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RELATÓRIO - Reunião 24/04/2018 - Textos do “Gramsci Maduro” - Tema: relações de força.


Relatório – Reunião 24/04/2018

Tema: relaçõesde força

Presentes: Alexandre De Chiara, Deise Martins, Flávio Roberto Batista, Gabriela Caramuru, Júlia Lenzi, Leila Giovana Izidoro, Lucas Cabreira, Thamíris Evaristo, Marcus Orione, Pedro Tarozzo, Regiane Moura, Rodrigo Maluf, Thiago Arcanjo, Ticiane Natale.

  • TEXTO – GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere – Vol. 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p. 19-20; p.21-22; p.36-46 (notas 2, 3, 4, 5 e 17).


Publicação original. O texto Cadernos do Cárcere foi escrito entre 1891-1937. Especificamente iremos tratar do Volume 3 – Maquiavel. Notas sobre o Estado e a política.


Edição brasileira. Nota prévia de Carlos Nelson Coutinho explica que o próprio Gramsci dividiu os “Cadernos do Cárcere” em “cadernos especiais” – mais tardios, agrupamento de notas sobre temas específicos; e “cadernos miscelâneos” – apontamentos de diferentes assuntos. O Volume 3 reúne dois “cadernos especiais” dedicados à Maquiavel e mesmo os “cadernos miscelâneos” abordam temas relativos à Maquiavel ou à política, em geral. Vamos trabalhar com algumas notas do Caderno 13 (1932-1934): 11 breves notas sobre a política de Maquiavel, formadas por textos “C”, ou seja, textos que Gramsci cancela e retoma com maiores ou menores alterações (Nota prévia - p.8).


Leitura. O caráter fragmentário das notas e a pluralidade de temas torna difícil aprender o caráter orgânico da reflexão de Antonio Gramsci. Além disso, os autores com os quais Gramsci dialogava não têm suas obras traduzidas para o português. A partir da leitura de hoje, podemos destacar pelo menos sete autores citados na obra de Gramsci: Gaetano Mosca, Gioacchino Volpe, Francesco Saverio Nitti, Ugo Foscolo, Giovanni Giolitti, Gaetano Salvemini e Albert Mathiez. No entanto, o autor com quem ele vai dialogar, essencialmente, nas notas selecionadas do Caderno 13 – Volume 3 é Nicolau Maquiavel, sobretudo a partir de sua obra O príncipe (1513) e, subsidiariamente, de seu livro A arte da Guerra (1519-1520).


Tema: Relações de força. Não se pode entender adequadamente a luta hegemônica, a constituição da sociedade civil e seus elos com o Estado stricto sensu e nem a formação de uma consciência crítica da realidade sem remeter-se ao conceito de relações de força.


Nota 2:


1. Estudo das situações e do que se deve entender como “relações de força”. (§2, p.19) As situações seriam justamente como são estabelecidos os diversos níveis de relação de força. O estudo sobre esse tema pode servir para uma exposição elementar de ciência e arte política, entendida como um conjunto de regras práticas de pesquisa e de observações úteis para despertar o interesse pela realidade efetiva e suscitar intuições políticas mais rigorosas e vigorosas. “Ao mesmo tempo, é preciso expor o que se deve entender em política por estratégia e tática, por ‘plano’ estratégico, por propaganda e agitação, por ‘orgânica’ ou ciência da organização e da administração em política”.


Observações:

Foi ressaltada durante o debate a utilização do conceito de relações de força na construção do conceito de hegemonia de Gramsci. A escolha pelo livro O príncipe faz sentido, justamente porque Maquiavel tratava de relações de força. Foi mencionado certo incômodo com Gramsci, com relação ao fato de ele criar uma teoria marxista para a política. Foi discutido o problema do método, se perguntam se tem materialismo histórico dialético, se seria empirismo histórico dialético. Porque a teoria política invoca a necessidade de uma mediação mais imediata e mais urgente. Falou-se sobre uma retomada dos problemas leninistas, porque Gramsci trata de agitação e propaganda e Lenin, em O que fazer?, também trata da diferença entre agitação e propaganda. Gramsci estaria retomando esse debate na questão da organização.


Foi apontado que há uma diferença entre teoria marxista da organização, na política, e uma teoria política marxista. Dúvidas sobre como elas se relacionam e se podem ser entendidas como separadas. Porque quanto mais perto da realidade, mais contradições e as possibilidades vão ficando cada vez mais difusas.


