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RELATÓRIO - Reunião 16/09/2021 - Para uma ontologia do ser social, Georg Lukács (p. 519-524)

Relatório – Reunião 16/09/2021

Para uma ontologia do ser social (p. 519-524)


TEXTO: LUKÁCS, Georg. Prolegômenos e Para uma ontologia do ser social: obras de Georg Lukács. volume 13. Tradução Sérgio Lessa. Revisão Mariana Andrade. Maceió: Coletivo Veredas, 2018.



Na visão de Lukács, essa passagem para uma ontologia do devir é importante para a história da filosofia e faz com que a imagem de mundo passe por um “revolvimento ontológico”, visto que valeria para a ideia de absoluto a mesma lei da processualidade dialética (que valeria para o mundo da finitude como um todo). Desapareceria a diferença/oposição da terrenidade com o além/absoluto, dado que todos esses objetos e processos adquiririam a mesma estrutura ontológica que o absoluto, nessa nova ontologia dialética


Essa passagem da filosofia para a ontologia do devir (que assume a processualidade como parte importante) seria um avanço, pois “eleva a visão unitária da realidade como um todo a um qualitativamente mais elevado nível ante as tentativas passadas.” – p, 519). Assim, a categoria da totalidade ganha um significado que não tinha antes (“o verdadeiro é o todo”). Antes de Hegel já se falava em totalidade, mas se abandonava a categoria no processo dialético do pensamento. Com Hegel isso é retomado e a totalidade se torna “a estrutura básica do edifício da realidade como um todo”. “O todo (...) é uma totalidade construída de totalidades parciais, determinadas, de suas relativas inter-relações dinâmicas.” (p. 519)


Hegel compara o método científico/a filosofia com um círculo de círculos, pois “(...) cada elo singular (...) é a reflexão-em-si que, na medida em que retorna ao início, é ao mesmo tempo o início de um novo elo” p. 520.


COMENTÁRIO. Parece que ele está “voltando” atrás do que estávamos discutindo semana passada. Parece que Hegel não coloca o absoluto fora do processo, mas ao colocar o processo como o absoluto nesse entrelaçamento, ele traz o problema da absolutização que não seria comportada pela dialética.


COMENTÁRIO. Lukács estaria discordando da totalidade hegeliana?


COMENTÁRIO. Ele elogia esse fato da processualidade como sendo o absoluto ontológico, mas mais abaixo. A ciência como círculo enlaçado em si mesmo.


COMENTÁRIO. Método é um processo contínuo. A dialética apresente caráter dual, sendo estranho em Hegel ele resolver essa questão exatamente em algo que não é dual: o absoluto não é relativo. É no mínimo curioso que o fim de um processual dual seja algo unitário como é o absoluto.


COMENTÁRIO. O desafio é: como pensar a possibilidade da existência de um absoluto em um processo que envolve necessariamente uma contradição? Essa questão da “identidade da identidade e da não identidade” mostra que ele absolutizou a ideia de identidade. Falar que o absoluto comporta ou não o absoluto na unidade da contradição determinada não é uma solução definitiva para a questão, que permanece.


COMENTÁRIO. Ausência de determinação no absoluto tem um sentido na trajetória. No começo da ideia de consciência na fenomenologia, só havia o nada, que também não tem determinação. Se sai do nada vazio para o nada “cheio”/pleno, quando chega no absoluto. É um nada diferente do nada inicial. Como se a consciência plena e a ausência total de consciência fossem dois momentos diferentes e complementares. Não se resolve na história, nos fatos, mas parece que a ideia de Hegel é essa.


COMENTÁRIO. O método dialético e o absoluto se tensionam quando pensamos concretamente. Hegel tem essa tentativa de “conhecer tudo” filosoficamente. Não pretende fazer uma filosofia, mas sim uma equalização da ciência a partir da perspectiva total. A consciência precisaria se assenhorar do ser, perante o mundo. O absoluto é um estado de onisciência em que não haveria mais nada fora da consciência (iluminista – julgar que não exista fora de seus domínios). Como Marx recebe essa teoria pode trazer tensões, já que é uma resolução ideal e não histórica e concreta. Lukács percebe essa tensão que não se resolve.


