RELATÓRIO - Reunião 21/03/2019 - "História e Consciência de Classe", Georg Lukács (Consciê
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- 22 de mar. de 2019
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Relatório – Reunião 21/03/2019
Tema: Consciência de Classe
LUKÁCS, Georg. Consciência de classe.História e Consciência de Classe: estudos sobre a dialética marxista. Trad. Rodnei Nascimento. São Paulo: Martins Fontes, 2003 (p. 133-156).
Introdução: Classe, consciência de classe e perguntas
1. Antes de falar sobre consciência de classe o autor introduz uma rápida localização sobre a definição de classe. Por isso, Lukács começa o ensaio Consciência de classe com a observação de que lamentavelmente a principal obra de Marx, O Capital, interrompe-se justamente no momento decisivo em que aborda a definição das classes e que, portanto, o movimento posterior estava orientado a interpretar, elaborar e aplicar o método, confrontando as declarações ocasionais de Marx e Engels sobre esse ponto. Aponta que para o marxismo a divisão da sociedade em classes deve ser determinada segundo a posição no processo de produção.
2. Partindo-se daí elabora perguntas a serem respondidas ao longo do ensaio. O que se deve entender (teoricamente) por consciência de classe? Qual é a função da consciência de classe (na prática) na própria luta de classes? A consciência de classe é uma questão sociológica “geral” ou tem para o proletariado um significado diferente? A essência e a função da consciência de classe formam uma unidade ou comportam gradações ou camadas? E se for assim, qual o seu significado prático na luta de classes do proletariado?
O dilema da história e a solução marxista
3. Lukács afirma ser preciso aprofundar a exposição do materialismo histórico de Engels de que a essência da história consistiria no fato de que “nada ocorre sem intenção consciente, sem fim desejado”, sustentando que a essência do marxismo científico consiste em reconhecer a independência das forças motrizes reais da história em relação à consciência (psicológica) que os homens têm dela.
Observação: O trecho “A essência” do marxismo científico consiste, portanto, em reconhecer a independência das forças motrizes reais da história em relação à consciência (psicológica) que os homens têm delas”(p. 134-135) é bastante “estruturalizante” (a partir da estrutura da forma de produção) e sinaliza uma afirmação contraditória às várias consequências que os autores lukacsianos alcançaram a partir de Lukács. O autor parece propor questões sobre as quais ele não vai até seus últimos desdobramentos, como Althusser.
Observação: ele defende o Hegel dentro de Marx, contra a cientificidade burguesa.
4. A história e a reflexãosobre as formas da vida humana no pensamento burguês tomam um caminho oposto ao da evolução real, começa post festum. As formas já possuem estabilidade das formas naturais da vida social, aparentando como imutáveis e naturais.
Observação: sobre a questão das formas. Lukács conhece a noção de formas sociais, inclusive antes de se tornar marxista, ao tratar, por exemplo, do romance enquanto forma burguesa. Ele conhece, põe “bons problemas”, mas não consegue resolvê-los. Não parece ser o debate mais importante para ele.
5. Há dois caminhos para o pensamento burguês interpretar a história. No primeiro ele deve suprimir completamente o processo histórico e apreender nas formas de organização do presente, as leis eternas da natureza que, no passado não se estabeleceram por completo ou de modo algum (sociologia burguesa), “houve uma história, mas não há mais”. No segundo caminho, deve-se eliminar do processo da história tudo o que tem um sentido, que visa a um fim, deve deter-se na mera “individualidade” das épocas históricas e de seus portadores sociais e humanos.
Observação: o“houve uma história, mas não há mais” (p. 136) fez lembrar “O direito captado pela fotografia”, pois o sujeito de direito é um sujeito sem história; (2) O fim da história já começa a ser observado desde o século XIX. Hegel, ao construir a história a partir dos indivíduos que sintetizam em si o processo histórico é uma forma de fim da história.
6. No primeiro caso, desaparece toda possibilidade de compreende das configurações sociais.Os objetos da história aparecem como objetos de leis naturais e imutáveis, eternas. A história se fixa num incapaz de conceber as formações sócio-históricas. No segundo caso, a história se torna o reino irracional de potências cegas que no máximo incorpora o ou os “. Por isso, ela só poderia ser descrita pragmaticamente, mas não concebida racionalmente, é passível apenas de organização estética.