Foi mencionado que em cada um dos textos aparece um conceito da fraseologia que a esquerda institucional utiliza; no caso, “relações de força”. O incômodo com Gramsci foi entendido também no sentido de que o autor parte de um nível e de uma análise que já é O que fazer?, e ele não trata de relações básicas marxistas (o que é mercadoria, o que é dinheiro, etc). Ele faz uma divisão entre economia e política, e se foca nesse último campo, a partir da teoria das classes sociais, que é de onde sai também o conceito de “relações de força”.


Foram apontadas dúvidas quanto à especificidade do conceito de “relações de forças” no capitalismo, já que se pode estender tal conceito para outros contextos (ex. pré-revolução francesa). Apesar disso, Gramsci consegue trabalhar o que é a especificidade do Estado capitalista, e, nesse sentido, ele avança ao falar da construção da hegemonia. Outro ponto abordado foi como a correlação de forças determina o que é o Estado (ponto 21 aborda essa questão), porque o autor já evidenciava essas contradições dentro do Estado.


Aproximou-se a questão da autonomização da política em Gramsci de Poulantzas e das instâncias políticas de Althusser. Apontou-se a aproximação entre Gramsci e o desenvolvimentismo, o que se torna evidente a partir das leituras do autor e nos faz entender a construção da esquerda na faculdade, da Consulta Popular, etc. Nesse sentido, foi feita uma crítica a uma possível leitura de Gramsci que esteja mais preocupada com a tecnologia de como lidar com determinados conceitos do que propriamente com a teoria que explique no que eles consistem. Ressaltou-se que, para uma prática marxista, precisamos dos dois aspectos e foi chamada atenção para não acabarmos fazendo da tecnologia uma teoria.


Também foi mencionado o texto ‘Piccolo’, Bertolazzi e Brecht: notas sobre um teatro materialista, em que Althusser faz uma crítica ao conceito de práxis de Gramsci, no sentido de que ele era muito prático e acabava tirando o aspecto cientifico da análise. Essa seria uma critica a um empirismo histórico dialético de Gramsci. Questionou-se se nós não estaríamos encontrando um erro metodológico em Gramsci, não em relação ao empirismo, mas sim ao foco na política. Como exemplo, foi mencionada a passagem de Stucka para Pachukanis, na identificação do caráter do direito e sua relação com a luta de classes. Colocou-se uma aproximação entre Gramsci e Stucka nesse sentido, pois os problemas estariam, respectivamente, no enfoque meramente político e não da economia política e, no enfoque de conteúdo e não da forma jurídica.


Questionou-se se a política está no conteúdo ou na forma. Frisou-se que não existe crítica da forma sem luta de classes. Mencionou-se que a correlação de forças não seria necessariamente específica do capitalismo, colocando como exemplo as disputas de poder na monarquia. E que nesse sentido, em Gramsci, a política ficaria muito autonomizada, assim como os conceitos do método. Nesse sentido, foi colocado que caberia uma pesquisa do que afasta Gramsci de Lenin: seria a questão da organização do partido?


Foi colocado que há sutilezas em estudar só a forma, pensando no debate entre forma e conteúdo e nas formas sociais, porque quem estuda forma às vezes cai em indeterminações. Não é um defeito da forma, mas sim de como nós a interpretamos. Dessa forma, estudar a hegemonia nos ajuda a fazer essa determinação. Colocou-se como exemplo a banca do Pablo Biondi, sobre direitos humanos como forma específica do modo de produção capitalista, que essa especificação muito direta não é tão direta assim porque tem muitas questões no meio. O problema é fazer várias determinações e voltar sempre para aquela que é a sobredeterminante, da qual se extraem as demais. No caso, seria uma sobredeterminação reflexiva, que em Althusser aparece só de um lado, dando e não recebendo. Então, a sobredeterminação dialética tem um problema que é te levar a infinitas possibilidades. Às vezes, Gramsci parece fazer isso.


2. Os elementos de observação empírica deveriam ser situados nos vários níveis da relação de forças, a começar pela relação de forças internacionais, passando em seguida às relações objetivas sociais, isto é, ao grau de desenvolvimento das forças produtivas, às relações de força política e de partido (sistemas hegemônicos no interior do Estado) e às relações políticas imediatas (potencialmente militares). “Toda inovação orgânica na estrutura modifica organicamente as relações absolutas e relativas no campo internacional, através de suas expressões técnico-militares” (§2, p.20). Até mesmo a posição geográfica de um Estado nacional segue logicamente as inovações estruturais, ainda que em alguma medida reagindo a elas (?).


Observações:

Tais posições geográficas têm a ver com a questão simples de ampliar ou diminuir o tamanho do Estado. Foi colocado que hoje em dia não funciona assim, dando como o exemplo o fato de que os EUA não anexaram as Filipinas. Então há uma dificuldade de entendimento porque atualmente essa questão se dá de outras formas.


