RELATÓRIO - Reunião 26/08/2021 - Para uma ontologia do ser social, Georg Lukács (p. 505-515)
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Relatório – Reunião 26/08/2021
Para uma ontologia do ser social (p.505-515)
TEXTO: LUKÁCS, Georg. Prolegômenos e Para uma ontologia do ser social: obras de Georg Lukács. volume 13. Tradução Sérgio Lessa. Revisão Mariana Andrade. Maceió: Coletivo Veredas, 2018.
Estamos no capítulo intitulado “A falsa e a autêntica ontologia de Hegel”, em sua parte 1, intitulada “A dialética de Hegel »em meio ao esterco das contradições«, que vai da pág. 468 a 515. A segunda parte será “A ontologia dialética de Hegel e as determinações de reflexão”
1. Introdução:
(515) (N)este estudo [Lukács] visa a restauração do contato com as grandes tradições do marxismo. (...) A necessária renovação do marxismo requer uma ontologia fundada e fundante que, (1)embora encontre na realidade objetiva da natureza uma base real para o ser social, (2) seja ao mesmo tempo capaz de descrevê-lo em sua simultânea identidade e diversidade para com a ontologia da natureza.
Como um trabalho preparatório para atingir esse objetivo Lukács analisa “as profundas antinomias no sistema de Hegel”
2. Exposição: análise das profundas antinomias do sistema de Hegel
1ª Antinomia: lógica homogênea X realidade heterogênea
(505) Já sabemos: a lógica cria um meio de pensamento homogêneo, cuja estrutura tem de ser qualitativamente diferente da realidade em si heterogênea o matematicamente homogeneizado tem de ser aproximado novamente da realidade objetiva pela ênfase e esclarecimento intelectuais do tipo de essência heterogêneo de seus componentes.
1ª-A. Ainda dentro dessa primeira antinomia surge a busca pela hierarquização do real.
(505) No âmbito da lógica é possível fazer uma hierarquização pela qual um conceito pode ser deduzido do outro; no âmbito do real não existe essa hierarquia. Tanto os organismos naturais quanto as formações sociais estão sujeitos às regras do surgir e desaparecer que não guardam uma hierarquia entre si.
Ao atribuir essa relação hierárquica à realidade, Hegel coloca a categoria posterior como a “verdade” da categoria inferior. Assim, a natureza animal é a verdade da vegetal, esta da mineralógica, a Terra é a verdade do sistema solar.
Com isso, o contingente é transformado em uma necessidade lógica, com o que a conexão legal causal adquire um inadmissível acento teleológico, que voltará a ser tratado em seguida.
2ª Antinomia: ontologia natural X ontologia social
Após atribuir esse estatuto de homogeneidade e hierarquia para a realidade natural, Hegel o estende para a realidade social.
(...) vemos novamente o esforço de Hegel para fazer da ontologia da natureza uma base subordinada para a sociedade (507)
Ainda nos encontramos, portanto, mesmo que em seus limites, imediatamente na esfera da natureza; como resultado é logicamente deduzido um imanente ir-se-para-além da natureza. [para o social?]
(508) Utilizando-se da categoria social do trabalho, Hegel considera o trabalho sob um duplo aspecto:
1. Por um lado, descobre o trabalho como aquele princípio em que se expressa a autêntica forma da teleologia, o ser-posto e a real realização do propósito através de um sujeito consciente; [ontologia autêntica]
2. por outro lado, essa autêntica categoria ontológica é inserida em um meio homogêneo do sistemático em que os princípios lógicos tornam-se dominantes; [falsa ontologia]
3ª antinomia: sistema X método:
Ao confundir sistema e método, Hegel atribui caráter lógico ao ontológico e vice-versa
Essa estrutura recorda fortemente aqueles sistemas teológicos nos quais Deus realiza criativamente a ideia previamente examinada a fundo. O sistema de pensamento lógico conduz, portanto, Hegel de volta a uma visão de mundo tradicional, já naquele tempo há muito superada. (510)
4ª antinomia: Religião X Filosofia
A posição de Hegel quanto à Religião é ambígua: ao mesmo tempo em que a desdenha, tendo em vista que “ela expressa, em patamar inferior da representação (Vorstellung), o mesmo conteúdo que apenas a filosofia é capaz de adequadamente conduzir a conceito.” (512) [imagem/representação concreta x conceito/abstração filosófica].
Aqui poderíamos pensar na passagem do mytos ao logos!
Ainda não é a consciência-de-si do espírito, que avançou até o seu conceito como conceito [pura abstração filosófica]: a mediação é ainda imperfeita.
