RELATÓRIO - Reunião 14/03/2019 - "História e Consciência de Classe", Georg Lukács (O que é
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Relatório – Reunião 14/03/2019
Tema: O que é marxismo ortodoxo?
LUKÁCS, Georg. O que é marxismo ortodoxo? [1919]. In: ______.História e Consciência de Classe: estudos sobre a dialética marxista. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2012, p. 63-104.
Apesar das inúmeras deficiências e autocríticas apresentadas no Prefácio, vimos que Lukács reivindica o primeiro ensaio, de modo geral (p. 29).
Na sua introdução (p. 63-64), Lukács lembra que a discussão sobre o que é marxismo ortodoxo se tornara uma das discussões mais candentes tanto nos meios burgueses quanto nos meios proletários. Não havia acordo sobre qual era o núcleo central do marxismo e os textos clássicos eram vistos como um dogma; qualquer postura mais crítica acerca deles era rejeitada. Lukács rejeita essa visão que coloca os textos de Marx como intocáveis. Ele entende que o que há de fundamental no marxismo é o seu método marxista dialético – que inclusive pode refutar todos os resultados das investigações de Marx. Ao final dessa introdução, Lukács destaca que esse método pode ser desenvolvido e aprofundado, mas não superado, pois que as tentativas de superar o método acabaram por levar a uma banalização/ecletismo. Obs.: pode ser que haja um problema na tradução no parágrafo final dessa introdução, pois ora ele fala que pode ser aperfeiçoado e ora diz que a tentativa de aperfeiçoamento levou a esse problema de banalização.
Discussão: Sobre esse suposto problema de tradução, lembrando o trecho “aperfeiçoado e aprofundado no sentido dos seus fundadores”, no sentido da crítica imanente.
Em seguida, na seção 1, Lukács aborda que a relação entre teoria revolucionária e prática no marxismo não são duas categorias separadas, com uma relação meramente contingente quanto à prática que será tomada pelas massas a partir da teoria. Na verdade, uma ação específica está intimamente ligada à prática, a uma consciência nas massas que é o resultado necessário do que põe a realidade (p. 65). Aqui ele introduz o seu destacado tema da conscientização, pois que, para ele, parte da conscientização a prática das massas com vistas ao seu objetivo, e “apenas tal relação da consciência com a realidade [que] torna possível a unidade entre teoria e práxis. Para tanto, a conscientização precisa se transformar no passo decisivo a ser dado pelo processo histórico em direção ao seu próprio objetivo [...]” (p. 65-66). Na continuação do trecho (p. 66), ele deixa entrever que há um objetivo necessário ao sujeito;e que, ademais, há um processo complexo[1]que conduz verdadeiramente essa unidade entre teoria e prática para que a teoria seja de fato revolucionária (questões que ele abordará com mais profundidade nas seções seguintes). A classe que possui esse papel é o proletariado. Seu conhecimento leva à uma relação necessária (e não exterior) com o processo revolucionário. E a teoria deve ser a consciência do passo necessário a ser tomado para levar o sujeito (proletariado) para o passo seguinte do processo revolucionário.
Discussão: Em vários momentos Lukács ora se refere à prática, ora à práxis. No trecho da p. 65, Lukács fala de “teoria e práxis”, como se práxis não fosse teoria e prática; Qual seria a real extensão do conceito de práxis? Na p. 19, no trecho sobre Engels, onde parece que ele entende que práxis é teoria e prática, e não que a teoria esteja fora de “práxis”. Isso pode ser problema da tradução e, ao cotejar a tradução com o original em alemão, vê que ele apenas fala em práxis (ou seja, “prática” é um termo do tradutor) – nesse sentido, no trecho, teoria continua como “fora” do termo. Em alemão, práxis pode ser também visto como ensaio, estágio, o que traz outras dúvidas. A “meta” que Lukács coloca para a classe é muito metafísica (talvez seja parte da sua crítica ao seu messianismo).
