RELATÓRIO - Reunião 30/09/2021 - Para uma ontologia do ser social, Georg Lukács (p. 530-533)
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Relatório – Reunião 30/09/2021
Para uma ontologia do ser social (p. 530-5334)
TEXTO: LUKÁCS, Georg. Prolegômenos e Para uma ontologia do ser social: obras de Georg Lukács. volume 13. Tradução Sérgio Lessa. Revisão Mariana Andrade. Maceió: Coletivo Veredas, 2018.
Trecho “Se se observa esse percurso (...)” (p. 530) até “(...) ativismo intelectual de Kant e Fichte” (p. 532).
Resumo do que Lukács apresenta:
Percurso gnosiológico de Hegel do entendimento à razão como fato que marca uma época, pois, diferentemente de seus antecessores e de seus contemporâneos, Hegel cria a base para o conhecimento de uma realidade complexa, dinamicamente contraditória, fundada sobre a totalidade, impondo assim a mais elevada razão realizável a toda esfera do conhecimento.
A teoria hegeliana do sujeito-objeto idêntico possui, segundo Lukács, aspectos que contêm embriões da mimese dialética. Na marcha hegeliana ocorre, simultaneamente, a marcha subjetiva e a marcha objetiva. Por um lado, há a conquista do mundo em geral pelo pensamento, isto é, do entendimento à razão, e por outro, um modo imediato de manifestação da realidade na direção de sua essência.
Atividade criadora do sujeito, no sentido kantiano, é rejeitada por Hegel. Para Hegel, essa atividade é tão somente um momento da indissolúvel interrelação de subjetividade e objetividade. Desse modo, temos que, na perspectiva hegeliana, ter uma atividade que favoreça, e não impeça, a revelação da essência e a suprassunção das formas fenomênicas imediatas.
DEBATES:
COMENTÁRIO: gostaria de fazer uma pergunta. Não consigo entender a relação entre a gnosiologia e a ontologia. Além disso, o autor nunca usa o termo epistemologia, mas sempre fala de uma gnosiologia dependente de uma ontologia.
COMENTÁRIO: Essa pergunta, pelo que me parece, relaciona-se com o papel da mimese. A diferença que entendo entre gnosiologia e ontologia faz referência a uma maneira filosófica de Lukács falar de materialidade, materialismo e idealismo. O autor tenta fazer isso adicionando algumas mediações filosóficas. Ainda não sabemos exatamente o motivo pelo qual o autor tenta adicionar essas mediações, mas parece que ele tem uma “bronca” com a postura da filosofia moderna, segundo a qual existe um abismo insuperável entre o cognoscível e o cognoscente. Se esse abismo é insuperável, o conhecimento é algo que se reporta sempre a si mesmo e não ao mundo (de certo modo, uma “viagem idealista”). Lukács aponta que a mimese desaparece da filosofia. Mimese como um processo de espelho do mundo, o qual está na intelectualidade, na teoria do conhecimento. O saber seria um discurso que, por meio de palavras, traduz os processos objetivos; algo subjetivo que reflete, isto é, não é igual, os processos objetivos do mundo. Há uma mimese, uma correspondência entre o subjetivo e o objetivo. O papel da razão e da ciência serão mais “corretos”, segundo Lukács, quanto mais miméticos forem. Parece-me que o autor não utiliza o termo epistemologia por uma escolha de vocabulário. Recordo-me do incomodo anterior que tivemos acerca da projeção de uma consciência nas coisas do mundo, como se a mesa tivesse uma própria consciência. Isso é exatamente o que é dito por Hegel quando ele fala que quem vê o mundo racionalmente é visto por ele também racionalmente.
COMENTÁRIO: Tentarei simplificar para a minha compreensão. Gnosiologia estaria ligada ao conhecimento, enquanto ontologia ao ser em si. Seria a relação, logo, entre a representação e o representado. A representação, contudo, depende do ser em si. Assim, a relação que mais se aproxima mimeticamente disso consegue ser mais “eficiente”/”efetiva”.
COMENTÁRIO: quando falamos que a coisa em si é inacessível (como Kant), não temos uma mimese. Temos, na verdade, uma capacidade de criticar os instrumentos de nossa própria razão (“só conseguimos ir até aqui”). Como não acessamos a coisa em si pela sua incognoscibilidade, não temos mimese.
COMENTÁRIO: o autor opta por gnosiologia e ontologia, deixando a epistemologia de lado, embora, às vezes, ainda que não perceba, opere na perspectiva epistemológica. Quando o autor descreve o procedimento em si, ele está sendo epistemológico. Quando ele discute o conhecimento e não o procedimento, ele está sendo gnosiológico. Lukács opera na gnosiologia a partir do ser e da representação do ser. Ao compreender esses processos metodológicos que são realizados pelo Hegel, Lukács está na epistemologia. Como sua gnosiologia se aproxima muito da epistemologia, ambas ficam em uma “zona nebulosa” quando se fala em epistemologia a partir de uma leitura hegeliana.
