RELATÓRIO - Reunião 17/06/2021 - Para uma ontologia do ser social, Georg Lukács (p. 487 a 492)
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Relatório – Reunião 17/06/2021
Para uma ontologia do ser social (p. 487 a 492)
TEXTO: LUKÁCS, Georg. Prolegômenos e Para uma ontologia do ser social: obras de Georg Lukács. volume 13. Tradução Sérgio Lessa. Revisão Mariana Andrade. Maceió: Coletivo Veredas, 2018.
Continuação do Capítulo III: “A falsa e a autêntica ontologia de Hegel” (p. 487 a 492)
Apresentação
Nesse trecho, Lukács retoma as problemáticas da segunda ontologia de Hegel. Ele diz que, enquanto o Iluminismo teve de passar de um materialismo mecanicista para um idealismo, a filosofia clássica alemã, para estabelecer a imagem unitária de natureza e sociedade, teve de reelaborar o conhecimento da natureza na linguagem filosófica do idealismo. Fichte e Schelling já haviam feito uma primeira tentativa dessa sistematização filosófica, mas o que tem de novo na tentativa de Hegel é seu empenho em fundar logicamente uma nova ontologia.
Pra isso, Hegel retoma a concepção de Spinoza, da unidade entre objetivo e subjetivo. Lukács diz que é justamente nessa teoria de sujeito e objeto idênticos, que a ontologia de Hegel tem seu ponto de partida. Ele afirma também que essa teoria é um mito filosófico, que violenta fatos ontológicos fundamentais, da mesma forma que a teoria da mimese do iluminismo, devido ao se caráter mecanicista, era incapaz de esclarecer o reflexo no sujeito do objeto idependente-do-sujeito da realidade. Lukács, apesar de condenar esse entendimento, reconhece que ele inaugura momentos progressistas dessa teoria.
Lukács considera que a filosofia clássica alemã e, sobretudo Hegel, ao tentar ultrapassar o mecanicismo do materialismo e ao mesmo tempo o subjetivismo transcendente do idealismo de Kant, por meio da identidade sujeito-objeto, acabou se colocando em uma posição insustentável. Isso tanto com o que diz respeito a formulação de uma ontologia realista, quanto na própria dificuldade de situar essa discussão naquele momento, levando em conta que ela pertencia a um período ultrapassado, em que a própria diferenciação e até a contrariedade entre materialismo e idealismo ainda não tinha se desdobrado, o que ocorreu só mais tarde, a partir do iluminismo.
Para Lukács, o recurso de Hegel a Spinoza é ainda mais problemático do que foi a tese originária. O more geométrico de Spinoza cria uma penumbra ontológica entre realidade e reflexo, sobretudo porque para o conhecimento da natureza daquela época era possível enxergar as objetividades e as relações das objetividades muito mais “geometricamente” do que seria possível mais tarde. Hegel encara, de modo decisivo e profundo, como um problema a questão da clara separação entre correto e incorreto, verdadeiro ou falso, bem e mal. Sendo que, após a Revolução Francesa, essa questão recebeu um intenso caráter histórico-dinâmico.
A partir daqui, Lukács adentra aspectos da filosofia da natureza hegeliana. Ele diz que para Hegel, não existe na natureza nenhum principio subjetivo ativo. Assim, a natureza pode ser observada em seu modo de existência sem sujeitos, completamente indiferente da subjetividade (mesmo que para Lukács isso ocorra de modo ontologicamente fantasmagórico). Nesse sentido, emerge uma visão de totalidade da natureza, da possibilidade de uma essência do conhecimento da natureza, em oposição à filosofia da natureza romântica.
Lukács afirma que a natureza está na posição mais baixa na hierarquia ontologicamente criada a partir do sujeito-objeto idêntico. Para Hegel, os múltiplos gêneros e espécies naturais não devem ser considerados nada superiores aos arbitrários achados do espírito. Surge, assim, um ponto importante, que é a incapacidade de Hegel para perceber e reconhecer a historicidade na natureza.
Emerge daí, o que Lukács considera uma das mais importantes contrariedades da ontologia hegeliana, a sua filosofia da natureza, justamente por conta do lugar hierárquico que a natureza recebe.
Discussão
Ponto 01: A Teoria do sujeito-objeto idêntico de Spinoza
Do parágrafo “Se agora colocamos...” (p. 487) até o parágrafo “Com o sujeito-objeto idêntico...” (p. 489).
Como Lukács parece partir de uma discussão sobre Spinoza, o prof. Orione propôs que todos os componentes do grupo contribuíssem com tudo o que sabem sobre o pensamento do filósofo.
Spinoza discutia a questão da substância. Ele tinha uma posição muito única, ao dizer que existe uma única substância, que é Deus. Com isso, ele afasta uma ideia corrente de que cada alma individual é uma substância também. Substância, nesse sentido, é alguma coisa capaz de agência, que justamente escapa do materialismo mecanicista, sendo dotada de liberdade e, por isso, pode escolher entre o certo e o errado. Spinoza entende que conceber a existência de uma substância além de Deus, contradiz a ideia de que ele seja onipotente e, assim, a ideia de que há livre arbítrio e moralidade é ilusória. Por esses pensamentos, dentre outros, Spinoza foi perseguido e excomungado da igreja católica.