7. Para Lukács, Marx soluciona esse dilema ao demonstrar que não existe um verdadeiro dilema. O dilema revela simplesmente que o antagonismo próprio da ordem da produção capitalista se reflete nessas concepções aparentemente antagônicas. O movimento social possui para os homens a forma de um movimento de coisas, ao controle das quais se encontram submetidos em vez de controla-las. Marx opõe a crítica histórica da economia, a dissolução de todas as objetividades reificadas da vida econômica e social. A eliminação dessa objetividade hostil ao homem simplesmente a reduz à relação dos homens entre si enquanto seu fundamento, sem com isso abolir sua conformidade com as leis e sua objetividade.
A “falsa consciência”
8. Parece que, com a eliminação desse dilema, todo papel decisivo no processo histórico estaria sendo subtraído da consciência. Certamente, os reflexos conscientes das diversas etapas do desenvolvimento econômico permanecem fatos históricos de grande importância, mas como destaca Engels numa carta a Mehring[1], trata-se de uma “falsa consciência”. Porém, o método dialético exige que essa “falsa consciência” seja estudada concretamente como aspecto da totalidade histórica à qual pertence, como etapa do processo histórico em que age.
Observação: falsa consciência objetiva porque se refere a uma classe determinada; e é falsa porque não se refere à totalidade. A consciência é uma inconsciência determinada por sua classe.
9. A ciência histórica burguesa também visa a estudos concretos, seu erro reside em acreditar que é possível encontrar o concreto no indivíduo empírico e histórico e em sua consciência dada empiricamente. É somente na relação com a sociedade como totalidade - não relações entre indivíduos, mas entre o operário e o capitalista, agricultor e o proprietário fundiário – que se revela a consciência que os homens têm de sua existência, em todas as suas determinações essenciais.
10. Portanto, ao relacionar a consciência com a totalidade da sociedade, torna-se possível reconhecer os pensamentos e os sentimentos que os homens numa determinada situação da sua vida, essa situação e os interesses dela decorrentes, tanto em relação à ação imediata, quanto em relação à estrutura de toda a sociedade conforme esses interesses. Reconhece, portanto, entre outras coisas, os pensamentos que estão em conformidade com sua situação objetiva. .
Observação: se aproxima da ideia da Introdução à crítica da economia política (a exemplo dos conceitos de “população”, etc.) sobre os conceitos serem sínteses de múltiplas determinações (p. 140); (2)bastante “leninista” ao dizer que se o movimento operário age conforme a espontaneidade consegue no máximo uma consciência tradeunionista, e exige-se uma intervenção externa do partido (p. 141-142).
11. Passando do indivíduo para a classe, o autor alega que a vocação de uma classe para a dominação significa que é possível, a partir dos seus interesses e da sua consciência de classe, organizar o conjunto da sociedade conforme esses interesses. Portanto, o que importa é saber até que ponto a classe em questão realiza “conscientemente” ou “inconscientemente” as tarefas que lhe são impostas pela história, e até que ponto essa consciência é verdadeira ou falsa. A ação historicamente decisiva da classe como totalidade é determinada, em última análise, por essa consciência e não pelo pensamento do indivíduo; essa ação só pode ser conhecida a partir dessa consciência.
Observação: (p. 142) Lukács tenta sair de concepções psicologizantes, e, na linha de Lenin e o marxismo em geral, apontar as limitações de classe da burguesia.
Observação: todo o esforço de Lukács é para dizer que a consciência de classe não é psicologizante, e que não depende da vontade do indivíduo. É uma falsa consciência necessária. Ele diz no começo do texto que o que determina a consciência é o papel na produção, mas deveria levar isso até o fim, desenvolvendo argumentação no sentido do seguinte exemplo “a burguesia detém os meios de produção > é levada a organizar/manter a sociedade > não a criticá-la/transformá-la”, já “o proletariado > sua existência é fracionada > que não se realiza > o que leva à crítica da sociabilidade”. Ou seja, esse tipo de argumento não aparece, não se desenvolve.
Observação: Lukács pensa a consciência de forma mais coletiva, mais com relação à outra classe (não só como se vê em relação ao seu conjunto, mas com relação ao polo oposto (p. 141-142).
