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RELATÓRIO - Reunião 24/03/2022 - Para uma ontologia do ser social, Georg Lukács (p. 559-578)

  • dhctem
  • 24 de mar. de 2022
  • 16 min de leitura

Atualizado: 19 de ago. de 2022

Relatório – Reunião 24/03/2022

Para uma ontologia do ser social (p. 559-578)


TEXTO: LUKÁCS, Georg. Prolegômenos e Para uma ontologia do ser social: obras de Georg Lukács. volume 13. Tradução Sérgio Lessa. Revisão Mariana Andrade. Maceió: Coletivo Veredas, 2018.


1. Questões Metodológicas Preliminares. Neste tópico, Lukács trata das questões metodológicas preliminares sobre os princípios ontológicos fundamentais de Marx. O autor argumenta que Marx parte da filosofia hegeliana, ainda que criticamente, por meio da unidade determinada de ontologia, lógica e teoria do conhecimento. Mas, contrariamente à Hegel, Marx, em nome da concreta particularidade ontológica das formações sociais, demanda a sua investigação segundo o ser concreto, ontológico, e vai contra o método de Hegel que descreve tais conexões com base em esquemas lógicos.

No jovem Marx não há ainda uma colocação da questão ontológica direta e conscientemente. Marx, ainda nas polêmicas com hegelianos de esquerda, como Bruno Bauer e Stirner, jamais identificou no idealismo deles o de Hegel.

Discussão:

COMENTÁRIO: Afirmações de Lukács logo no começo do capítulo são polêmicas e ele só chega às suas conclusões porque argumenta que Marx parte de Hegel, precisamos retomar o último capítulo lido no ano passado, em que foi tratado Hegel. Lukács dá fundamento para essas afirmações, de que o idealismo objetivo do Hegel tem traços de materialismo.

Andrea: Qual a ligação entre materialismo e a ontologia?

COMENTÁRIO: O texto defende que tem uma ontologia em Marx, na continuação Lukács parte de Feuerbach para falar sobre onde entra a ontologia na relação entre idealismo e materialismo. Mas não saberia dizer se Lukács vê ontologia no idealismo objetivo do Hegel.

2. Importância de Feuerbach nesse percurso. Feuerbach realizou uma virada de caráter ontológico no processo de dissolução da filosofia hegeliana, pois, nele, pela primeira vez, o idealismo e o materialismo foram efetivamente confrontados, de forma profunda. Mesmo as debilidades em suas posições, como a sua limitação com relação à relação abstrata entre Deus e os seres humanos, levaram à consciência da questão ontológica.

O juízo de Marx sobre Feuerbach é sempre duplo: reconhece a virada ontológica, como o único filósofo sério da época, mas constata o limite do materialismo feuerbachiano ao não notar a ontologia do ser social como problema. Ex. em A ideologia alemã: “Na medida em que Feuerbach é materialista, nele não se encontra a história e na medida em que toma em consideração a história, ele não é materialista” (p. 560). De acordo com Lukács, não é identificável o quanto Feuerbach influenciou no desenvolvimento filosófico de Marx ao materialismo, que culminou na sua virada à economia, ainda que Marx estivesse de acordo com as concepções ontológico-filosóficas naturais e antirreligiosas de Feuerbach. Mas Marx foi, desde muito cedo além dele, na filosofia da natureza, já que sempre foi contra a separação de natureza e sociedade e considerou os problemas da natureza sempre predominantemente do ponto de vista da sua inter-relação com a sociedade (p. 562).

Discussão:

COMENTÁRIO: A Ideologia Alemã é o marco da divisão do Marx?

COMENTÁRIO: Althusser diz que ali inaugura o corte, a partir daí começa uma transformação, que se consolida em O capital. Mais pra frente, Lukács critica essa divisão entre Marx filósofo e economista, mas reconhece essa virada de pensamento.

COMENTÁRIO: Tanto as correntes lukacsianas quanto althusserianas convergem nesse ponto?