COMENTÁRIO: se pensarmos, de maneira um pouco grosseira, dentro de uma base kantiana, o desenvolvimento de uma teoria do conhecimento (como entendemos o próprio conhecer) não está fundamentalmente relacionado com o mundo objetivo, o que Hegel discorda.
COMENTÁRIO: diante dessas considerações, faz sentido pensar a coisa em si como importante para o procedimento e não para uma suposta autoconsciência da coisa em si.
COMENTÁRIO: fazendo uma abordagem caridosa com Kant, podemos retomar aquela frase “o olho que pretende ver-se a si mesmo”, o que é feito por muitas tradições filosóficas. Mas é impossível um olho enxergar a si mesmo. Para fins de ilustração: como Kant constata que o próprio olho não pode ver a si mesmo, há coisas que não acessamos (como nosso olho em si), mas, por meio da crítica, podemos apreender a partir das limitações impostas por tal situação. O que Lukács vai reivindicar é que conseguimos “acessar” essa coisa em si dialeticamente. Problema subsequente: para Lukács defender a mimese – o correto espelhamento, na consciência, dos processos objetivos –, o autor precisa enfrentar a “solução” hegeliana idealista da identidade entre o sujeito e objeto.
COMENTÁRIO: perspectiva importante para se pensar a questão da identidade e do “lugar de fala”. Qual a posição do ser em si na perspectiva da identidade e de sua representação. Não à toa os autores que reivindicam a “identidade” e o “reconhecimento” recorrem a Hegel.
COMENTÁRIO: há um deslocamento da perspectiva do conhecimento de Hegel em relação a Kant: o conhecimento passa a ter por objeto o conjunto de relações em que a coisa está e não as coisas mesmas. Isso não é pouca coisa, pois há um enorme deslocamento no que estava sendo feito até então da perspectiva analítica.
Trecho de É, portanto, legitimo considerar” (p. 531) até “(...) com muitas variações, essas linhas de desenvolvimento levam até o neopositivismo atual” (p. 533).
Resumo do que Lukács apresenta:
Ocorre que, segundo Lukács, nessa concepção de Hegel, a passagem ontológica do ser totalmente abstrato à essência bem mais determinada e concreta permanece uma declaração idealista, enigmática e inexplicável.
Essência é apreendida não apenas como parte ou etapa, como categoria isolada, mas como todo um complexo.
Lukács aponta que Hegel reconhecia que as categorias de essência, fenômeno e aparência são muito antigas. Tais categorias, contudo, apesar de conterem todos os conteúdos do mundo existentes, negam a correlação interna entre a aparência/o fenômeno e a essência.
Embora existam diversas concepções desses conceitos, Lukács afirma que prevalece uma ideia teológica de que a essência diz respeito ao Divino, enquanto aos seres humanos restaria apenas o mundo dos fenômenos e da aparência. O autor apresenta alguns exemplos de como essa concepção pode se sofisticar, tal como ocorre com Cardeal Belarmino e Kant.
DEBATES:
COMENTÁRIO: Se não percebemos a possibilidade de existência ontológica do ser em si, mesmo que ele não se autoexplique, temos um problema seríssimo de tornar a relação entre a coisa e a sua representação algo transcendental. Apesar do idealismo de Hegel, sua perspectiva da coisa em si potencializa a recusa da transcendentalidade.
COMENTÁRIO: Lukács, nos últimos parágrafos, segue o caminho que faz Hegel, partindo do entendimento – verdade como correspondência – à razão – um saber que sabe por trás de múltiplas determinações e que pensa sua relação com o “local” em que ele está situado. Os termos entendimento e razão não tem o mesmo significado em Hegel e em Kant. O saber da razão em Hegel tem uma relação procedimental com a coisa em si.
COMENTÁRIO: ideia de totalidade. Razão vai apreendendo o mundo no conjunto de suas relações, em oposição ao entendimento (que apenas opõe as coisas umas às outras). Razão justamente por compreender as relações; não isola os objetos.
COMENTÁRIO: Lukács exemplifica por meio do Cardeal Belarmino o que foi muito comum na filosofia anterior a Hegel, isto é, que o conhecimento não poderia se indagar acerca da natureza das coisas, pois essas coisas eram determinadas pela teologia. Caberia ao conhecimento, portanto, pensar a respeito das coisas “da origem” para a frente.