Esse entendimento da teoria é a essência do método dialético. Um grande problema é que muito se fala do método dialético apenas como a assunção do movimento de uma determinação a outra e da contradição que afasta a causalidade para a ação recíproca, esquecendo-se do “[...] aspecto mais essencial dessa ação recíproca, a relação dialética do sujeito e do objeto no processo da história” (p. 67, grifo do autor), o que retira seu caráter revolucionário. Caso a função central da teoria (transformação da realidade) se perca, retorna-se ao problema do estudo metafísico que possui um caráter meramente contemplativo; e as consequências políticas podem ser tanto voluntaristas, quanto fatalistas (p. 68).
Por isso que a tentativa de aprofundar de modo crítico o método dialético leva à sua banalização, está calcada na “separação entre método e realidade, entre pensamento e ser” (p. 69). Em consequência, tem-se análises oportunistas, meramente descritivas e evolucionistas (p. 70).
Na seção 2,Lukács traz a questão do apego dos revisionistas aos fatos. Destaca que outros métodos, como o empirismo, não estabelecem quais são os fatos relevantes para sua investigação (p. 70). Ao não estabelecerem uma hierarquia dos fatos e uma finalidade para o estudo, ao ignorarem um contexto metódico, tratando tudo como “neutro”,criam uma interpretação que tende a naturalizar todos os fenômenos. Lukács assevera que o próprio capitalismo cria uma sociedade que vê os fatos dessa forma e o método dialético é importante para entrever a “essência por trás dessa ilusão” social (p. 71). Na verdade, isso faz parte do processo histórico de abstração generalizada que ocorre no capitalismo [necessária para o surgimento do valor], em que as coisas perdem seu caráter particular e, ao mesmo tempo, surgem “fatos ‘isolados’” (em decorrência da crescente divisão do trabalho etc), sendo considerado “científico” abstrair seu contexto (p. 72).
Adiante, ele abordará a dificuldade de se apreender corretamente os fatos com o método das ciências naturais que não vai na essência dos fenômenos, ignorando o caráter histórico deles, pois as formas acabadas no capitalismo estão mistificadas como naturais e a existência real das coisas aparece de forma bastante diferente do seu núcleo interior (p. 73-75). Assim, para um estudo verdadeiramente científico é necessário ir para além da figura imediata, seu condicionamento histórico e suas mediações até a essência.
A propósito,Lukács afirma que a aparência enganosa da coisa também possui sua utilidade, pois ela é considerada como sua “manifestação necessária” (p. 75, grifo do autor).Assim, o reconhecimento da aparência necessária e a “superação simultânea do ser imediato”, ou seja, essa “dupla determinação” constitui a relação dialética (p. 76).
Discussão: Seria o “reconhecimento da aparência” ou se é só a “aparência” que constitui a relação dialética que ele fala no trecho? A “aparência necessária” vem do Hegel, mas Marx a aperfeiçoa com uma discussão aprofundada da ideologia. Destaca que o próprio Althusser, ao estudar Hegel, este é o iniciador do debate da ideologia, a partir da ideia de reconhecimento. Para Hegel, a aparência é um processo, enquanto que para Marx a aparência é uma realidade.
A partir disso, Lukács conclui que “somente nesse contexto, que integra os diferentes fatos da vida social (enquanto elementos do desenvolvimento histórico) numa totalidade, é que o conhecimento dos fatos se torna possível enquanto conhecimento da realidade” (p. 76, grifos do autor,). Assim, ter-se-á uma “totalidade concreta enquanto reprodução intelectual da realidade” que é “síntese de várias determinações”, “unidade do múltiplo”, o que não pode ser apreendido imediatamente (p. 76-77).
Discussão: Aí está um grande problema na teoria lukacsiana. Ela é muito “aberto” nas determinações; parece ser tributário da totalidade hegeliana. (ele parece desenvolver uma ideia de totalidade sem determinações ou sendo possível escolher “qualquer tipo de determinação” que não a em última instância econômica/da produção para analisar a realidade). A mediação pela produção determinando o resto é a vantagem das teorias dos demais sobre a teoria de Lukács. No final desse ensaio, Lukács fala que o centro é a produção. O trecho de Marx na p. 78. Isso está muito incipiente, muito solto, para quem se propõe a fazer um estudo de método, de epistemologia.