3. Relações internacionais. Reagem passiva e ativamente sobre as relações políticas de hegemonia dos partidos. “Quanto mais a vida econômica imediata de uma nação se subordina às relações internacionais, tanto mais um determinado partido representa esta situação e a explora para impedir o predomínio dos partidos adversários”. Menciona “famoso” discurso de Nitti sobre a revolução italiana tecnicamente impossível (?).


Observações:

Nesse sentido, a Itália estaria na periferia, porque os países ditos “desenvolvidos” não precisariam ser nacionalistas para se adequar ao modo de produção, porque justamente eles é que dão as cartas.


4. O chamado “partido do estrangeiro” é precisamente o partido mais nacionalista, que, na realidade, mais do que representar as forças vitais do próprio país, representa sua subordinação e servidão econômica às nações ou grupo de nações hegemônicas. Uma referência a este elemento internacional “repressivo” pode ser encontrado nos artigos publicados por Volpe em março de 1932, nos quais ele afirma sobre a “revolução” fascista: “Ela havia tido limites demarcados previamente por sua própria natureza e pelas finalidades que se propusera: pela necessidade de não dificultar em demasia as relações da Itália – país centralíssimo, não isolável, não autônomo economicamente – com o resto do mundo”. (rodapé 8, p. 360).


Observações:

Frisou-se que foi uma sacada de Gramsci estabelecer uma relação entre nacionalismo e os interesses internacionais do capital. O autor fala “com frequência” no texto, por isso foi questionado se isso pode ser transportado para outras realidades ou se foi uma análise específica da época. Um exemplo mencionado foi o de Getúlio Vargas na década de 1930, porque ele fortaleceu o Estado nacional com uma aparência de nacionalismo exacerbado (“O petróleo é nosso”), que na verdade era uma adequação ao modo de produção capitalista e que, de certa forma, fazia parte do plano de criação de uma burguesia internacional. O fascismo foi algo semelhante, localizado na história da Itália, mas que tem a ver com o que discutimos no Brasil dos anos 1920 até hoje.


Por outro lado, foi colocado que até as revoluções socialistas colocam essa questão do nacionalismo, da nação que se expande para outros países. Foi lembrado também que Hayek já falava sobre a criação da União Europeia em 1929. Por isso, houve essa tensão de que a Itália precisava se adequar, até levando em consideração que juntamente com a Alemanha, teve criação de seu Estado nacional tardiamente em comparação com o resto da Europa. Mas é importante lembrar que já existia um projeto de internacionalização do capital, que vai se intensificar na década de 1960-1970. Então era necessário consolidar a Nação naquele momento antes de não se precisar mais dela.


Foi utilizado o nacional desenvolvimentismo como exemplo. No sentido de que ele seria uma forma de construir duas classes (buguesa e trabalhadora), para que haja luta de classes. Nesse sentido, o nacional desenvolvimentista marxista acreditaria que não dá para fazer luta de classes sem passar pelo capitalismo, porque senão não vão ter essas duas classes específicas do capitalismo. Foi mencionado que nós já discutimos a questão do etapismo, do fracasso da Revolução Russa por conta da não existência de uma etapa capitalista anterior.


Nesse sentido, colocou-se uma crítica ao nacional desenvolvimentismo brasileiro, que pregava a necessidade de uma burguesia nacional, enquanto a burguesia nacional se dizia internacional. Ou seja, pode ser que a esquerda discuta o nacionalismo e o capital discuta relações internacionais. Foi colocado que há muitos gramscianos que se colocam como althusserianos, ressaltando a importância da consolidação nacional, quando o próprio Gramsci coloca que não e que há questões por trás desse discurso.


Frisou-se que o partido mais nacionalista é o partido mais estrangeiro e não o contrário. Gramsci utiliza o termo “partido do estrangeiro” como forma de qualificar os partidos nacionalistas. Foi colocada a ideia da Terceira Etapa, do Morenismo, no sentido de que mesmo revoluções feitas por setores da pequena burguesia em determinados países apontam para a construção de expropriações, como aconteceu no Vietnã e na Coréia. Esses exemplos mostram que o partido nacionalista é estrangeirista, porque a URSS foi uma potência na conjuntura de relações internacionais e na geopolítica do capitalismo. Foi defendido que inclusive no contexto da descolonização poderia ser colocado que o nacionalismo está relacionado a uma luta de classes dentro do capital. Houve discussão sobre os processos de descolonização, porque outros acreditavam que o nacionalismo teria um componente de classe ao lutar contra a dominação estrangeira, o que é diferente de um lugar que tem um Estado nacional já constituído como era o caso da Itália. Porque neste último caso se substitui o debate de classes por um debate de união nacional. O proletariado nacionalista em um país descolonizado só poderia ser desenvolvimentista. Também foi colocada uma discussão no trotskismo, que um caráter nacionalista pode ter um caráter revolucionário, a depender do contexto, por exemplo, em países dependentes ou subjugados pelo capitalismo.