COMENTÁRIO: Althusser faz uma separação mais radical do corte. Lukács tenta trazer mais uma unidade de pensamento, principalmente nesse começo.

COMENTÁRIO: Aqui Lukács passa pela crítica de Feuerbach n’A ideologia alemã, ainda que por cima.

COMENTÁRIO: Há um trecho no livro em que Lukács argumenta que o Feuerbach seria uma enfraquecida renovação do materialismo do século XVIII. O Feuerbach não deixa de ser hegeliano, considera a história em algum momento, por isso renova o materialismo, mas não como Marx renovou. Ex: Existência de Deus. Feuerbach trata dessa questão como inversão, o ser humano que criou Deus. É um empirismo ingênuo, porque considera a materialidade no mundo físico imediato. O ponto alto do texto é que Marx trata disso com materialismo histórico, isso significa que dizer que deus mata todos os dias é uma frase materialista, ainda que faça referência a uma ideia abstrata, que é a da existência de Deus.

COMENTÁRIO: E isso vai desembocar na ideia de práxis que Feuerbach também não traz.

COMENTÁRIO: O desenvolvimento de Marx em A ideologia alemã é central aqui. Há uma ruptura com a filosofia kantiana com relação à natureza, não mais apenas como representação.

3. Pioneirismo de Manuscritos Econômico-filosóficos. No percurso de desenvolvimento do jovem Marx se delineia a crescente concretização das formações sociais existentes, o que alcança um ponto de virada nos seus escritos econômicos. Em “Manuscritos econômico-filosóficos”(1844), pela primeira vez na história da filosofia, as categorias da economia aparecem como as da produção e reprodução da vida humana e com isso se faz possível uma descrição ontológica, de base materialista, do ser social. Marx reconhece apenas uma única ciência, a da história, que cobre tanto a natureza quanto o mundo dos seres humanos. Na medida que Marx faz da produção e da reprodução da vida humana o problema central, aparecem, como dupla determinação, tanto nos próprios seres humanos quanto em todos os seus objetos, relações, circunstâncias, etc, uma inexorável base natural e a sua ininterrupta conformação social.

4. Significado ontológico da teleologia do trabalho como ponto de partida. O trabalho é uma categoria central porque opera uma dupla transformação. Por um lado, o próprio ser humano que trabalha se transforma pelo seu trabalho, ele atua sobre a natureza externa e transforma simultaneamente a sua própria; por outro, os objetos da natureza, as forças da natureza são transformados em meios de trabalho, objetos de trabalho, matérias-primas, etc. Os objetos naturais permanecem o que eram por natureza, mas, postos em movimento pelo trabalho, podem ser feitos úteis. Esse fazer útil é um processo teleológico: no fim do processo de trabalho, obtém-se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador, ele não apenas efetua uma transformação da forma da matéria natural, realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural seu objetivo (O Capital, Livro I) (p. 563).

Discussão:

COMENTÁRIO: Aqui faz uma referência à Dialética da natureza de Engels?

COMENTÁRIO: Esse trecho de uma única ciência é de A ideologia alemã, e tem uma polêmica porque Engels não deixa claro no texto dele a perspectiva materialista histórico dialética da sua abordagem da natureza. Mas Lukács está se afastando de Engels nesse texto, por exemplo, no tópico colocado abaixo. Engels quer encontrar dialética na evolução das espécies, etc. Como curiosidade, Marx escreveu um livro sobre matemática, pra provar dialética no cálculo diferencial e integral.

5. Do ser-em-si a um ser-para-si. Antes de tudo, o ser social pressupõe, no todo e em cada processo singular, o ser da natureza inorgânica e orgânica. O ser social não pode ser compreendido como independente do ser natural, a ontologia do ser social de Marx exclui uma simples transferência das leis naturais à sociedade, como era moda na época, com o “darwinismo social”. As formas de objetividade do ser social crescem no desdobramento da práxis social a partir do ser natural e tornam-se sempre mais socialmente pronunciadas. Esse é um processo dialético, iniciado com a posição teleológica no trabalho; com esta posição está dado o ser social em si. O processo histórico de seu desdobramento implica, todavia, a importantíssima transformação desse ser-em-si em um ser-para-si e, como resultado, a ultrapassagem tendencial das formas e conteúdos de ser meramente naturais em formas e conteúdos cada vez mais puros, específicos, da objetividade social.

