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RELATÓRIO - Reunião 27/05/2021 - Para uma ontologia do ser social, Georg Lukács (p. 475-477)

Relatório – Reunião 27/05/2021

Para uma ontologia do ser social (p. 475-477)


TEXTO: LUKÁCS, Georg. Prolegômenos e Para uma ontologia do ser social: obras de Georg Lukács. volume 13. Tradução Sérgio Lessa. Revisão Mariana Andrade. Maceió: Coletivo Veredas, 2018.


Continuação do Capítulo III: “A falsa e a autêntica ontologia de Hegel” (p. 475/477)


Ponto 1: A partir do parágrafo “Contudo, é aqui visível que a correção e a problemática conectam- se ao ontológico lugar central do presente na filosofia de Hegel” até “O paralelo entre ontologia lógica e ontologia histórica é aqui nitidamente visível: a coincidência de ideia e presente, portanto, para Hegel, não significa sem mais uma negação absoluta da mobilidade, mas meramente sua redução a deslocamentos no interior de um sistema cuja essência não é mais decisivamente transformável”.


Lukács começa esse trecho trazendo a questão do fim da história. O caminho que Lukács está traçando se organiza de forma que ele coloca o iluminismo como filosofia revolucionária, na tentativa de entender o que seria a ontologia a partir disso, e coloca Hegel como uma filosofia pós-revolucionária e, de certo modo, também não revolucionária, conservadora, porque o conceito de fim da história surge nesse momento. Começa a apontar para o surgimento do hegelianismo de esquerda e dali para Marx. O ponto de discordância entre os hegelianos de esquerda era justamente com relação ao conservadorismo de Hegel, da ideia de que a relação entre sociedade civil e Estado chegou no ponto em que a contraditoriedade não gera mais qualquer tipo de superação. Esse conceito de fim da história será retomado por Fukuyama, quase 1 século depois, a partir da perspectiva neoliberal, em que o neoliberalismo seria o verdadeiro fim da história. O conceito de fim da história é abordado por diferentes autores, diferentes momentos da história da filosofia burguesa, mesmo após Hegel, que vão decretando o fim da história.


Quando Lukács fala que “existente-em-si” no presente é existente com eticidade, seria o equivalente a dizer que essa teleologia não está alienada do sujeito. Assim, o dever não aparece como algo alheio, externo. O direito terá uma característica externa que atravessa a subjetividade das pessoas sobre as quais o direito domina. No entanto, se o direito, enquanto eticidade, está adequado ao presente, tal como Hegel coloca, então o dever perderia o sentido, porque parte da própria subjetividade do sujeito.


Além disso, em Hegel, se trabalha com a perspectiva evolutiva da consciência (a consciência sem determinações no seu início até a consciência plena, também sem determinações, quando alcançar o absoluto). Na perspectiva do absoluto, a ética não estaria no espírito objetivo, nem no subjetivo, mas no espírito absoluto. E nesse espírito absoluto se chega a uma relação de prática e essência que se consuma como definitiva e, por isso, presente. O presente seria, portanto, isso. O fim da história e o presente como uma constante. Isso traria um problema com a teleologia, pois se quando se chega ao presente, se alcançou algo, teria um outro tipo de teleologia. Como o presente teria sido alcançado com o advento da razão, talvez isso traga uma possibilidade de leitura. Isso é importante porque impacta na questão da ontologia, que busca compreender a relação entre o ser e dever-ser, tendo em vista o presente ser um elemento determinante do fim da história.


Esse trecho dialoga bastante com a percepção de qual seria o significado efetivo do fim da história e do presente na filosofia de Hegel e nas diversas manifestações em que se apresenta. Esse trecho deixaria claro que não é uma condição necessária em Hegel, de que o presente seja o fim da história. Para que o presente seja o fim da história é necessário ter uma coincidência entre o conceito e a realidade. Para Lukács, Hegel “não compreendia nem o presente nem o seu caráter de ponto último em um - absurdo - sentido literal”, trazendo como exemplo as possibilidades futuras da Rússia. Se pensamos na necessidade de coincidência entre realidade e conceito, seria possível pensar que o próprio Marx, se considerado como herdeiro da tradição hegeliana, estaria inserido nesse raciocínio, quando ele fala que o fim da dominação de classe encerraria o período da pré-história. Em Hegel, isso acaba se misturando com a concepção sobre o alcance do fim da história com a Revolução Francesa.