Foi chamada atenção para o fato de que Gramsci estava falando de uma questão específica. Concluiu-se que Gramsci não está fazendo uma análise orgânica, mas sim conjuntural, falando especificamente do Partido Fascista Italiano.


Nota 3:


5. Maquiavel e a necessidade de um Estado unitário italiano. (§3, p.21) Para Gramsci, Maquiavel foi levado a esta concepção politica da necessidade de um Estado unitário italiano não apenas pelo modelo das monarquias absolutistas da França e Espanha, mas pelo passado de Roma. No livro VII da Arte da guerra, pode-se ler: “Esta província (a Itália) parece ter nascido para ressuscitar as coisas mortas, como se viu no caso da poesia, da pintura e da escultura”, Gramsci pergunta, então, por que não recuperaria a virtù militar? E passa a elencar outras alusões a essa questão.


Nota 4:


6. Afirmação de Ugo Foscolo, nos Sepolcri (Túmulos). (§4, p.21) Segundo a qual Maquiavel, “temperando o cetro aos soberanos,/cresta seus louros, e à gente revela/quanta lágrima o banhe, e quanto sangue”. Foscolo atribuiria aqui a Maquiavel um intento fundamentalmente “moralista” e, portanto, não político, que queria O príncipe como subterfúgio para amestrar os governantes e desvelar de fato aos súditos a verdadeira natureza do poder, sempre fundado sobre o sofrimento (lágrimas) e sobre os delitos (sangue). Maquiavel com sua obra mira principalmente a “educar” o povo para odiar os tiranos, por isso que no Q 13, 25, Foscolo é associado a Rousseau e a Mazzini como arautos de uma interpretação romântico-liberal de Maquiavel, que descontextualiza a obra do autor.


7. Segundo Gramsci, o significado conceitual dos versos de Sepolcri devia ser decifrado em outra chave: Maquiavel, animado pelo objetivo de instruir os governantes, perseguiria o fim de desmistificar a “sacralidade” do poder; em outros termos, a ciência política seria útil tanto aos governantes como aos governados para se compreenderem reciprocamente. No entanto, nem mesmo essa visão convencia Gramsci, cujo pensamento aspirava, ao contrário, à concreta ação política e com o seu livro apontava para um novo sujeito coletivo (“o povo” e a “nação” italiana, a “democracia cidadã”) (vol.3, p. 55), a necessidade de aderir a uma concepção política absolutamente realista.


Observações:

Comentários relacionados ao fato de que Maquiavel estava pensando na centralidade do Estado Moderno.


Nota 5:


8. Grande política (alta política) e pequena política (política do dia-a-dia). (§5, p. 21) “A grande política compreende as questões ligadas à fundação de novos Estados, à luta pela destruição, pela defesa, pela conservação de determinadas estruturas orgânicas econômico-sociais”. “A pequena política compreende as questões parciais e cotidianas que se apresentam no interior de uma estrutura já estabelecida em decorrência de lutas pela predominância entre as diversas frações de uma mesma classe política”. “Portanto, é grande política tentar excluir a grande política do âmbito interno da vida estatal e reduzir tudo à pequena política (Giolitti, baixando o nível das lutas internas, fazia grande política; mas seus súcubos, objeto da grande política, faziam pequena política)”.


9. Giovanni Giolitti foi um líder político de grande importância no período da monarquia liberal italiana, ele representava a indústria do Norte e queria destruir a força retrógrada dos proprietários de terra para dar à nova burguesia um espaço mais amplo no Estado. Mas ele compreendeu que era preciso fazer concessões a fim de evitar danos maiores e controlar o desenvolvimento político do país: aproximação com reformistas do PSI, dos católicos, por meio do Pacto Gentiloni (1913). Essa manobra significou um esforço para evitar a desintegração do bloco urbano. Ele compreendia uma grande politica, porque estava empenhado na defesa e na conservação de determinadas estruturas orgânicas econômico-sociais. A grande política de Giolitti consistia também em tentar excluir a grande política do âmbito interno da vida estatal e reduzir tudo a pequena política. Sua política era grande na medida em que mantinha as massas populares excluídas da política, ao fazer da “pequena política” o meio para esvaziar o Parlamento do seu poder real.