Discussão:

COMENTÁRIO: É confusa essa ideia entre teleologia e pureza.

COMENTÁRIO: É a concepção do Lukács sobre o trabalho, o ser humano é o único que projeta, planeja antecipadamente o que vai fazer do trabalho.

COMENTÁRIO: Se relaciona à generidade (gênero) muda, uma soma de teleologias do trabalho que convergem para determinado lugar. Essa leitura se aproxima da leitura althusseriana da ideologia. Sugiro buscar trecho dos Prolegômenos em que Lukács explica o que seria a generidade muda.

COMENTÁRIO: Formas e conteúdos cada vez mais puros, o que seria isso?

COMENTÁRIO: Tem a ver com a ideia de que a teleologia torna útil um ser que existe na sua autonomia e a repetição dessa ontologia vai levando a essa pureza. O ser humano inventou um jeito de fazer a força da natureza ser útil, a partir de uma teleologia humana. Processo de domesticação dos animais, por exemplo. Pureza é transformar a natureza.

Andrea: Dá pra fazer paralelo com conteúdos cada vez mais determinados?

COMENTÁRIO: Boa pergunta.

COMENTÁRIO: O que seria o ser natural?

COMENTÁRIO: Estou usando a chave essência-fenômeno-processo para entender isso.

COMENTÁRIO: É a ideia de origem do ser social, um debate importante entre correntes Lukácianass e Althusserianas, porque este nega a existência da origem. Para Lukács existiria essa autonomia entre ser natural e ser social antes do desenvolvimento do ser social. Parte da perspectiva da essência-fenômeno para entender o desenvolvimento do ser social.

COMENTÁRIO: Dá para falar que tem corte entre ser natural e ser social, para Lukács?

COMENTÁRIO: Ele veria uma continuidade mínima entre ser orgânico e inorgânico, e entre o ser orgânico e o ser social.

COMENTÁRIO: Na página 564 ele diz que o ser social passa a existir da relação do ser humano com a natureza a partir do trabalho.

COMENTÁRIO: Como se comunica essa construção teórica com outras visões de mundo? Por exemplo, a perspectiva ubuntu não distingue ser humano e natureza. Como trazer isso pro marxismo?

COMENTÁRIO: São concepções epistemológicas e filosóficas distintas. A base epistemológica está centrada em outros modos de interconexão, que não faz essa divisão entre o ser social e a natureza.

COMENTÁRIO: Marx parte da história do trabalho, da revolução industrial, outro momento histórico.

COMENTÁRIO: O marxismo parte como uma crítica da modernidade burguesa, não se filia a ela. As formas comunitárias alternativas são exemplos que contradizem as categorias burguesas que se pretendem ahistóricas e absolutas.

COMENTÁRIO: Historicizar é fundamental para o debate. É preciso ter cuidado para não colocar ao método marxista o mesmo modelo de representação kantiano, porque Marx rompe com esse modelo. Onde está a epistemologia nas epistemologias do Sul? A questão relatada sobre a perspectiva ubuntu conecta ao conceito de ética.

Tarso: A questão da perspectiva ubuntu não tem como ser respondida com base no que Lukács escreveu.

COMENTÁRIO: A questão da natureza como sujeito de direito, como na Bolívia e no novo constitucionalismo latino americano, também está presente na nossa discussão sobre América Latina e sobre as relações do sujeito de direito com a natureza. É uma limitação de se buscar uma ontologia no próprio ser social.

COMENTÁRIO: É justamente uma limitação de se buscar uma ontologia no próprio ser social. Na página 570, Lukács faz praticamente uma exaltação ao Iluminismo e Renascimento. O próprio Marx argumenta, nos Grundrisse, que não se pode projetar a sociedade capitalista para o passado.