A partir daí, Lukács criticará o idealismo (que confunde essa elaboração intelectual com a própria construção da realidade), a economia vulgar burguesa e o materialismo vulgar (que reproduz apenas o que se vê de imediato, mera descrição da realidade aparente). O marxismo vulgar ignora as relações orgânicas do todo e as troca por contingências, por relações reflexivas de partes isoladas (p. 77-78) e ignora também a determinação e historicidade do capitalismo. Nesse sentido, Lukács destaca a partir da lição de Marx: “‘as relações de produção de toda sociedade formam um conjunto’,é o ponto de partida metódico e a chave do conhecimento histórico das relações sociais” (p. 78, grifo do autor). Assim, apenas o conjunto das relações de produção e sua função em dada sociedade podem expressar a historicidade dos fenômenos.
Na seção 3, Lukács conclui que a concepção dialética da totalidade que ele explicou é a única forma de conseguir “reproduzir e compreender a realidade no plano do pensamento” (p. 78). Destaca que a absorção das contradições na teoria para entender a sociedade é fundamental (ao contrário do método das ciências naturais), pois isso só reflete a contradição essencial presente na sociedade capitalista: os antagonismos de classe (p. 79). É dizer, esses antagonismos se impõem ao pensamento. Assim, as propostas teóricas de superação dessas contradições são expressões das possibilidades reais de superação (p. 80). Obs.: A partir do que Lukács explica, a dialética, para Marx, deve ser usada para entender a história como um todo ou apenas a história/funcionamento da sociedade de classes (que é intrinsecamente contraditória)? Porque a contradição que Marx propõe não é a mesma da analogia de Hegel sobre a natureza e o espírito em abstrato, que se pode dizer natural, eterna (ao menos enquanto houver natureza).
Discussão: Essa discussão já foi levantada uma vez, sem conclusão. Para Marx, a história da sociedade é a história da luta de classes; até o momento, para o marxismo histórico dialético, não se pode falar de um momento sem luta de classes, lembrando que para o futuro não seria possível falar também porque seria futurologia, não ciência. Engels falava das sociedades comunais, antes do surgimento da propriedade privada, consequentemente antes das classes. O fato Engels falava isso, mas parecia que ainda assim havia uma contradição na realidade, que se dava entre o ser humano e a natureza (ele tentava superá-la). Talvez, num futuro sem classes, a contradição venha a ser essa também. O que precede essa discussão é se saber o que seria a dialética marxista, qual seria o conceito de dialética marxista usado aqui. Se for como luta de classes, fica limitado à sociedade de classes mesmo. A dialética em Engels, no Anti-Dühring, seria “existe contradição na natureza”, nas coisas em si. Mas outro ponto é que se trata de materialismo histórico dialético, que não tem como ver a questão sem o materialismo.
Lukács prossegue afirmando que a burguesia tem necessidade de obliterar o conhecimento da realidade impondo como científico apenas o método das ciências naturais, disputando ideologicamente que a ordem de coisas é natural e que suas contradições são apenas superficiais. No entanto, isso constrange sua própria elaboração teórica, descolando-a da realidade que se impõe com suas contradições. Nesse sentido, ele vai apontar insuficiências da economia clássica como Ricardo e da economia vulgar/marxismo vulgar, a exemplo de Max Adler, que acabam por chegar nos mesmos resultados ahistóricos (p. 80-82).
Daí que Lukács retomará a importância da compreensão dialética da totalidade (fundamental do método, que o diferencia dos demais) para a verdadeira compreensão da história – que é uma só –, o que está muito distante da compreensão das partes isoladas da realidade como outros métodos podem até conseguir realizar. Somente com a visão da unidade do processo histórico é possível entender a função e o significado de cada fenômeno.Ademais, entender a unidade da realidade e do processo histórico não significa dizer que todas as partes são iguais; na verdade, elas são diferentes e possuem uma aparente autonomia.
Discussão: É possível ver uma possibilidade althusseriana. Mas não a desenvolve até a produção como central.
Mas o que as une é que a uma determinada forma de produção, existem outras formas determinadas [como o direito!]e que entre elas há uma ação recíproca (e não meramente causal) formando um todo orgânico (ver citação de Marx na p. 84).