COMENTÁRIO. Dilema do ser e do nada. No começo prevalece o nada porque o ser não está pleno, quando o ser se absolutiza a ontologia está completa, o ser pleno (consciência do conhecimento). A dúvida é: o Lukács no primeiro momento fez um apanhado do “esterco das contradições” em Hegel, e agora ele está concordando com Hegel?


COMENTÁRIO. É como se até ali o problema fosse basear a metodologia na lógica, com Lukács apontando os problemas. Ainda tem elementos causais que remeteriam à lógica, mas pensadas de um modo diferente. Acho que Lukács agora muda a pergunta, para se questionar sobre o que se pode tirar do Hegel.


COMENTÁRIO. Sobre a falsa e a autêntica ontologia de Hegel, a questão colocada por Lukács sofre uma alteração e nos ajuda pensar que a falsa ontologia de Hegel é sobre a história como um processo lógico (fim da história). Lukács mostra a falsidade dessa ontologia. Do ponto de vista idealista o espírito absoluto é a própria revolução burguesa que Hegel está assistindo: o absoluto tem uma relação concreta com a revolução burguesa. A autêntica ontologia de Hegel é que é o ser humano que constrói a própria história.


COMENTÁRIO. Na ontologia do Hegel a revolução é um dado, ela já aconteceu. Lukács parte de outro pressuposto que é não aceitar uma ontologia que não seja sobre uma revolução ainda a ser feita. Isso muda completamente a relação entre eles.


COMENTÁRIO. Nesse item ele volta a fazer como nos capítulos anteriores, de incluir as críticas ao autor no meio do texto também, mesmo que apontando os avanços que ele entende que Hegel fez.


Mas, de acordo com Lukács, não basta mostrar esse pensamento sobre a totalidade, pois “essas totalidades parciais e a totalidade como um todo que delas brota podem ainda possuir um caráter estático” (sem o elemento da processualidade). Hegel se defende e avança na sua concepção sobre a totalidade ao defender que “o todo é somente a essência que se implementa através de seu desenvolvimento” (p. 520). Ainda, sobre o absoluto, é essencialmente resultado; que só no fim é o que é na verdade. Sua natureza consiste em ser algo efetivo, em ser sujeito ou vir-a-ser-de-si mesmo. O absoluto é o universal, sendo caracterizado por Hegel como geral, o que não descreve uma perfeição ontológica de onde aparecem o concreto e o particular. É mero geral, não concreto.


Assim, se a realidade só pode ser resultado de um processo, esse resultado só pode ser conceituado por meio da sua gênese (p. 521). A investigação que considere o “resultado” do processo como estático passa ao largo das determinações mais decisivas, dado o caráter complexo e processual da realidade. Hegel às vezes substitui a gênese real por uma dedução lógica, o que é um problema, mas que a própria ontologia hegeliana ajuda a resolver, já que entende essa gênese como a base dinâmica da objetividade – cada resultado é um novo elo de um novo resultado (processualidade universal). “(...) a gênese real, constitui a chave para o conhecimento de todos os »resultados«.” (p. 521).


COMENTÁRIO. Estava pensando no Althusser do materialismo aleatória e aí apareceu Espinosa nesse trecho, que sempre aparece nesses momentos que fazem olhar para o processo dialético de uma maneira diferente. Lukács cita Espinosa mas não explica o porquê dessa conexão.


COMENTÁRIO. O que me chamou a atenção nesse parágrafo também é que a própria ontologia permite criticar todo o problema do idealismo hegeliano. Como que a própria ontologia hegeliana permite esse critério de crítica?


COMENTÁRIO. Elemento ativo da consciência diante da passividade do mundo. Como o exemplo do embrião (ser humano em si, mas enquanto não tiver desenvolvimento o suficiente, não será um ser humano para si). É a agência da consciência que fecunda a estaticidade do mundo, como isso escaparia de um idealismo fundante? Lukács fala como se Hegel tivesse falado mais do que de fato fala.