COMENTÁRIO: Entendo que em Lukács não há exatamente essa cissão entre ser natural e ser social, lá na página 565 ele fala que o ser social se expande não apenas como um concreto processo material a partir de sua gênese do ser natural, ele se reproduz permanentemente nessa moldura e não pode -jamais se destacar completamente da base.

Devido ao horário, a discussão passou daqui para a leitura dos tópicos finais, 13 a 15.

6. Formas de transição. Os indícios de formas superiores nas espécies animais inferiores só podem ser compreendidos quando a própria forma superior já é conhecida. Do mesmo modo, a economia burguesa fornece a chave da economia antiga, etc. O essencial nessa visão metodológica é a precisa separação da realidade em si existente como processo das vias de seu conhecimento. A ilusão idealista de Hegel surge na crítica de Marx de que o processo ontológico do ser e do próprio surgir é demasiadamente aproximado ao necessário processo gnosiológico do compreender, este visto como substituto ou até mesmo superior àquele (p. 565).

7. Relação ontológica natureza-sociedade. De acordo com Lukács, as categorias e leis da natureza, tanto orgânica como inorgânica, permanecem como base inexorável das categorias sociais. Apenas com base no conhecimento correto das qualidades reais das coisas e processos que pode a posição teleológica no trabalho realizar sua função modificadora. Ironia: “Até o momento presente, nenhum químico descobriu valor de troca na pérola ou no diamante” (O Capital, Livro I). No entanto, cada uma das puras objetividades sociais pressupõe objetividades naturais socialmente transformadas. Mesmo quando há categorias sociais puras, seu conjunto (ensemble) constitui apenas a particularidade do ser social. A virada materialista na ontologia do ser social, alcançada pela descoberta da prioridade ontológica da economia, pressupõe uma ontologia materialista da natureza. A fundamentação de uma ontologia materialista da natureza está contida implicitamente no fundamento metodológico da ontologia marxiana.

8. Método pelo qual as contradições reais se resolvem. Na juventude de Marx, encontramos tentativas de ir além da logisticamente absolutizada doutrina da contradição. Em O capital, ele traz uma visão inteiramente nova da superação das contradições. Viu-se que o processo de troca das mercadorias encerra relações contraditórias e mutuamente exclusivas. O desenvolvimento da mercadoria não suprime essas contradições, mas gera a forma dentro da qual elas podem se mover. É uma contradição, por exemplo, que um corpo caia constantemente em outro e com a mesma constância, fuja dele. A elipse é uma das formas de movimento em que essa contradição tanto se realiza como se resolve. A contrariedade é, portanto, não apenas como em Hegel, a forma de passagem de um estágio a outro, mas também a força que dirige um processo normal enquanto tal (p. 567). Seu conhecimento requer o revelar daquelas condições específicas das quais deve emergir, não mais em absoluto, consequências lógicas de uma contraditoriedade abstrata. Por isso é materialista. A contrariedade com isso demonstra ser o princípio ontológico que pode ser encontrado na realidade como base também de tais processos.

9. Crítica de Lukács à separação do Marx filósofo e Marx economista. Lukács argumenta que muitos dos seguidores de Marx tiraram a conclusão de que ele havia se afastado da filosofia e se tornado mero economista, concepção que se apoia na oposição mecanicista entre filosofia e ciências positivas isoladas, a partir da metodologia dominante na segunda metade do século XIX. Até mesmo entre seguidores do marxismo, parece a economia do Marx maduro como ciência isolada em oposição às tendências filosóficas de sua juventude. Lukács critica a fragilidade de tal contraste entre Marx filósofo e economista, porque Marx não se tornou menos filósofo, ao contrário, suas concepções filosóficas se aprofundaram em todas as esferas. Além disso, as obras econômicas de Marx maduro nada tem a ver com a concepção burguesa da economia como mera ciência isolada. A economia marxiana sempre parte da totalidade do ser social e sempre nela desemboca. Mas, na medida em que sobreviveu uma ortodoxia marxista, sobreviveu seu conteúdo enrijecido de slogans radicais isolados, conclusões mal interpretadas, ex. Kautsky e a alegada legalidade da pauperização absoluta; Bernstein e tendências revisionistas.