Observações:

Este foi considerado um ponto importante ao demonstrar como é estratégico colocar em termos de pequena política para que a grande política não faça parte da arena do debate. Entendeu-se que a pequena política reproduz a lógica do capital. Foi mencionado que em toda eleição o útero das mulheres é leiloado, como por exemplo podemos ver hoje. Foi mencionada a Carta de Dilma aos brasileiros como a carta contra o aborto, bem como os debates de gênero nas escolas que foram chamados de “kit gay”. Questiona-se o que seria a pequena politica então. Conclui-se que seriam as intrigas e seria colocada no campo reformista, que se faz disso o centro, mas se fala de coisas que não tem potencial revolucionário.


10. Política internacional. “É coisa de diletantes pôr as questões de modo tal que cada elemento de pequena política deva tornar-se questão de grande política, de reorganização radical do Estado"; mesmos termos na política internacional. 1) grande política nas questões relacionadas com a estatura de cada Estado nos confrontos recíprocos; 2) pequena política nas questões diplomáticas que surgem no interior de um equilíbrio já constituído e que não tentem a superar aquele equilíbrio para criar novas relações.


11. Maquiavel e a grande política. Maquiavel examina a criação de novos Estados, conservação e defesa de estruturas orgânicas em seu conjunto, questões de ditadura e de hegemonia em ampla escala. Luigi Russo, nos Prolegomini, faz de O príncipe o tratado da ditadura (momento da autoridade e dos indivíduos) e dos Discorsi o tratado da hegemonia (momento do universal e da liberdade). Em O príncipe não faltam referencias ao momento da hegemonia ou do consenso, ao lado daquele da autoridade ou da força. Por isso considera justa a observação de que não há oposição de princípio entre principado e república, mas se trata de hipóstase dos dois momentos de autoridade e universalidade. A autoridade não seria, para Gramsci, apenas o impedimento ao completo desdobramento da liberdade, mas também um elemento funcional ao desenvolvimento humano quando sua “origem for democrática”, ou seja, se a autoridade for uma função técnica especializada e não um “arbítrio” ou uma “imposição extrínseca e exterior” (vol.3, p. 309).


Observações:

Foi reforçada a relação entre Maquiavel e a subjetividade jurídica, na perspectiva, a partir do Estado, da ampliação da universalização da subjetivação, o que é importante para entender o Direito. Foi colocado que no contexto democrático também tem a questão da dominação, pelo consenso. E quando falhar o consenso, se impõe a força da autoridade. Foi mencionado que essa discussão tem a ver com a questão dos aparelhos coercitivos e dos aparelhos ideológicos do Estado de Althusser. Foi colocado um problema no conceito de ideologia do Althusser, porque se acredita que o príncipe autoritário não é um príncipe ideologizado. Dá a impressão de que não existe ideologia nos aparelhos repressivos, mas só nos ideológicos. Esse é um problema do Althusser que Gramsci estaria desmistificando, que existe ideologia nos aparelhos repressivos e nos ideológicos.


Nota 17:


12. Análise das situações: relações de força. Problema das relações entre estrutura e superestrutura que deve ser posto com exatidão para se chegar a uma análise das forças que atuam na história de um determinado período e determinar a relação entre elas. Para desenvolver uma boa análise das situações, é necessário mover-se no âmbito de dois princípios: 1) o de que nenhuma sociedade se põe tarefas para cujas soluções ainda não estejam em via de aparecer e se desenvolver; 2) o de que nenhuma sociedade se dissolve e pode ser substituída antes que se tenham desenvolvido todas as formas de vida implícitas em suas relações. A humanidade se propõe sempre apenas os objetivos que pode alcançar, pois vemos que estes objetivos só brotam quando já existem ou, pelo menos, estão em gestação as condições materiais para a sua realização. Em outras palavras, é necessário levar em conta, na análise das relações de força e das situações, tanto o momento subjetivo (encargos impostos, o “dever ser”) quanto o momento objetivo (o “ser”, o desenvolvimento de formas de vida necessárias para que as tarefas sejam realizadas).


Observações:

Mencionou-se que esse trecho faz menção ao prefácio da Crítica da economia política, de Marx. Foi colocado que para Althusser são as relações de produção que desencadeiam o processo de crise, ao contrário da maioria dos marxistas que acreditam que sejam as forças produtivas. Questionou-se se o Gramsci estaria falando que não são as forças produtivas que vão na frente e que as relações de produção é que mudam as forças produtivas. Leu-se a nota de rodapé para sanar a dúvida sobre os colchetes colocados pelo Gramsci, que conseguiu colocar na margem. Concluiu-se dessa leitura que as forças produtivas ainda estão no foco, que o Gramsci estaria reivindicando isso.


