RELATÓRIO - Reunião 21/10/2021 - Para uma ontologia do ser social, Georg Lukács
Relatório – Reunião 21/10/2021
Para uma ontologia do ser social
TEXTO: LUKÁCS, Georg. Prolegômenos e Para uma ontologia do ser social: obras de Georg Lukács. volume 13. Tradução Sérgio Lessa. Revisão Mariana Andrade. Maceió: Coletivo Veredas, 2018.
Breve apresentação (pp. 543-548):
è Neste trecho Lukács fará uma exaltação e crítica a Hegel (mais exaltação do que crítica) no que diz respeito a uma ontologia do real e do possível.
“Para encerrar a análise do que Hegel considera como lógica da essência, como a morada das determinações de reflexão [->] tratamento das categorias modais [“possível”]. Aqui suas autênticas tendências ontológicas irrompem...” (pp. 543-544)
Recusa “a visão kantiana de sua essência como categorias do mero conhecimento [modelo representacional] e esforça-se resolutamente em sua interpretação ontológica. [...] para toda ontologia autêntica, a realidade é aquela totalidade a que todas as determinações modais, a necessidade inclusa, devem ser subordinadas.” (p. 544)
Recusa a qualquer tipo de determinismo, com ou sem deus: “Pensamos, naturalmente, em uma ontologia terrena, imanente ao mundo, e não em uma [1] teológica [“necessidade absoluta de Deus”] ou [2] criptoteológica [“concepção de mundo científico-natural em que o cosmos é apreendido como dominado por uma necessidade absoluta e rigorosa, chegam — sem o querer — a uma concepção de tal modo fatalista da realidade concentrada na natureza, em que perde o seu imanente caráter de realidade e parece ser subordinada a uma predestinação reconhecida ou não-reconhecida (sem Deus).”. (p. 544)
Hegel confere “à realidade o lugar central que lhe é devido” / “inconsistência no tratamento da teleologia” -> “necessidade cega convertida em teleológica e, até mesmo, em teológica” (p. 544)
“Magnífica interpretação do trabalho” X “generalização dessa conexão, contudo, a um pôr da Providência” –> “O impulso autenticamente ontológico para a subordinação da necessidade à realidade não é conduzido consistentemente até o fim.” (p. 545)
“Dupla ontologia de Hegel: [1] um dos precursores dos que se esforçam para conceber a realidade em toda a sua complexidade plena de contradição — como a dinâmica relação de complexos dinâmicos um com outro —, por outro lado, [2] ainda vive muito intensamente em seu pensamento a hipostasia da razão que, em formas diversas, dominou muitas filosofias precedentes.” (p. 545)
“Mais importantes são suas tentativas de se aproximar da conexão de reflexão entre necessidade e casualidade.” (p. 546) / A casualidade do Outro. / “Hegel enxerga nitidamente essa riqueza heterogênea da natureza, contudo, ao negar que nela se executa um desenvolvimento, não chega àquela dialética de acaso e necessidade que, mais tarde, se torna o fundamento categorial do darwinismo. Sua visão é muito mais clara quando concerne ao ser social. Reconhece, por exemplo, »o papel decisivo« que o acaso joga na fala, no Direito, na arte etc.” (p. 546)
“Criticamos, no lugar apropriado, o infeliz experimento de Hartmann com a solução »megárica« da relação entre possibilidade e realidade, acima de tudo porque com isso se perde a possibilidade como algo que não é nem real nem irreal, que em sua existência turva teve de ser completamente absorvida na realidade. A dialética das determinações de reflexão em Hegel pode apreender completamente diferente, inteiramente próxima ao real, essa relação.” (p. 547)
Hegel: «Essa realidade, que constitui a possibilidade de uma coisa, não é, por isso, a sua própria possibilidade, mas é o ser-em-si de um outro real; ela mesma é a realidade que deve ser superada, a possibilidade como apenas possibilidade«. (p. 547)
“Acreditamos que com isso está aberta a via para a compreensão da possibilidade no interior da realidade. [...] Que a função de possibilidade das propriedades, no ser social, se intensifica tanto extensiva quanto intensivamente, que com ela aparecem qualidades inteiramente novas, não requer nenhuma evidência detalhada.” (p. 548)
Relatoria da leitura e debate:
COMENTÁRIO – Dúvidas sobre o que são as “determinações modais” e qual o sentido de “criptoteológico”.
COMENTÁRIO – Talvez sejam os modos e aspectos da realidade de Deus (Descartes falava em massa discreta e massa extensa). Acredito que o “criptoteológico” seja um uso irônico às teologias que são críticas.