O exemplo trazido por Lukács com relação à Rússia traz um ponto que é central para Marx. Nos Manuscritos econômicos-filosóficos, Marx percebe a limitação dos fenômenos históricos observados no pensamento de Hegel. Para Lukács, Hegel dizia que o que ele entende não abrange toda a história. A partir de outras obras, Marx vai tentar resolver esse problema, ou seja, a partir de qual ontologia seria possível marcar uma diferença na leitura da história. É essa ruptura que Marx faz com a filosofia da história do Hegel, e, por isso, Marx passa a estudar mais detalhadamente a história das civilizações.


É importante destacar que o sujeito da práxis para Hegel seria o pensamento, a essência e o conceito. Para Marx seria o contrário, pois para ele o sujeito da práxis é a humanidade, os trabalhadores, e a essência da práxis seria a revolução socialista.


Uma das possibilidades discutidas sobre o conceito de fim da história em Hegel seria não o fim dos eventos e da possibilidade de eventos. O caminho da consciência que Hegel coloca como história, parece ser um caminho muito ligado com a relação que a consciência faz com a liberdade do sujeito. O conhecer, para Hegel, está muito ligado com ser livre. Para Marx não seria assim (quando ele fala do fetiche ele afirma que conhecê-lo não significa se libertar dele). Na fenomenologia, parece que Hegel dirá que o fim da história será a situação que a consciência realiza sua liberdade, então, não existiria mais passos da ideia necessários a se tomar, para que a consciência se entenda como livre. Para Hegel, o fim da história seria o ponto a partir do qual a consciência deveria acessar todo o conhecimento, ainda que outras coisas possam ser descobertas.


Ponto 2: “Essa posição contém dois importantes” até “como vemos com frequência em Hegel, o pioneiramente novo se mostra nos detalhes, enquanto o terreno como um todo com frequência não abandona o velho e ultrapassado”. (Obs.: Na página 476, onde está escrito “Com essa teologia, a teoria da história hegeliana”, deve ser lido como teleologia).


A teleologia não está nos grupos humanos, mas no processo como um todo. Na verdade, existe uma teleologia do processo como um todo. Talvez esse seja o ponto que demonstra que Lukács tem uma leitura hegeliana de Marx, porque ele vai defender que existe uma teleologia que é dada pela perspectiva ontológica do trabalho na conjunção dessas teleologias individuais de toda a humanidade. Ele insistirá na separação que ele vê em Hegel da teleologia de cada indivíduo ou de pequenos grupos de indivíduos como existente, mas como não determinante na perspectiva histórica, tendo em vista que nessa perspectiva a conjunção de todas essas teleologias vai resultar numa teleologia geral do processo baseada na ontologia do trabalho.

Nesse momento do texto, Lukács está colocando os fundamentos para chegar nesse caminho. Isso se conectaria com a discussão do ponto 1, no seguinte sentido: a existência ou não de um ponto de chegada, talvez não necessário, mas esperado, desse processo. Nesse sentido, seria possível entender o motivo pelo qual Althusser traz o materialismo aleatório, porque é difícil traçar o que é de fato um ponto de chegada necessário e um ponto esperado e, conforme ele tentou se afastar do ponto de chegada esperado, para retirar a teleologia do processo, não haveria mais qualquer tipo de objetividade. É necessário entender quais são as diferentes teorias da história que estariam propostas em todas essas discussões. Teria que ter algum sentido em Marx afirmar a questão de que estamos caminhando para o fim da pré-história e não para o fim da história, ao passo que no hegelianismo a discussão se coloca como fim da história. Hegel estaria muito mais próximo de um lugar que identifica o ponto de chegada necessário, do que Marx (que se afasta bastante disso - e Althusser vai mais longe e entra no aleatório). Lukács aparenta estar mais próximo de Hegel do que Marx, inclusive quando traz a questão do sujeito revolucionário. Então, é importante verificar qual a teoria da história que está por trás desse ponto específico.


Poderia se entender que tanto em Hegel quanto em Lukács, haveria uma tentativa de analisar a história de maneira científica, o que levanta um debate sobre qual seria o conceito de ciência. Existiria um problema em tentar conferir de maneira estrita o elemento da previsibilidade para a história, visto que a história é resultado de um processo de luta, contínuo. Ao falar de luta de classes, significa que existe a irredutibilidade do resultado, senão não haveria luta, seria algo teórico. O fazer da ciência requer um esforço de tentar, ao máximo, chegar nessa irredutibilidade. Disso surge a contradição, que muitos vão falar de um sujeito da história. Tentar entender a história a partir de um sujeito histórico vai falhar, porque não seria dessa forma que a história avança, pois a realidade se dá pelo conflito. No método de Marx não dá para falar em sujeito da história, pois não seria possível encaixar o elemento da classe.