13. Dois movimentos no estudo de uma estrutura. 1) Movimentos orgânicos (relativamente permanentes), dão lugar à crítica histórico-social, que envolve grandes agrupamentos. 2) Movimentos de conjuntura (que se apresentam como ocasionais, imediatos, quase acidentais), dependem dos movimentos orgânicos, mas seu significado não tem um amplo alcance histórico, pois dão lugar a uma política pequena, do dia-a-dia, que envolve pequenos grupos de dirigentes imediatamente responsáveis pelo poder.


14. Exemplo. Crise que se prolonga por dezenas de anos, durante os quais se revelam contradições insanáveis na estrutura. Há forças políticas que atuam para conservar e defender a própria estrutura, se esforçando para sanar tais contradições dentro de certos limites. Esses esforços incessantes formam o terreno do “ocasional”, no qual se organizam as forças antagonistas que tendem a demonstrar que já existem as condições necessárias e suficientes para que determinadas tarefas possam e devam ser resolvidas historicamente.


Observações:

Questionou-se se o conceito de movimento orgânico seria relacionado ao conceito de intelectuais orgânicos. Nesse sentido, seria o intelectual orgânico o que faz grande política ou o significado de orgânico aqui é outro? Concluiu-se que o intelectual orgânico está mais intimamente ligado à classe, mas não com o fenômeno orgânico. O discurso do intelectual orgânico pode ser de pequena ou de grande política, o conceito de “orgânico” não teria a ver com a essência dele. Frisou-se, por outro lado, que Gramsci estaria focando nos movimentos orgânicos, que o intelectual orgânico seria outra coisa. Alguém ressaltou que o intelectual orgânico mesmo fazendo pequena politica seria um intelectual da grande política. Foi mencionado que esta é uma análise que enriquece, porque geralmente o intelectual orgânico é visto a partir da perspectiva de classes e, nesse sentido, estruturalmente sempre estaria na grande política. Concluiu-se que essa questão era de dificuldade de resolução pela estrutura do texto.


15. A distinção entre fenômenos orgânicos e fenômenos de conjunta é articulada com outra distinção fundamental da ciência da política de Gramsci, aquela entre a pequena e a grande política. A confusão entre esses dois níveis da realidade político-social tem graves implicações. “O erro que se incorre equilíbrios em que os interesses do grupo dominante prevalecem, mas até determinado ponto, ou seja, não até o estrito interesse econômico-corporativo” (vol.3, p.42), vê-se o papel decisivo que a noção de relações de força tem na definição gramsciana de Estado.


16. Erro frequente das análises histórico-políticas consiste em não saber encontrar a justa relação entre o que é orgânico e o que é ocasional. Por exemplo, ao expor como imediatamente atuantes causas que, na realidade atuam mediatamente ou afirmar que causas imediatas são as únicas causas eficientes. No primeiro caso haveria um excesso de “economicismo” ou doutrinarismo pedante, em que se superestimam as causas mecânicas; no segundo caso, haveria um excesso de “ideologismo”, exaltando-se o elemento voluntarista e individual. Conclui que o erro está ligado aos próprios desejos e paixões baixam e imediatas (auto engano), na medida em que substituem uma análise objetiva e imparcial.


17. Concepção liberal vulgar e o sindicalismo. O fato de não se levar em consideração o momento imediato das “relações de força” liga-se a resíduos da concepção liberal vulgar, da qual o sindicalismo é uma manifestação que acreditava ser mais avançada, quando na realidade era um passo atrás. Na realidade, a concepção liberal vulgar, ao dar importância à relação das forças políticas organizadas nas diversas formas de partido, era mais avançada do que o sindicalismo, que dava importância só à relação fundamental econômico-social. A concepção liberal vulgar também levava em conta essa relação, mas focava na relação das forças políticas, que na realidade era expressão da outra e a englobava. “Estes resíduos da concepção liberal vulgar podem ser encontrados em toda uma série de análises que se dizem ligadas à filosofia da práxis e deram lugar a formas infantis de otimismo e de estupidez”(§17, p.38).


18. Exame de fatos históricos concretos. Exemplo da França, de 1789 a 1870. De fato, só com a tentativa da Comuna (1870-1871), esgotou-se historicamente todos os germes nascidos em 1789, porque não só a nova classe que luta pelo poder derrota os representantes da velha sociedade que não quer confessar-se superada, mas derrota também os novíssimos grupos que consideram já ultrapassada a nova estrutura surgida da transformação iniciada em 1789. Com esses acontecimentos, também perde eficácia o conjunto de princípios de estratégia e tática política nascidos praticamente em 1789 e desenvolvidos ideologicamente em torno de 1848.