Essa ação recíproca tem um papel importante de alterar qualitativamente a objetividade, pois que a ação recíproca resulta em movimentação e mudanças. Assim, uma coisa transforma-se em outra coisa quando num contexto histórico diferente, quando sofrendo a ação de certas condições e quando revestida de uma determinada função (p. 85-86). Somente essa concepção dialética da totalidade pode compreender a realidade não como estática e pré-determinada, mas como “devir social”. Nas palavras de Lukács: “Essa mudança contínua das formas de objetividade de todos os fenômenos socias em sua ação recíproca, dialética e contínua, e o surgimento da inteligibilidade de um objeto a partir da sua função da totalidade determinada na qual ele funciona fazem com que a concepção dialética da totalidade seja a única a compreender a realidade como devir social” (p. 85, grifo do autor). Só assim, é possível ver as formas fetichistas de objetividade enquanto tais e, por meio delas, é possível se identificar a ideologia dominante (e não a essência do capitalismo).
Além disso, as “determinações reflexivas das formas fetichistas de objetividade” (p. 86) servem para dar uma aparência ahistórica e imutável às formas capitalistas; só as ultrapassando é que é possível entender a verdadeira objetividade, sua função histórica real.
Discussão: “as formas fetichistas de objetividade” que vão se replicando denotam, aqui, um pensamento próximo ao de Pachukanis. Pablo entende que tais formas, em Lukács, restringem-se à economia.
Assim, o método dialético, ao contrário da ciência burguesa, conseguiu identificar e entender, por exemplo, o capital variável e o capital constante, (p. 86), ao captar sua historicidade e função na sociedade.
Lukács mostrará, ainda, que a ilusão fetichista não só mascara a historicidade da realidade, mas também esconde as categorias econômicas, a relação entre os seres humanos, substituindo-as por relações entre coisas (reificação) (p. 87) e, por isso mesmo, consegue esconder sua historicidade.
Discussão: Há similaridade com o pensamento de Edelman.
Essa compreensão dialética torna possível, também, que a economia não seja compreendida em abstrato, mas como produto da ação humana e também como determinante dessa ação; e essa ação recíproca levará à produção e à reprodução de uma totalidade econômica e de uma sociedade determinada (p. 88-89).
Discussão: Página 75, a forma é a manifestação necessária. Lukács reivindicou esse ensaio, de modo geral, mas com a ressalva de que faltava a ontologia; isso foi assim porque só depois ele vai conhecer os manuscritos econômico-filosóficos. Assim, nesse texto, Lukács “lê” um determinado Marx; já na ontologia são outros os textos de referência.
Na seção 4, Lukács vai tratar da diferença entre o hegelianismo e o pensamento de Marx, que se centra no problema da unidade do processo histórico (p. 91). A teoria de Hegel era pautada na dualidade do pensamento e do ser (p. 91-92). Marx rompe com essa dualidade levando a tendência histórica hegeliana ao extremo, rompendo a ideia de “valores eternos” e colocando a centralidade no processo histórico da realidade. Hegel não conseguiu encontrar as forças motrizes da história porque, em sua época, elas não estavam suficientemente desenvolvidas e, por isso, achou que o desenvolvimento histórico partia da consciência dos povos (p. 92).
Discussão: Hegel só poderia chegar na alienação e não ir além por causa do processo histórico.
Assim, “a incapacidade de penetrar o próprio objeto se exprime intelectualmente nas forças motrizes transcendentes que, de maneira mitológica, constroem e estruturam a realidade, a relação entre os objetos, nossas relações com eles e suas modificações no processo histórico” (p. 93).Marx e Engels rompem com esse idealismo ao centrar na “produção e na reprodução da vida real” o fator determinante da história (p. 94). Seu materialismo histórico permitirá que a vida humana “torne-se consciente de si mesma”(p. 94).