COMENTÁRIO. Esclarecer que quando disse que Hegel presenciou a revolução francesa é porque sua vida foi atravessada pela revolução, ele vivenciou a experiência concreta disso. A visão filosófica de Hegel é constituída por meio dessa processualidade histórica e por meio do horizonte de classe burguês. No mais, não há contradição em Lukács ao dizer sobre a autêntica ontologia de Hegel: ele foi o primeiro pensador a falar em história e não em criação divina. Isso é revolucionário naquele momento.


COMENTÁRIO. Entendo que as coisas se transformam dialeticamente justamente pelas relações que vão se ligando. O Hegel, em seu método, coloca essas relações como subordinadas à consciência. Não entendo como isso pode ser subvertido do próprio Hegel.


COMENTÁRIO. Acredito que Hegel não está ignorando o plano das relações sociais.


COMENTÁRIO. Existe uma discrepância entre a leitura que Hegel faz da revolução e sua teoria.


COMENTÁRIO. Problema no conceito de trabalho em Hegel. Precisamos ter cautela para enxergar o limite da “materialidade” em Hegel. A adesão do Lukács à totalidade (idealista) de Hegel, ou não, é importante no processo. Parece que Lukács em sua juventude adere mais a essa totalidade. O quanto ele faz isso na maturidade precisamos perceber para saber o quanto ele se descola da totalidade idealista. Está no esterco das contradições ou não está no esterco das contradições?


COMENTÁRIO. Chegamos em um momento que precisamos tomar cuidado com o vocabulário de Lukács. Ele está falando de coisas diferentes em comparação com o restante do livro. A passagem do mundo da natureza para o mundo das relações sociais é um dos limites que Lukács aponta como um problema em Hegel.


COMENTÁRIO. Nas circunstâncias em que elaborou sua teoria, Hegel fez algo que avançou a filosofia, sendo fundamental sua abertura para a perspectiva histórica. Mas concordo que há um traço distintivo gigante entre Marx e Hegel, sendo o corte materialista dado por Marx.


COMENTÁRIO. Metodologia subjetivista. não consegue conceber sua teoria a partir da chave metodológica da classe. Papel da consciência em geral, do ser humano em geral, que traça o caminho até o espírito absoluto. Marx mostra o absurdo disso.


COMENTÁRIO. Questão da economia política: várias questões de natureza econômica estruturante não aparecem em Hegel. Mesmo se fosse para concordar com a economia política, não apareceu, não falou sobre. Filosofia que não coloca essas questões econômicas na teoria, ao contrário de Marx que incorpora as categorias econômicas em sua filosofia. Nos devolve o problema da totalidade: até que ponto as categorias hegelianas foram aproveitadas pelo jovem Lukács?


O prefácio da fenomenologia também fala sobre essa questão central para a ontologia de Hegel: queria articular uma lei ontológica geral? Lukács vê uma contribuição para uma ontologia do ser social. Influência da época em que escreveu: “(...) as amarras do mundo, se dissolveu e colapsou como uma imagem onírica.” (p. 522), historicamente novo. Mas e a natureza? “Se e o quão amplamente o caráter abstrato do novo é extensível em geral à natureza, parece hoje ainda difícil de decidir.” (p. 522), apenas quando o conhecimento científico sobre a natureza inorgânica for mais conhecido poderemos saber mais.


Hegel chega à conclusão que a consciência não é meramente a consciência sobre algo que permanece indiferente deste ao ser conhecido, ao contrário, sua existência ou ausência constitui um componente do ser, e a consciência, em sentido ontológico, não é mais meramente um produto acidental (não importando quão significativo ou minúsculo possa ser seu papel concreto no caso dado). Essa constatação de Hegel é um importante avanço para a ontologia do ser social no que toca à concretização da processualidade (Lukács adianta que quando for falar de trabalho vai ser importante). Hegel é o primeiro filósofo que falou sobre estrutura (novamente processual).