COMENTÁRIO: Hegel, mesmo deslocando a perspectiva teológica para a razão, não deixa de ser metafísico. A razão hegeliana é metafísica, diferentemente dos desenvolvimentos feitos por Marx, que “devolve” a razão para a materialidade.
COMENTÁRIO: O ser humano pode com a ciência, com a reflexão, chegar até a essência. É verdade que a essência das coisas não é uma produção do sujeito. Essência como conjunto de determinações que determinam certa coisa. Um fenômeno sociológico simples, um fato da conjuntura, por exemplo, o neofascismo, qual seria sua essência? Qual o conjunto de suas relações que são determinantes? Essa essência não é uma criação do espírito humano, tal como defende Hegel. A dificuldade me parece o “envergar da vara” em relação à crítica, ou seja, a predominância dos objetos e a rejeição da capacidade criativa/criadora do sujeito ativo. O sujeito que conhece perde qualquer papel criativo. Segundo Althusser, essa rejeição do papel ativo do sujeito é a base de todo empirismo apreensível. A ausência do papel criativo do conhecimento, da razão, da ciência para conhecer o objeto, gera desvios empiristas, afinal, os indivíduos que conhecem estão em distintos “locais” sociais – como, por exemplo, no “lugar de fala” em que o acesso à verdade se dá a partir de determinado “local” ocupado pelo sujeito (Porque o sujeito está em determinado local, ele teria acesso às determinações da realidade empírica). A ideia em Althusser é que a essência das coisas está presente no mundo, mas há uma distância a ser percorrida, distância entre as coisas e o conhecimento delas. No dia a dia, apreendemos as coisas ideologicamente. Apenas por meio da experiência vivida, não acessamos o funcionamento da realidade. Fazem-se necessárias a ciência, a teoria e a atividade produtiva humana. Produção do conhecimento vai negando a si mesma para descobrir a essência. Caso contrário, a essência seria, novamente, absoluta. A essência das coisas não é uma criação do ser humano, o que não significa que devemos prescindir da ciência.
COMENTÁRIO: concordo com bastante do que você colocou. Para Hegel, na crítica imanente, temos que descobrir o “padrão de medida” do objeto criticado para, a partir disso, acompanharmos a crítica que é realizada pelo próprio objeto criticado. Se o papel dos seres humanos for apenas a acompanhar o autodesenvolvimento crítico do objeto, poderíamos dizer que a revolução seria espontânea/automática. Isso porque a sociedade capitalista está posta no mundo concreto, ela apresenta seu próprio padrão/medida de crítica e critica a si mesma a todo momento, de modo que bastaria, então, acompanhar a critica da sociedade que se “revolucionaria sozinha”. A perspectiva kantiana do sujeito deve ser rejeitada, o que não significa, entretanto, a adesão incondicional à perspectiva hegeliana que parece rejeitar por completo a atividade criadora do sujeito. Parece-me, além disso, imprescindível pensarmos a questão da dominação para refletirmos sobre a crítica e a atividade do sujeito, uma vez que, em última instância, quem decide sobre o que é a “verdade” é a luta de classes, a força.
COMENTÁRIO: nos primeiros capítulos da obra, Lukács fala sobre a teoria da dupla verdade proposta pelo Cardeal Belarmino. Lukács trata deste autor, pois sua teoria, ao que me parece, tem consciência da autoridade pressuposta do conhecimento. Todo conhecimento tem, de maneira mais ou menos engajada, uma proposta de autoridade, de poder (proposta política). O que Belarmino tentou fazer foi manter a autoridade da Igreja frente às ciências. Lukács critica que Kant, por exemplo, vai renunciar algo essencial, isto é, vai “abrir mão” de disputar a autoridade. Vale destacar que Hegel escreve em um momento de ascensão da burguesia, de mudança da classe dominante. A filosofia, no curso da história, tem um caráter bastante conservador, pois reduz a possibilidade de compreensão do mundo a uma experiência individual, como se o mundo fora do indivíduo fosse passivo (subjetivismo metodológico que só é superado inicialmente por Marx). A luta de classes significa que no limite não há como garantir o resultado de um choque social. Filosoficamente, tentamos conceituar as coisas para conseguir prever o resultado. Isso, contudo, é limitado pela luta de classes, pela violência. A essência não é criação humana? “Sim e não”. A essência não é uma criação humana subjetiva. Por outro lado, é absurdo tentar conceber objetos fora da relação que o conhecimento tem com eles. As coisas existem para fora da nossa cabeça, como apontou Marx. Dialeticamente, toda vez que nos debruçamos sobre um objeto, algo dele se transforma. Nesse sentido, algo do objeto é criado por nós. Se reduzirmos, contudo, o conhecimento ao fetiche do sujeito que pensa, excluindo a luta de classes, recaímos no idealismo que é criticado por Marx.
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