19. “Ondas” de oscilação que permitem reconstruir as relações entre estrutura e superestrutura e entre o curso do movimento orgânico e do movimento da conjuntura. As contradições internas da estrutura francesa após 1789 só encontram relativa composição com a Terceira República e a França passa a ter 70 anos de política equilibrada após 80 anos de transformações em ondas cada vez mais longas. Para Gramsci, o estudo dessas ondas é que permite reconstruir as relações entre estrutura e superestrutura, por um lado; e, por outro, entre o curso do movimento orgânico e o curso do movimento de conjuntura da estrutura. A mediação entre os dois princípios metodológicos (estrutura e superestrutura) pode ser encontrada na formula político-histórica da revolução permanente.


Observações:

Frisou-se o conceito de “revolução permanente” e no que consistiria. Falou-se que, pelo que Gramsci diz, a ideia de revolução permanente diz respeito aos desenvolvimentos que começaram na Revolução Francesa. Seria a expansão do que começou na Revolução Francesa e fica difícil colocar quando acabou, por isso é permanente. No caso, continuou tendo desdobramentos que vão indicar a relação entre estrutura e superestrutura para entender as relações de força. Isso não seria uma coisa contingencial, mas sim um conceito que pode ser usado para além da Revolução Francesa. Frisou-se o conceito de revolução permanente como processo histórico de continuidade da luta de classes (período de transição) até que se fosse firmada uma nova hegemonia. A Revolução Francesa seria um exemplo ilustrativo.


Questionou-se se quando Gramsci fala de 1848, ele estaria falando de Marx ou das Revoluções de 1848. Nesse sentido, colou-se que seria o primeiro casso, que Gramsci estaria falando que teria que ser revista o que Marx dizia no Manifesto, quais eram as táticas. Então seria importante saber quanto acabou a Revolução Francesa para pensar novas estratégias e novas táticas. E, no caso, o que aconteceu em 1848 teria sido derrotado, essa tática da Comuna. Gramsci viria com a ideia de guerra de posições para “superar” as táticas do Manifesto e conquistar a hegemonia. Por isso, Gramsci fala do exército e do acúmulo de forças.


Colou-se que esse é um ponto importante do texto. Alguém colocou que se Gramsci estiver correto, teremos que olhar com outros olhos para o Manifesto Comunista. Falou-se sobre as ilusões perdidas de Edelman.


20. Momentos ou graus das relações de força: 1) Relação de forças sociais estreitamente ligada à estrutura, objetiva, independente da vontade dos homens, que pode ser mensurada com os sistemas das ciências exatas ou físicas; 2) Relação das forças políticas, isto é, a avaliação do grau de homogeneidade, de autoconsciência e de organização alcançado pelos vários grupos sociais. Pode ser diferenciado nos seguintes graus: a) o econômico-corporativo, no qual se sente a unidade homogênea do grupo profissional e o dever de organizá-la, mas não ainda a unidade do grupo social mais amplo; b) o grau de consciência da solidariedade de interesses entre todos os membros do grupo social, mas ainda no campo meramente econômico. “Já se põe neste momento a questão do Estado, mas apenas no terreno da obtenção de uma igualdade político-jurídica com os grupos dominantes, já que se reivindica o direito de participar da legislação e da administração e mesmo de modifica-las, mas nos quadros fundamentais existentes” (§17, p.41); c) grau que adquire a consciência de que os próprios interesses corporativos superam o círculo corporativo, de meramente grupo econômico, e devem tornar-se interesses de outros grupos subordinados. “Esta é a fase mais estritamente política, que assinala a passagem nítida da estrutura para a esfera das superestruturas complexas: é a fase em que as ideologias geradas anteriormente se transformam em ‘partido’” (§17, p.41), entram em conformação e lutam até que uma delas tenda a prevalecer, determinando além da unicidade dos fins econômicos e políticos, também a unidade intelectual e moral, criando assim a hegemonia de um grupo social fundamental sobre uma série de grupos subordinados. 3) Relações das forças militares, imediatamente decisivas em cada oportunidade concreta. Aqui devem ser diferenciados dois graus: a) o militar no sentido estrito, ou técnico-militar; e o b) politico-militar, cuja opressão seria inexplicável sem o estado de desagregação social do povo oprimido e a passividade de sua maioria, por isso a independência não poderá ser alcançada com forças puramente militares, mas com forças militares e político-militares. A nação oprimida oporá inicialmente à força militar hegemônica uma força que é apenas político-militar, uma forma de ação política que tenha a virtude de determinar reflexos de caráter militar, no sentido de (i) ser capaz de desagregar intimamente a eficiência bélica da nação hegemônicas e (ii) de obrigar a força militar hegemônica a diluir-se e dispensar-se num grande território, anulando grande parte de sua eficiência bélica.