Lukács diz que os escritos econômicos de Marx são obras imediatas da ciência, de maneira alguma da filosofia, mas seu espírito científico passou pela filosofia e jamais a deixou para trás. Trata-se de uma colaboração conscientemente crítica da ontologia espontânea da vida cotidiana com a ontologia científica e filosófica, corretamente consciente (p. 570). Marx fez uma depuração das ciências dos preconceitos neopositivistas, até hoje tão necessária e atual. O autor também fala de duas direções concorrentes que se confrontavam igualmente não compreendendo a essência da teoria de Marx. De um lado, teóricos realmente marxistas, como Rosa Luxemburgo, Franz Mehring, que tinham pouco senso para com as tendências filosóficas essenciais da obra de Marx, e de outro, Bernstein, M. Adler e outros que imaginavam encontrar na filosofia de Kant uma complementação ao marxismo, ou em Ernst Mach, etc.

10. Empirismo. Lukács argumenta que se costuma descrever todo o rejeitar de conexões construídas-abstratas como empirismo. O velho empirismo era de caráter ontológico ingênuo, pois tomava como ponto de partida o caráter de ser imediato como estado de coisas dado e se limitava a conexões imediatas, deixando despercebidas as mediações mais amplas, as conexões ontológicas decisivas. Segundo o autor, para a ultrapassagem da ingenuidade falta a conscienciosidade filosófica daquilo que é de fato realizado na própria práxis. A relação de fenômeno e essência no ser social, em consequência de sua inseparável dependencialidade com a práxis, mostra novos traços, novas determinações. A colocação científica emerge ao cancelar-se a aparente conclusividade imediata do produto e então o torna visível em sua imediata-fenomenicamente não perceptível processualidade. Ex. é a geologia que surgiu da colocação dessa questão, do estudo das camadas terrestres, do seu mecanismo de formação, origem e estrutura. Na esfera do ser social, o processo do surgimento é um processo teleológico, como consequência o seu produto assume apenas a forma fenomênica e faz imediatamente desaparecer sua própria gênese quando o resultado corresponde à posição de finalidade.

11. Relação entre fenômeno e essência. A especificidade da relação entre fenômeno e essência no ser social alcança até os atos interessados. Não é nenhum acaso, então, que a constatação marxiana sobre ciência e fenômeno-essência tenha sido escrita na moldura de uma crítica aos economistas vulgares: na polêmica contra formas fenomênicas ontologicamente absurdamente compreendidas e interpretadas que substituem completamente as conexões reais. A constatação filosófica de Marx tem aqui a função de uma crítica ontológica às falsas representações (Vorstellungen), de um despertar da consciência científica. Marx maduro tem uma estrutura completamente nova, uma cientificidade que, no processo de generalização, jamais deseja abandonar esse nível, mas apesar disso, em toda constatação de fatos, em toda conexão concreta, divisa sempre a totalidade do ser social e considera, a partir dela, a realidade e o significado de cada fenômeno singular, jamais paira acima dos fenômenos por uma independização das abstrações, ao contrário, critica o mais elevado patamar de ser da consciência para poder aprender, de todo concretamente, cada existente no precisamente a ele específico, sua forma ontológica própria.

A crítica sistêmica desenvolvida em Marx parte, ao contrário, com as próprias conexões investigadas, da totalidade do ser e procura compreendê-las o mais aproximado possível em todas as suas intrincadas e variadas relações. A totalidade, contudo, não é aqui intelectual-formal, mas a reprodução intelectual do realmente existente. As categorias não são tijolos de uma hierarquia sistemática, mas formas de ser, determinações da existência, elementos estruturais de complexos em movimento relativamente totais, cujas interrelações dinâmicas resultam em complexos sempre mais abrangentes em sentido extensivo e intensivo (p. 573).