Entretanto, esta [a representação/religião], de um lado, dá autonomia aos momentos do conteúdo do espírito absoluto, e faz deles pressuposições, uns para com os outros, e fenômenos que se seguem uns aos outros; e uma conexão do acontecer segundo as determinações finitas da reflexão. [portanto, também tem a sua importância] (513)
A religião enquanto representação (Vorstellung) poderia, então, sem introduzir contradições no sistema, ser tratada puramente historicamente como »re-cordação« (Er-Innerung) no sentido da »Fenomenologia«. (514) [algo utilizado para se alcançar o saber filosófico]
3. Conclusão/recaptulação
Como um trabalho preparatório para a apresentação de sua ontologia (uma ontologia que encontra na realidade objetiva da natureza a base do ser social, mas que ao mesmo tempo possa identificar as peculiaridades desse último), Lukács apresentou algumas antinomias no sistema de Hegel.
Destacamos aqui quatro antinomias:
1ª lógica homogênea X realidade heterogênea
2ª ontologia natural X ontologia social
3ª sistema X método
4ª religião x filosofia
Com isto chegamos ao ponto de mostrar as grandes descobertas dialéticas de Hegel, não apenas em casos isolados, que contradizem as falsas construções do sistema logicizado, mas de expor os fundamentos e princípios ontológicos fundamentais de sua dialética enquanto tal em suas conexões essenciais.
Debates:
Pediu esclarecimento sobre o método como determinante da realidade.
Destacou o contexto anterior.
Destacou a frase posterior. A frase destacada por Almiro trata de uma lógica pré Hegeliana. Lógica enquanto matematização. Hegel critica a matemática por ser um saber meramente formal, uma abstração da realidade. Em Hegel isso não acontece porque ele tenta propor uma lógica que seja a forma própria da gênese ontológica e, portanto, está ancorada na realidade e não é uma abstração formal.
Destaca que de acordo com a leitura de Almiro vai haver um problema nesse processo.
Na linha do que Flávio colocou, antes, no texto, Lukács faz um corte entre a lógica formal e a lógica dialética.
Destaca novamente o problema da hierarquia
Destaca a adesão de Lukács à teleologia do trabalho existente em Hegel.
Diz que não ficou clara a ambiguidade que Hegel atribui ao trabalho.
Questão do lugar das categorias no sistema, que traz em si o elemento da hierarquização.
A crítica a Hegel começa aqui, quando Hegel usa o trabalho como modelo de suas categorias e projeta isso para o anterior.
Ele tem um sistema teleológico e hierarquia. Isso geral uma tensão. O trabalho fica descolado do sistema.
Hegel critica a lógica pregressa por não ser dialética. A partir disso, Lukács critica a refundação da lógica de Hegel por não se dar conta das transformações da passagem da natureza inorgânica para a orgânica e depois para a social. Lukács procura colocar mediações nisso.
O trabalho em sua perspectiva teleológica, mas em um meio homogêneo, hierarquizado. Então, no final, isso gera uma tensão.
Lukács propõe uma história da ontologia. Nessa história, a consciência só aparece no ser social, mas em Hegel essa consciência aparece desde o início do processo. Para Lukács, a teleologia aparece no trabalho, sendo a chave do sujeito-objeto. Para Hegel, isso aparece desde o início. A hierarquia tem uma ambiguidade porque aqui trata da hierarquia enquanto dignidade, e não causal. Hegel deixa isso confuso. Com essa hierarquia, Hegel tenta fundamentar discursos que redundam na teologia, no direito, na política.... Aqui Lukács fecha os buracos históricos da legalidade do sistema (estritamente lógica) com uma autoridade do discurso.
Lukács está batendo em um ponto central no pensamento de Hegel e que ajuda a perceber porque a ontologia é falsa: tendo como pressuposto que em Hegel há uma identidade entre real e racional, não posso ter categorias do pensamento que precedam a ocorrência no real. Não posso ter categorias da razão que expliquem os fenômenos antes de eles terem se dado na história. Com isso, é como se o sistema implicasse uma espécie de ahistoricidade, o que é inadmissível do ponto de vista de Hegel. Não posso ter uma ontologia ahistórica. O processo revolucionário, em Hegel, é a razão acontecendo, não é algo que ocorre antes do real. Em Kant, as categorias (condições do pensamento) antecedem o real.
Faz sentido, assim, o presente contínuo; a ausência de historicidade. Por isso o espírito absoluto seria o máximo que se atingiria. Se não há historicidade, a consciência pode ser adquirida no presente constante. Como inserir o trabalho nessa perspectiva sistemática?
O paralelo com o arado é significativo do pensamento de Hegel. O instrumento demonstra o seu sentido na medida em que é usado, mas ele só existe dentro da finalidade em que foi feito. A técnica não acontece sem o processo em que ela é inserida e esse processo é teleológico.
O instrumento é a fotografia do processo da teleologia
Mas a partir disso, qual é a ruptura com a realidade?
O próprio instrumento não seria a materialização?
Lukács critica uma certa petição de princípio no pensamento de Hegel.
Hegel realmente tira a história? Parece que ele generaliza a história pelo instrumento de trabalho.