21. Definição de Estado. “O Estado é concebido como organismo próprio de um grupo, destinado ao desenvolvimento máximo deste grupo, mas este desenvolvimento é concebido e apresentado como a força motriz de uma expansão universal, de um desenvolvimento de todas as energias ‘nacionais’. Em outras palavras, o grupo dominante é coordenado concretamente com os interesses gerais dos grupos subordinados e a vida estatal é concebida como uma contínua formação e superação de equilíbrios instáveis (no âmbito da lei) entre os interesses do grupo fundamental e os dos grupos subordinados” (§17, pp. 41-42).


22. Combinações ideológico-políticas nacionais e internacionais. Religião e outras formações internacionais, como a maçonaria, o Rotary Club (ideologia do americanismo, Vol. 4), os judeus, a diplomacia de carreira, funcionam como partido político internacional que atua em cada nação com todas as suas forças internacionais concentradas. Mas todos esses podem ser incluídos na categoria dos ‘intelectuais’, cuja função é mediar os extremos, imaginar compromissos e alternativas entre soluções extremas, etc.


23. Manifestação concreta das flutuações de conjuntura do conjunto das relações sociais de força. Em seu compendio de História da Revolução Francesa, Albert Mathiez, opondo-se à história vulgar tradicional, que aprioristicamente “encontra” uma crise para coincidir com as grandes rupturas de equilíbrios sociais, afirma que por volta de 1789 a situação econômica era bastante boa no nível imediato. Portanto, a ruptura do equilíbrio entre as forças não se deu por causas mecânicas imediatas de empobrecimento do grupo social interessado em romper o equilíbrio, e que de fato o rompeu; mas ocorreu no quadro de conflitos superiores ao mundo econômico imediato, ligados ao ‘prestígio’ de classe (interesses econômicos futuros), a uma exasperação do sentimento de independência, de autonomia e de poder.


Um sinal infalível de que o país se enriquece é o aumento contínuo da população e o constante aumento dos preços dos alimentos, das terras e das casas. A França já conta com 25 milhões de habitantes, o dobro da Inglaterra e da Prússia, o bem-estar flui gradualmente da alta burguesia para a média e a pequena: veste-se melhor, come-se melhor do que antes. Sobretudo, as pessoas se instruem. As jovens das camadas populares – agora chamadas ‘senhoritas’, desde que usam saias-balão – compram pianos. A elevação dos impostos de consumo atesta o aumento do bem-estar. A revolução não se desencadeará num país empobrecido, mas, ao contrário, num país florescente, em pleno desenvolvimento; a miséria, que às vezes provoca turbulências, não pode desembocar em grandes agitações sociais; estas nascem sempre do desequilíbrio de classes. (A. Mathiez, La Revolution Française, cit, vol. 1, p.13).


Todos esses elementos são a manifestação concreta das flutuações de conjuntura do conjunto das relações sociais de força, em cujo terreno verifica-se a transformação destas relações em relações políticas de força, para culminar na relação militar decisiva.


24. A análise concreta das relações de força não deve ser um fim em si mesma. Elas mostram quais são os pontos de menor resistência, nos quais a força da vontade pode ser aplicada de modo mais frutífero, sugerem operações táticas imediatas, indicam a melhor maneira de empreender uma campanha de agitação política, a linguagem que será mais bem compreendida pelas multidões, etc. O elemento decisivo de cada situação é a força permanentemente organizada e há muito tempo preparada, que se pode fazer avançar quando se julga que uma situação é favorável (e só é favorável na medida em que esta força exista e seja dotada de ardor combativo). “A tarefa consiste em dedicar-se de modo sistemático e paciente a formar esta força, torna-la cada vez mais homogênea, compacta e consciente de si” (§17, p. 46). Gramsci cita que tal fato pode ser comprovado na história militar (exércitos sempre preparados para iniciar uma guerra) e que os grandes Estados assim o foram porque estavam preparados para se inserir eficazmente nas conjunturas internacionais favoráveis e essas só foram favoráveis porque havia possibilidade de se inserir eficazmente nelas.


Observação:

Foi colocado que os últimos parágrafos foram mais sistemáticos. Questionou-se se a teoria de ação política de Gramsci é marxista. Mas ressaltou-se que, ao menos, podemos fazer uma teoria da ação política de Gramsci para poder criticá-la. Questionou-se se é uma teoria marxista de ação política e se o método que o autor está usando é o materialista dialético.



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