Hegel compreende a realidade como uma totalidade de complexos totais em si, portanto relativos; que a dialética objetiva consiste na gênese real e no seu autodesdobramento, por meio da interação e síntese de tais complexos. Por isso o absoluto enquanto corporificação do movimento total não pode se elevar à paralisação de uma indiferença transcendente ante o movimento concreto, já que é síntese concreta de movimentos reais, é o próprio movimento/processo (p. 523).


Mas esse âmago está em oposição com a estrutura hierárquico-lógica do seu pensamento: de acordo com Lukács, Hegel até percebeu o problema, mas de modo consciente não tratou sobre isso. Afirma que a essência surgiu do ser, o conceito surgiu da essência e, portanto, que surgiu do ser e, assim, a lógica representa as verdadeiras relações ontológicas.


Em resposta, o tratamento dialético-materialista dessa questão por Marx mostra que o ponto de partida de complexos relativamente totais não exclui o retorno do pensamento aos elementos excluídos, ao contrário, precisamente o requer (p. 524). O ponto de partida deve ser a realidade e as reproduções intelectuais dessa realidade devem ter caráter ontológico e não lógico. O problema de Hegel advêm também do seu fundamento idealista objetivo a partir da concepção do sujeito-objeto idêntico – confusão metodológica, não se separa dos gnosiológicos-lógicos, de acordo com Lukács.


COMENTÁRIO. Tem uma questão importante sobre o lugar do conceito em Hegel e em Marx. Questão complexa. Relação essência e ser em Hegel para indicar essa determinação conceitual revisitada por Marx.


COMENTÁRIO. Esse último parágrafo deixa mais claro que Lukács está tentando salvar Hegel em projeções dele, em coisas que o próprio Hegel não falou.


COMENTÁRIO. O próprio Marx tentou salvar aspectos fundamentais de Hegel, é importante considerar isso. Há alguma coisa em Hegel a ser considerada do ponto de visto filosófico, teórico-metodológico? Importante nesse ponto considerar também a questão do corte metodológico em Althusser. Sobre a questão que estava sendo falada antes, há uma bibliografia que faz uma relação entre Hegel e os clássicos da economia política. Não estou tentando atribuir a Hegel o que ele não falou, mas não podemos deixar de apontar que a economia política tem essa influência filosófica. Na crítica da filosofia do direito há um debate econômico que Marx, inclusive, critica.


COMENTÁRIO. Esclarece que “salvar Hegel” é no sentido de reivindicá-lo como marco teórico. Claro que ele é um ponto de partida importante, mas dentro da possibilidade de sua crítica.


COMENTÁRIO. Temos que tomar cuidado com o debate do “aproveitamento” de Hegel por Marx. Na inauguração do método de Marx ele só “salva” de Hegel a dialética, sobra muito pouco. Marx não é o primeiro crítico à economia política e não é continuidade de Hegel. Critica à visão de um grande sistema científica com sucessão de pensadores: Marx é descontinuidade com relação ao pensamento burguês, e não seu refinamento. Discordância de Marx e Hegel no sentido do “conceito” também é essencial, a crítica imanente é o sempre retorno ao conceito.


COMENTÁRIO. Concorda com a observação anterior, mas também é relevante pensar nesse processo típico do século XX de como na trajetória das obras de Marx existe um vai e vem dele a Hegel (como o elogio a Hegel em prefácio do capital, por exemplo). No entanto, isso entra em choque com o método tal como Marx coloca, “o espectro de Hegel rondando Marx”.


COMENTÁRIO. Sobre a questão do método de Marx, a dialética não é algo desprezível, é muito importante para o método marxista (perspectiva fundamental que veio de Hegel). Marx parte de Hegel, não há continuidade, mas a perspectiva revolucionária é uma ruptura, uma superação e rompimento com Hegel. Nesse processo histórico é necessário reconhecer que aspectos do passado são incorporados.



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