Se o processo histórico pode ser resumido como surgimento da matéria inorgânica, matéria orgânica e ser social, o que Lukács critica em Hegel é que ele usa um elemento final para explicar o conjunto.
Isso está adequado à ideia das generalizações, que já era uma crítica anterior de Lukács, sem as precisões das determinações específicas históricas.
A dificuldade está em perceber o que é Hegel e o que é Lukács. Hegel tem certeza de que está fazendo uma dialética histórica. A crítica de Lukács é pegar um elemento do ser social para explicar o ser orgânico e inorgânico. Com isso, Hegel tem um ponto de apoio exterior à história.
O instrumento carrega um conceito de evolução na relação do homem com a natureza? Por que o instrumento é destacado?
Chama a atenção para o nó entre teleologia e ontologia em Hegel. Qual o limite entre as duas. O fato de que consigo identificar a teleologia em determinados processos, não significa que isso já esteja desenvolvido, ou seja, que a ontologia já esteja dada.
Haveria uma teleologia sem ontologia?
Exemplifica com o arado, que estaria teleologicamente indicado, mas não ontologicamente.
Essa teleologia não faz sentido, pois a teleologia seria uma finalidade do mundo, e não só de um instrumento.
A premissa vai ser que uma ontologia do ser social é impossível sem o correto contrastar natural e a teleologia do trabalho, sem o revelar de suas concretas relações dialéticas. Hegel reconheceu isso.
Se estivéssemos falando de economia, estado ou direito... Hegel deixa claro que só consigo entender a ontologia dessas coisas quando elas acontecem, ao passo que a maior parte dos pensadores anteriores sempre buscaram a causa, explicando a ontologia de forma mecânica.
Nesse sentido o não-ser seria uma saída de possibilidade, não é o fundamento da teoria razão?
Tem a ver com prospectiva e retrospectiva. A causalidade está ligada a um processo histórico prospectivo. Hegel sustenta que só compreendemos os processos históricos no final desses processos, pois aí é que se revela a lógica que comandou esse processo (a coruja de Minerva). Novamente aqui fica difícil de identificar o que é Hegel e o que é Lukács. Segundo Lukacs, com isso Hegel teria desvendado o segredo da ontologia do ser social, uma ideia de Lukács.
A teleologia não aparece como o que sai do arado, mas o fato de se ter na ideia aquilo que vai se fazer com ele.
Hegel reconhece que trabalho é a finalidade do trabalho, mas a teleologia não seria apenas isso, mas pensar no trabalho circunscrito em um modo de produção.
A teleologia não está no bem que vai ser produzido, mas sim o arado.
As fruições são a finalidade.
Mas o arado é mais nobre. Então como fica a teleologia? Então o arado seria o elemento teleológico?
Não é o telos, a finalidade que é o mais importante. O telos se perde, mas o instrumento se conserva e, por isso, é mais nobre. Seria quase uma lógica inversa à aristotélica. O meio é mais importante porque se conservar historicamente.
Remanesce uma dúvida: qual é a teleologia de Lukács?
O decisivo mesmo é que o instrumento aumenta o poder do ser humano diante da natureza. O arado dá poder ao homem. Nobreza denota poder. O arado faz com que a humanidade tenha poder sobre a natureza. Em relação à teleologia, Hegel põe a ênfase na consciência. A consciência de quem produz é expandida. Para Lukács, a ênfase está na teleologia, e não na consciência. O arado cristaliza, representa isso.
Traz a questão da astúcia da razão, colocando no chat excerto da Enciclopédia da Ciência e da Lógica em compêndio. Traz também trecho em que Hegel fala da atividade de um fim em relação ao meio.
Hegel reitera em algumas passagens que o processo da consciência é um processo de se apropriar do mundo. Ao falar da astúcia da razão, lembra da mão invisível de Adam Smith. Os instrumento de trabalho permitem isso ao dominar a natureza e das pessoas que são reduzidas a insumos.
Não seria o Lukács voltando a ideia de que o instrumento do trabalho é o que determina o ser social, mas ele se diferenciando do Hegel porque o Hegel não dá um sentido ao instrumento. Hegel não dá uma finalidade ao instrumento.
Lukács reafirma que Hegel está colocando em um mesmo plano ontológico natureza e sociedade. Isso atrapalha o fato de ele reconhecer o trabalho como teleologia posta. Lukács não separa claramente o que é dele e o que é de Hegel. A finalidade do instrumento é dada pela natureza. A finalidade é a submissão do ser humano à natureza, mas é na tentativa de implementar essa finalidade que o ser humano vai dominar a natureza por meio do instrumento. A superioridade do ser social sobre a natureza está dada pelo meio pelo qual se dá conta da finalidade.
No limite, há um vislumbre da distinção entre economia de abastecimento e economia de acumulação de valor. A lógica de simplesmente consumir para manter a vida social não está necessariamente colocada quando se considera sendo nobre o acúmulo dos instrumentos de poder. Isso já em Marx.
| DHCTEM |
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