Na seção 5, Lukács abordará a questão da determinação da consciência pelo ser social e não o oposto. O ser humano não podia tomar consciência de si como ser social no feudalismo porque ainda não havia uma sociedade civil constituída, os seres humanos ainda tinham uma forte ligação com a natureza e trabalhavam de forma difusa e desorganizada, não havia a universalidade jurídica etc (p. 95-96). Com o capitalismo, muda-se radicalmente essa ordem de coisas e “a sociedade torna-se a realidade para o homem”, podendo, inclusive, ser reconhecida enquanto tal (p. 96). No entanto, essa percepção só é possível não com a constituição da burguesia, mas com a constituição do proletariado, pois a compreensão do proletariado e sua possibilidade de libertação, pelo materialismo histórico, implica na necessidade de se entender a totalidade da sociedade. Nas palavras de Lukács: “Do ponto de vista do proletariado, o autoconhecimento coincide com o conhecimento da totalidade; ele é, ao mesmo tempo, sujeito e objeto do seu próprio conhecimento” (p. 97).Assim, o proletariado é aquele que consegue encerrar em si a abstração da humanidade e sua aparência de humanidade a partir de todas as condições inumanas que existem, pois que em todas elas ele se encontra. Essa situação o instiga à revolta, o que o leva à necessidade de destruir todas as condições de vida inumanas para conquistar sua libertação (p. 97-98).Aqui,Lukács conclui: “A essência do método do materialismo histórico não pode, portanto, ser separada da ‘atividade crítica e prática’ do proletariado: ambos são momentos do mesmo processo de evolução da sociedade. Assim, o conhecimento da realidade produzido pelo método dialético é igualmente inseparável da perspectiva de classe do proletariado” (p. 98).
Discussão: Reposta da pergunta sobre por que não se poderia ter um método marxista sem ser panfletário, sem usar a ideia de luta de classes, sem ser parcial para o lado do proletariado. Lukács fala sobre a visão de classe na p. 154.
Na sequência, Lukács refutará aquelxs que questionam se o socialismo faz parte da ciência pura do marxismo. O método em si joga luz na contradição entre a condição de existência do proletariado e seu papel na sociedade e a historicidade do modo de produção, abrindo espaço para o questionamento do capitalismo, do poder burguês [quem tem compromisso com a ordem, não pode se aventurar nesse método].A tomada de posição é inerente ao método e quem adota o método, toma a posição do proletariado (p. 98). Do que vem a seguir, depreende-se que, para que essa perspectiva de classe seja possível, as condições reais para sua superação devem já estar dadas ou não se poderia concebê-la. Nesse sentido, Lukács alerta que o método não nasce imediatamente do proletariado enquanto classe, mas faz parte do seu processo de evolução social enquanto sujeito, considerando-se aí a sua tomada de consciência, e também da evolução da sociedade como um todo (p. 99).
Discussão: Enquanto outros autores vêem o ser social se imiscuir na individualidade, com o capitalismo centrado no indivíduo, Lukács vai na contramão e entende que o ser social (no caso, o proletariado) emerge com o capitalismo. No feudalismo não havia sociedade civil organizada e portanto não era possível se reconhecer como sujeito. O capitalismo funda a noção de indivíduo, mas para Lukács parece ser a possibilidade do ser social. Normalmente se entende que o indivíduo, nos modos de produção anteriores, só podiam se reconhecer socialmente (na antiguidade na pólis, no feudalismo como membro da corporação de ofício, por exemplo). E parece que Lukács afirma o contrário; que o capitalismo é onde o sujeito tem maior possibilidade de se “encontrar consigo mesmo”. Ele retirou essa ideia do Manifesto do Partido Comunista, quando se fala que o proletariado se generaliza e seus anseios adquirem um caráter de totalidade. Lukács fala no sentido de uma realidade plenamente social, da complexificação da realidade no sentido de se afastar cada vez mais do “biológico”, enquanto outrora ela estava muito ligada à natureza, e a realidade ser cada vez mais “social”. Não somos um ser em si, mas social; no entanto, isso é aparência também. Tudo é complexo porque é mediado por uma aparência ideológica. A questão da totalidade encerrada pelo proletariado tem a ver com o Lukács diz que só no capitalismo há esse encontro entre sujeito e objeto em um só. Poderia se tratar da potência totalizadora do capitalismo, que não alcança esses níveis em sociedades anteriores.
Assim, “a possibilidade do método marxista é, por conseguinte, um produto da luta de classes, tanto quanto outro resultado de natureza política ou econômica. A evolução do proletariado também reflete a estrutura interna da história da sociedade, que ele foi o primeiro a reconhecer” (p. 99-100).