12. Crítica da economia política. Não é acaso que Marx maduro intitule sua obra econômica não como economia, mas como “crítica da economia política”. De imediato se relaciona à crítica das concepções da economia burguesa, mas também nisso está a imanente crítica ontológica de todo fato, toda relação, de toda conexão legal (p. 573). Após 1848, desde o colapso da filosofia hegeliana, desde a marcha triunfal do neokantismo e do neopositivismo, dissipou-se todo entendimento para os problemas ontológicos. Os neokantianos removeram da filosofia até a incognoscível coisa em si e, para o positivismo, a subjetiva percepção do mundo coincide com a sua realidade. A crítica ao sistema mais elaborado e formalmente mais perfeito, o hegeliano, conduziu Marx à elaboração do novo estilo de pensamento.

13. Renascimento de Marx em Lenin. Apenas com Lenin se inicia um real renascimento de Marx, especialmente nos “Cadernos Filosóficos” (1916), escritos nos primeiros anos de guerra, que partiam dos autênticos problemas centrais do pensamento marxiano: a crítica aprofundada da dialética hegeliana. Não se pode entender O capital, principalmente o primeiro capítulo, sem ter compreendido toda a “A Ciência da Lógica” (1812) de Hegel. Lenin, sobre a relação de O Capital com a filosofia dialética geral: Se Marx não nos deixou a Lógica, deixou-nos a lógica de O capital”. Porque n’O capital são aplicados a uma disciplina lógica, a dialética e a teoria do conhecimento de um materialismo que reconheceu tudo o que há de precioso em Hegel e que fez esse valioso avançar. (p. 576).

É mérito de Lenin ser o único marxista do seu tempo a retornar à concepção hegeliana original da unidade de lógica, teoria do conhecimento e dialética, ainda que tornada materialista. Sobretudo em “Empiriocriticismo” (1909), como reflexo de uma realidade material existente independentemente da consciência, na prática sempre subordinada a uma ontologia materialista. A obra de Lenin, desde a morte de Engels, é a única tentativa em larga escala de restaurar o marxismo em sua totalidade, de aplicá-lo aos problemas do presente e com isso levá-lo adiante. A grande crise revolucionária que brotou da 1a Guerra Mundial e do nascimento da República Soviética estimulou um novo estudo do marxismo, não deformado pelas tradições aburguesantes da socialdemocracia.

14. Substituição de Marx e Lênin pela política de Stalin. Segundo Lukács, falta até hoje uma exposição histórica crítica sobre esse processo histórico. No início Stalin age como seguidor da teoria de Lênin e até o início dos anos 1930 suas publicações contêm uma tendência a afirmar a renovação leninista do marxismo contra a ideologia da II Internacional. Isso mudou bruscamente a partir da publicação de “História do Partido [Comunista de Toda a União (Bolcheviques): Breve Curso]” (1938), com a substituição da leitura de Lênin por Stalin. Desde então, a filosofia oficial da URSS foi reduzida a comentários das publicações de Stalin. Algumas das consequências é que a teoria oficial da planificação ignora completamente os momentos decisivos da teoria marxiana da reprodução social. Tomou conta da URSS um subjetivismo completo e arbitrário, que era adequado para justificar qualquer decisão como consequência necessária do marxismo-leninismo.

15. Considerações finais. Para que o marxismo torne-se novamente uma força viva no desenvolvimento da filosofia, Lukács argumenta que é preciso retornar ao Marx enquanto tal, esforço que pode se apoiar na vida e obra de Engels e Lenin, deixando completamente de ser lado as obras do período da II Internacional e de Stalin, ainda que ainda seja uma tarefa importante realizar uma aguda crítica a estas últimas (p. 578).