Parece que a ideia seria a convergência do ser com o dever-ser e a finalidade estaria em uma perspectiva do dever-ser, sendo a ontologia a convergência entre ser e dever-ser, de forma que no plano da eticidade não sobraria nenhum espaço vago. Em uma perspectiva de história em Hegel, que Lukács passará a confrontar em breve, não daria para levar às últimas consequências. Isso traria uma ruptura de pensamento, quando se diz que a teleologia do sistema (e não do indivíduo) leva a uma convergência de forma coletiva da relação entre espécie e indivíduo. Se isso vai dar em algo, para o Hegel, a convergência entre ser e dever-ser em Lukács, que pode ter a teleologia no trabalho, ou, até mesmo na questão da ideação, isso teria uma diferença inclusive de finalidade, na questão teleológica. Teleologia sistêmica e não individual, a partir de um pressuposto específico de teoria da história, mas talvez Lukács carregue outra teoria da história. Talvez mude bastante as coisas o entendimento de que o ser e o dever-ser em Lukács e o ser social dessa convergência constituam um ser em relação ao trabalho.


O problema de pesquisa seria tentar encontrar em Lukács uma identificação do idealismo, o que restringe, de alguma forma, a percepção do todo e das complexidades da obra de Lukács. Importante se ater mais ao ator.

Sobre a tentativa de previsibilidade da história e sempre quando se pensa na teoria da história se pensa no comunismo, no futuro e existe uma dificuldade porque ainda não aconteceu.


Ponto 3: “Segundo, e em estreita conexão com isso, essa coincidência de ideia realizada e presente histórico é metodologicamente fundada em uma lógica” até “Sobre isso, menciona »que a matéria é o real em espaço e tempo«, estes todavia »devem para nós aqui preceder como o primeiro por causa de sua abstração«, em que já́ está contido uma intuição da conexão correta entre complexos e seus elementos”.


Pode se entender que o que Lukács tenta fazer é justamente encontrar uma maneira de estabelecer uma ciência previsível da história e a forma como ele faz isso é, primeiro, tentar definir o que é o real. A lógica seria a descrição sobre as regras em que o objeto se comporta. A relação entre ontologia lógica e teleologia parece ser uma tentativa de aplicar algo específico de um método científico à história.


A lógica hegeliana seria a mesma lógica de antes de Hegel? A resposta seria que não, mas Hegel vai refundar essa lógica ao dizer que a transformação das coisas não são uma nota de falsidade, como pressupunha o rigor da lógica anterior, de Aristóteles. Kant levou isso ao extremo e concluiu que nós só temos acesso aos fenômenos e não às coisas em si. Hegel não concorda com isso e propõe que a transformação das coisas é nota de falsidade. No entanto, ele ainda coloca nesse discurso o elemento ajuizador do verdadeiro e do falso. Hegel concatena a previsibilidade no tempo. Trazendo para Lukács, a lógica fará a ligação entre a ontologia e a teleologia, ou seja, esclarecendo a lógica acessamos o real e, acessando o real, entendemos a sua teleologia, seu desenvolvimento e futuro.


Nesse trecho, é como se Lukács trouxesse, como pano de fundo, uma ontologia e também o debate sobre a teleologia a partir da perspectiva analítica, sendo superado por uma perspectiva dialética. E esse ponto é muito interessante porque o que está sendo chamado de realidade são coisas diferentes a depender da perspectiva (analítica ou dialética). Esse é o abismo que esse parágrafo traz. A referência ao termo “ideia” no texto é a referência ao real, quando falamos em Hegel, ao passo que em uma perspectiva analítica, não faria sentido. A partir desse momento no texto, a discussão é sobre uma perspectiva dialética de discussão da “realidade”. O que pode gerar uma confusão é o uso do mesmo vocabulário, quando se fala em teleologia, ontologia, lógica. Esses termos serão usados de forma diversa na passagem da história de Kant para Hegel e isso ocorre porque Hegel está fundando um sistema de pensamento com bases totalmente diversas. Por exemplo, na perspectiva analítica, o outro é outro, há um corte de identidade, mas para Hegel, o outro é a transformação do mesmo, é parte do processo.


Obs.: Próxima reunião inicia na página 477, parágrafo começando em “Nas conexões ainda mais complicadas”.


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