Spinoza é conhecido como um filósofo da imanência. Ele não reivindica a transcendência, a separação entre o ser humano e Deus, pelo contrário. Não é como se Deus fosse todo poderoso e nós não. Somos poderosos porque viemos de Deus. Como Deus é imanente, a gente faz parte de Deus. Não existe uma separação ontológica entre as pessoas e Deus. Spinoza está interessada em saber se existe a liberdade e o livre arbítrio.
De certo modo, Spinoza busca algo parecido com Hegel, que é conhecer pela causa. Ele vai conhecer algo não descrevendo o que é, mas entendendo a origem. Essa substância no Spinoza é um ser que é concebido em si e por si, não é simplesmente uma construção metafísica aleatória. Ele foi perseguido justamente pela defesa contra essa transcendência e a favor da imanência, de conhecer pela causa. Spinoza entende que a razão é nossa potência inata e defende um Deus antropomorfizado.
Como Lukács fala de uma problemática que está relacionada a uma teoria do conhecimento, essa questão do real/racional e racional/real é uma via de mão dupla. No fundo, talvez o que deixe Hegel empolgado com Spinoza, segundo a leitura de Lukács, tenha a ver com essa característica de imanência, no sentido de que não existe uma separação clara ou definitiva entre o conhecimento e o objeto do conhecimento. Parece que é isso de Lukács quer ultrapassar em relação a Hegel.
Em “História e consciência de classe”, Lukács tem uma adesão maior a ideia de sujeito-objeto idêntico de Hegel, o criticando em relação à ausência de materialidade nessa construção. Essa materialidade, para Lucáks, estaria na concretude do proletariado enquanto sujeito e objeto da história. Segundo Lukács, o proletariado é ao mesmo tempo objeto do conhecimento e sujeito cognoscente. A história pensada nessa perspectiva de sujeito-objeto idênticos pode ser entendida como um movimento de sujeitos que produz objeto e se torna objeto. Sujeito e objeto são apanhados em um mesmo movimento. Para o Lukács, esse processo de produção da realidade e o processo de produção de conhecimento são um só, assim como em Hegel. Lucáks tenta dar uma materialidade histórica para o sujeito de Hegel (o espírito), entendendo o sujeito como o proletariado, que só se conhece através do objeto que ele produz, que é a si mesmo enquanto mercadoria.
No entanto, observa-se que na Ontologia, Lucáks passa a criticar a ideia de sujeito-objeto idênticos. Ele considera que superar o subjetivismo transcendente de Kant é um grande passo, abre uma via de progresso no pensamento, no entanto, a forma como Hegel segue essa via propicia na verdade um retorno a um momento da filosofia anterior ao da diferenciação e contrariedade entre materialismo e idealismo. Parece que a forma meio “atrapalhada” que Hegel volta a Spinoza, acaba jogando ele para antes de Spinoza (Descartes).
Spinoza está sempre pensando em Deus, lendo o antigo testamento, mas seu esforço é de interpretar de uma forma em que a gente possa entender que a dominação política é dos homens e não da religião (espiritual). Isso porque ele está em uma época em que o pensamento é justificado em uma ordem espiritual. Ele defendia a imanência como uma forma de dar poder aos homens e mulheres para agir politicamente.
Ponto 02: O more geométrico de Spinoza
Parágrafo “Esse é um dos fundamentos...” (p. 490).
O more geométrico é classicamente colocado por Spinoza no livro da ética. Spinoza argumenta sua filosofia como se fizesse uma espécie de paráfrase de Euclides, do livro dos elementos. Ele utiliza uma linguagem matemática, como se estivesse demonstrando um cálculo de geometria. Spinoza traça formulações geométricas, no entanto, ele não deriva os argumentos delas, ele está mais pensando em um movimento de formalização da crítica.
Esse movimento é eminentemente contrário à dialética, está enquadrado em uma lógica puramente formal. O que importa é a validação lógica do argumento e não o conteúdo. Isso é típico da própria metafísica dogmática, que o próprio Kant critica.
Ponto 03: A natureza em Hegel
Do parágrafo “Não é este o lugar para descrever...” (p. 490) até o parágrafo “Com isso chegamos..." (p. 492).
A natureza para Hegel é uma parte do processo do desenvolvimento da consciência do espírito, mas ela não tem agência. O processo começa com a iniciativa da consciência e termina com a completude do espírito. Isso “fetichiza” a consciência, é idealista por princípio, não coloca na natureza essa autonomia da sua transformação e desenvolvimento, que a ontologia de Lukács coloca (a mudança da natureza orgânica em inorgânica e a transformação da natureza orgânica em consciência). Não é possível chegar nas questões fundamentais do materialismo pelo Hegel, também porque a natureza tem esse papel secundário.
Lukács postula uma historicidade na natureza que não é possível enxergar em Hegel. Apesar da critica estar na existência ou não de historicidade na natureza, não significa que exista para Lukács uma homogeneidade ontológica entre o ser social e o ser natural. Tanto Lukács, quanto Hegel estão postulando uma heterogeneidade entre natureza e ser humano, mas de formas diferentes.
Onde paramos: “Com isso chegamos..." (p. 492).
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