COMENTÁRIO – Acho que modais são os modais da lógica: contingência, possibilidade e necessidade. Será que agora começa a surgir um corte como autêntico e inautêntico em relação ao papel de deus na ontologia? Como sendo autêntica a ontologia que não depende de deus?
COMENTÁRIO – Acredito que “inautêntica” não seja apenas sobre a inexistência de deus, mas sobre a irracionalidade.
COMENTÁRIO – Também havia compreendido desta forma, mas a partir de agora me parece que mesmo esta visão teológica tem uma matriz lógica e racional, tem uma ideia de que deus seria a causa primeira, uma visão lógica do papel de deus na ontologia.
COMENTÁRIO – Talvez não seja racional e irracional, talvez seja física e metafísica.
COMENTÁRIO – Quando ele escreve que “há uma forte tendência a ultrapassar...” fica difícil de entender se o autor está lendo isso no Hegel ou se ele está querendo projetar alguma coisa no Hegel a partir da leitura que ele está fazendo, o texto já seria difícil sem isso... “Postulando à ontologia lugar central...”. Ou seja, Hegel virou ontológico e não era Lukács. Isso dialoga com a exposição do Daniel sobre a “Providência” e o retorno a deus a partir de uma ontologia que ‘passou do ponto’, digamos assim. Colocou realidade onde não devia. Curioso ainda ele colocar isso sobre a “interpretação do trabalho”.
COMENTÁRIO – “Magnífica”! Porque não é só uma “interpretação do trabalho”, é uma “magnífica interpretação do trabalho”.
COMENTÁRIO – O “magnífica” é importante mesmo, porque ele está admitindo aquela coisa do trabalho como exteriorização (ou objetivação), que é uma categoria hegeliana.
COMENTÁRIO – Sobre alienação que você está falando? Sobre o ser humano projetado no objeto.
COMENTÁRIO – Talvez deus se exteriorizando nos seres humanos seria trabalho.
COMENTÁRIO – Talvez a ontologia do Lukács seja o expurgo dessa “Providência” e a colocação do trabalho na concretude desta perspectiva de alienação.
COMENTÁRIO – O trabalho não é tão central em Hegel, é apenas mais um elemento da realidade e a utilização das figuras religiosas demonstra isso. A questão da alienação e do estranhamento é diferenciada por Jesus Ranieri (para o Hegel há a subjetivação e objetivação na dialética), o produto do trabalho sempre terá uma objetivação. O estranhamento seria hostil ao trabalhador na medida em que ele é capturado pelo capital em oposição ao trabalho.
COMENTÁRIO – O papel do David Riazanov na constituição do Mega – Lukács estava em Moscou nos anos 1930 – e os Manuscritos Econômico-Filosóficos apenas são conhecidos por seus esforços. Na “magnífica interpretação do trabalho” está implícita uma crítica de Lukács a Hegel, no sentido da crítica à generalização. “O trabalho é o vir a ser para si do homem” diz Marx, nos colocando sempre a questão do que há de Hegel em Marx e o que é superado. A categoria da exteriorização do Marx tornou-se possível de ser compreendida a partir do princípio dialético hegeliano.
COMENTÁRIO – O trabalho será elegido como o cerne da ontologia de Lukács. Também é central notar o quanto é possível tirar ou não deus de Hegel.
COMENTÁRIO – Sim, é fundamental. Tanto que depois o Mészáros fará um livro sobre alienação.
Mário – Nesse livro se tentará demonstrar como o Marx maduro não abandona a categoria “alienação”.
COMENTÁRIO – Para mim ainda não está claro, pois a palavra “alienação” ainda não apareceu. No jovem Marx, a alienação não aparece como conceito isolado e sim como sistema na totalidade humana. No sistema teórico da alienação há uma tríade conceitual: a consciência/essência humana é alienada (religião, Estado, trabalho...) e a emancipação seria a recuperação da consciência humana alienada. De que maneira isso permanece no Lukács? Há uma noção de essência humana? Porém, é importante frisar que o trabalho n’O Capital não aparece isolado, aparece como força de trabalho inserido em um modo de produção.
COMENTÁRIO – Importante essa passagem sobre “necessidade e casualidade como determinações de reflexão correspondentes”, seria importante a gente definir para fazer a leitura restante.
COMENTÁRIO – Ele parece estar questionando a racionalidade do real posta por Hegel. Existe uma diferença profunda na ontologia se você considera que a razão faz parte da realidade ou não.
COMENTÁRIO – Talvez a dificuldade de incluir a razão está no papel da representação, porque quem representa é a razão.