Discussão:

COMENTÁRIO: Apenas para resumir antes de terminar a aula, o conflito entre coletividade e individualidade. A única matriz de pensamento que se busca apresentar como universal é a ocidental, por conta da necessidade de reprodução do capital. Isso separa as críticas teóricas da prática política. Os conflitos estão dados na materialista, a discussão teórica não tem como passar sobre o como vamos fazer a oposição política. A ética local não dá conta de explicar um fenômeno global, a lógica de reprodução do capital. A passagem do natural pro social é processo de milênios, mas existe uma ruptura porque existe uma diferença entre ser humano e outros primatas. Mesmo reconhecendo a origem, só se conclui com estruturas orgânicas humanas, mas eles tem certo nível de divisão social do trabalho. O debate da origem em Lukács parte do desenvolvimento da ontologia do ser humano por meio do processo teleológico do trabalho.

COMENTÁRIO: Talvez a primeira sobre a questão trazida anteriormente, de como se comunica a construção teórica de Lukács com outras visões de mundo, seja pontuar que o materialismo histórico-dialético não se filia as correntes kantianas e hegelianas que normalmente são tratadas sob a denominação de filosofias do Ocidente. Marx se propôs exatamente a criticar seus pressupostos filosóficos que, não situando a construção histórica do indivíduo, terminam por promover a naturalização das formas sociais capitalistas como “história da humanidade” (as famosas “robinsonadas” – individualismo metodológico). Nesse sentido, talvez uma primeira aproximação possível seja exatamente pontuar que a existência e persistência de outras morais (ética como forma social capitalista – texto no prelo do Pablo Biondi) que não apartam o humano da natureza e se estruturam desde uma perspectiva comunitária, coletiva, corroboram o argumento sobre a historicidade do indivíduo.

Também é importante pontuar que Marx não teve contato com tais produções teóricas ou vivências e que sua crítica da economia política tem, como “objeto”, o modo de produção capitalista, a relação social de capital, dominante em todos os aspectos e searas da produção e reprodução da vida. E aqui é importante pontuar que talvez o maior triunfo do capitalismo seja exatamente ter se espraiado por todo o globo terrestre (algo inédito); o capital comanda um processo global de acumulação, que não pode ser compreendido desde a perspectiva da reprodução simples (Livro I do Capital). Sendo assim, ainda que comunidades preservem formas relacionais coletivas em suas dimensões locais, elas estão inseridas nos circuitos das trocas mercantis (“compram caminhonetes”, comercializam excedentes produtivos, reivindicam direitos de território perante o Estado, etc), muitas vezes, é verdade, sendo expostas a face mais violenta do processo de acumulação capitalista (o “trator” que passa por cima).

Sendo assim, sem entrar no debate sobre as potencialidades transgressores das filofoas africanas ou sobre a possibilidade real de sus universalização (o debate sobre universalidade x autonomia dos povos ganha aqui uma incontornável sofisticação), me parece crucial retomar a concepção objetiva acerca da ideologia e do seu processo de interpelação e assujeitamento (Althusser). Porque, se desde a leitura ontológica talvez seja possível o diálogo a partir dos conceitos de alienação e estranhamento, destacando as vivências comunitárias unbutus como “resistencias” a totalidade do Capital, desde a construção teórica acerca da ideologia jurídica, as coisas se tornam mais “difíceis”, já que a interpelação como sujeito de direito ocorre independentemente das vivências internas (pessoas e localidades), é dizer, ainda que no retorno a sua comunidade, homens e mulheres continuem a abraçar a árvore, a chegada até ela esteve inteiramente subsumida ao processo de compra e venda de mercadorias... e mais: eventual ameaça de corte da árvore será tratado em termos jurídicos (legalização do unbut?), como violação a direitos humanos, liberdade religiosa, autonomia dos povos, etc.. o par dialético violência-ideologia opera sem constrangimentos, evidenciando (ou não, já que isso é só uma reflexão minha) que não há como se relacionar com a totalidade capitalista sem vestir o terno e gravata do sujeito de direito, seja no âmbito atomizado do indivíduo ou coletivo das comunidades, ainda que faça um baita calor no Sul Global.



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