Então, Lukács desenvolve que o problema e condição central do conhecimento, a totalidade, é um “produto da história num duplo sentido”: 1) só com a evolução econômica e o consequente surgimento do proletariado, desse encontro entre sujeito e objeto, que tornou objetiva e formalmente possível a criação de um método que conseguisse destrinchar toda a história da sociedade; 2) só com a evolução do próprio proletariado foi possível tornar essa possibilidade formal em “possibilidade real”, “pois a possibilidade de compreender o sentido do processo histórico como imanente a esse processo [...] pressupõe que o proletariado tenha uma consciência altamente avançada na sequência de uma longa evolução” (p. 100). A utopia dá lugar, assim, ao conhecimento, pois que o objetivo de libertação da classe está dado pelo sujeito/objeto (p. 100-101).
Discussão: Interessante notar que o método que só surgiu no capitalismo é que vai entender não só o momento em questão, mas também toda a história pregressa, desde o começo.
Nesse sentido, a meta final se impõe em cada passo da luta, no cotidiano, a todo o momento. Não pode ser dissociado do movimento, como fazem os revisionistas; ao contrário, é inerente ao movimento: “A meta final é, antes, essa relação com a totalidade (com a totalidade da sociedade considerada como processo), pela qual cada momento da luta adquire seu sentido revolucionário” (p. 101, grifo do autor). No entanto, a presença da meta é algo latente, pois “torna-se real somente quando tomamos consciência dela” (p. 101) – aqui Lukács faz a diferenciação entre “mera existência” [que entendo como mera hipótese] e a “realidade”[que entendo como possibilidade de concretização].
Adiante, Lukács assevera que toda a tentativa de manter a pureza do proletariado (perante a existência) o afasta do conhecimento da realidade criando a “dualidade utópica do sujeito e do objeto, da teoria e da práxis” (p. 102), conduzindo a uma postura [espontaneísta] em que a realidade dá lugar aos fatos “puros”. Estes fatos não podem indicar qualquer orientação, pelo contrário, como poderia indicar o conhecimento da realidade pelo método dialético (p. 103). Pelo método dialético, os fatos perdem seu caráter difuso e indistinto: “Na coerência da realidade, na relação de todos os momentos parciais com suas raízes na totalidade [...] é suprimido o caráter de exterioridade desses fatos que agora compreendemos” (p. 103).
Discussão: Essa exterioridade pode se remeter à questão sobre o aperfeiçoamento do método, que o método deve ser aperfeiçoado no sentido de Hegel e Marx, no sentido da crítica imanente dos seus fundadores. Nesse trecho, na verdade, ele só está falando do problema de se ver apreender qualquer fato como exterior à engrenagem do processo histórico.
Assim, torna-se possível divisar as tendências que rumam ao centro, à meta final (emancipação do proletariado). E muito embora a evolução social ressalte e agudize cada vez mais o caráter de totalidade em cada parcela de realidade, isso não facilita o trabalho de tomada de consciência, pois a responsabilidade do proletariado cresce e se agudizam também as forças que desviam do caminho revolucionário. Assim, Lukács conclui que o marxismo ortodoxo é “uma luta incessante renovada contra a influência perversora das formas de pensamento burguês sobre o pensamento do proletariado” (p. 104), sempre tensionando para uma visão comprometida com a totalidade.
[1] “Somente quando a função histórica da teoria consistir no fato de tornar esse passo [o passo decisivo da conscientização] possível na prática; quando for dada uma situação histórica, na qual o conhecimento exato da sociedade tornar-se, para uma classe, a condição imediata de sua auto-afirmação na luta; quando, para essa classe, seu autoconhecimento significar, ao mesmo tempo, o conhecimento correto de toda a sociedade; quando, por consequência, para tal conhecimento, essa classe for, ao mesmo tempo, sujeito e objeto do conhecimento e, portanto, a teoria interferir de modo imediato e adequado no processo de revolução social, somente então a unidade da teoria e da prática, enquanto condição prévia da função revolucionária da teoria, será possível” (LUKÁCS, 2012, p. 66, grifos do autor). Discussão: Esse trecho é muito metafísico, não fala como esse processo pode se dar na prática, algo que parece constar na crítica que ele faz no Prefácio sobre o caráter messiânico de sua crítica.
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