COMENTÁRIO – “Quando a razão tira o véu da realidade ela encontra a razão funcionando”, segundo o Hegel. Mas que razão é essa? Mas é uma racionalidade em que o modal necessidade está em primeiro plano, então Lukács aponta que no Hegel há mais que necessidade neste modal, mas não desenvolve isto. Por isso começa elogiando e muda o tom.
COMENTÁRIO – Faz sentido, porque o que é racional é real e o que é real é racional também, por isso ele fala que é uma afirmação e uma simultânea negação de uma necessidade universal.
COMENTÁRIO – Precisaria de ajuda para entender melhor o que é a totalidade no Lukács, se ela transborda a compreensão corrente na tradição marxista expressa pela totalidade das forças produtivas e das relações de produção (ou do concreto e do pensado, da coisa em si e da coisa para si, do objeto e do sujeito). Porque em alguns momentos parece que a totalidade no Lukács abrange inclusive as possibilidades de futuro apresentadas pela realidade em tempo presente.
COMENTÁRIO – Pessoalmente acredito que seja um desafio que a gente não venceu ainda. Ainda não chegamos em uma definição sobre a totalidade no Lukács, pois isto é inclusive uma disputa para definir o quanto ele é hegeliano.
COMENTÁRIO – Como se os filósofos se apaixonassem pelos seus próprios sistemas. Sobre a descoberta do bóson de higgs disse um cientista, “quando a ciência avança o lugar de deus muda, mas não desaparece”, o que é bem hegeliano.
COMENTÁRIO – Esse último parágrafo se relaciona com a questão de a determinação histórica existir no passado e não no futuro.
COMENTÁRIO – Como no exemplo da pedra que cai no cabeça do sujeito, foi preciso uma série de acasos... A relação entre casualidade e necessidade são opostos necessários, que caminham juntos.
COMENTÁRIO – Qual é o papel do acaso na realidade? É um grande problema lógico, porque mesmo nessa situação do tijolo ela é casual até que se descubra a causa. Na verdade, são fenômenos complexos cujas causas são múltiplas e não acasos.
COMENTÁRIO – Penso que existe sim o acaso como algo indeterminado dentro de uma cadeia de determinações. Texto sobre a lava-jato destacando o elemento casual (hacker de Araraquara).
COMENTÁRIO – Parece que existe uma diferença marcante entre o que é totalidade para o Lukács e para o Marx. Estou pensando se a casualidade pode ser um objeto estranho que também faria parte desta síntese que é a totalidade (casualidade e necessidade).
COMENTÁRIO – O acaso que está presente no exemplo do tijolo me parece remetido à complexidade do sistema em que ele está inserido, pois se relaciona mais à incapacidade de o sujeito observador ter conhecimento de todas as variáveis que influenciam naquele assim chamado “acaso” do que de fato um elemento de completa imprevisibilidade inerente ou ontológica ao sistema.
COMENTÁRIO – Acho que admitir a possibilidade de uma casualidade é um pouco kantiano, porque pressupõe uma inacessibilidade da coisa em si. Se é uma complexidade tão grande que você não pode acessá-la você mantém a separação entre o conhecimento e a realidade. Mesmo a mutação não é aleatória, existe uma causa pretérita.
COMENTÁRIO – Uma coisa é dizer como as coisas aconteceram e como elas irão acontecer. O elemento da previsibilidade é fundamental. Concordo com o Flávio sobre o aspecto kantiano daquilo que é aleatório não ser apreensível no sentido estrito da lógica. A figura da pedra filosofal. Eu pessoalmente tenho problemas com a expressão “ontologia”, pois está em algum sentido associado às coisas que não se corrompem em algum lugar de sua essência.
COMENTÁRIO – Sobre o olhar externo ou interno à totalidade em Kant, Hegel e Lukács. O Kant seria uma reivindicação do direito natural, com sua divisão da razão pura e prática.
COMENTÁRIO – Se existe algo na realidade que não pode ser conhecido (casual/aleatório), talvez inadvertidamente Hegel e Lukács se aproximem de Kant. A variação genética é determinada, mas aleatória.
COMENTÁRIO – No Kant, alguns elementos mais contingenciais que limitam a autonomia da vontade (e os dados do acaso) não estão contidos no caminhar da razão, mas sim nos imperativos hipotéticos. No Hegel isso é incorporado, os outros dados contingenciais estão na construção do pensamento.
COMENTÁRIO – Na discussão sobre casualidade a gente às vezes transborda o próprio Hegel. A pergunta é: cabe casualidade dentro da lógica do Hegel? Outra questão, estamos falando de alguém que defendeu o fim da história.
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