comentário – agora faz sentido o comentário do Rodrigo de porque Lukács usa “opositividades” de classe. Porque opositividades podem ser “dirimidas”.



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