12. A partir daqui, afirma Lukács, é preciso perguntar-se em que medida a totalidade da economia de uma sociedade pode em quaisquer circunstâncias, ser percebida dentro de uma determinada sociedade, a partir de uma determinada posição no processo de produção, em outras palavras. Portanto, do ponto de vista abstrato e formal, a consciência de classe é, ao mesmo tempo, uma , determinada conforme a classe de sua própria situação econômica, histórica e social. Consequentemente, a “falsidade” e a “ilusão” contidas em tal situação real não são arbitrárias, mas, ao contrário, a expressão mental da estrutura econômica e objetiva.
Observação: (p. 143) falsidade e ilusão não são arbitrários, vêm da posição de classe. O uso da palavra inconsciente, tem a ver com a frase “a essência do marxismo....” (p. 134-135), no sentido de “não sabem, mas agem”. Lukács usa o itálico, inclusive, por não se tratar do sentido literal psicanalítico.
Observação: a frase “não sabem, mas agem”, se aproxima da ideia de fetichismo.
Observação: outro ponto significativo é sobre o lugar teórico da luta de classes no capital. Porque Marx deixou para tratar dessa questão ao final de O Capital? Não sabemos, mas uma coisa é certa, ele só falaria das classes após desenvolver uma série de determinações que o capital gera. Lukács só lamenta esse fato mas não desenvolve o porquê. O Capital é uma sequência cada vez mais concreta. Determinações objetivas frente às quais as classes são postas, e por isso consciências diferentes (chegaria nisso, por exemplo).
Observação: frase d´O Capital “os homens se relacionam entre si como mercadorias, não porque os considerem meros envoltórios...”. “Não o sabem, mas o fazem”.
13. Por exemplo, a consciência de classe da burguesia é falsa porque embora possa refletir com clareza sobre todos os problemas da organização da sua dominação, da revolução capitalista e de sua penetração no conjunto da produção, deve necessariamente se torna impenetrável no momento em que surgem problemas cuja solução remete para além do capitalismo.Os limites objetivos da produção capitalista são os limites da consciência de classe da burguesia.
Observação: carga que a categoria “consciência” tem para Lukács. Porque (como mencionou o Flávio) poderia ser substituída por “posição”. Faz sentido ver pela “chave” do fetiche.
Observação: trata-se de uma opção hegeliana, cuja chave é alienação e não fetiche.
Observação: Lukács relaciona fetichismo com reificação.
Observação: sobre a questão da consciência, de fato há algo de indeterminado, que não conseguimos captar sobre o que seja consciência, embora ele tente expor. Mas desde o começo ele não fala o que entende por consciência (A Ideologia Alemã não estava disponível naquele momento; obra onde Marx trata da consciência, mas como uma prática, que surge da divisão entre forças produtivas e relações de produção). Lukács penta pensar a consciência separada de toda divisão do trabalho manual e intelectual que faz com que a consciência se torne independente das relações materiais. Lukács dá a consciência como pronta (substantivo “consciência” está dado), basta adjetiva-lo (consciência de classe).
Observação: porque o substantivo é hegeliano.
Observação: é o conceito da Fenomenologia, “ciência da experiência da consciência”. Ele parte desse pressuposto conceitual. Quando ele traz para a consciência de classe ele lida com o sentido histórico: consciência x inconsciência (reprodução do modo social) > consciência de classe (só uma classe será portadora daquele momento histórico, que é o proletariado) x falsa consciência (barreira objetiva de sua condição).
Observação: destaque para a categoria da “possibilidade objetiva” desse trecho do texto: tornar possível desmascarar realmente a ilusão e estabelecer uma conexão real com a totalidade
Consciência nas sociedades pré-capitalistas
14. Como resultado para as épocas pré-capitalistas e para o comportamento no capitalismo de numerosas camadas sociais a consciência de classe não é capaz, por sua própria natureza, de assumir uma forma plenamente clara nem de influenciar conscientemente os acontecimentos históricos. Isso ocorre, sobretudo porque os interesses de classe na sociedade pré-capitalista nunca conseguem se distinguir claramente do aspecto econômico. Os elementos econômicos se unem aos elementos políticos, religiosos etc.
15. Nas sociedades pré-capitalistas, as formas jurídicas devem necessariamente intervir de maneira constitutiva nas conexões econômicas. Não há aqui categorias puramente econômicas – e as categorias econômicas são formas de vida, determinações da existência – aparecendo vertidas em formas jurídicas. As categorias econômicas e jurídicas são objetiva e substancialmente inseparáveis e entrelaçadas umas nas outras (fl. 153).
Observação: usa o termo “forma jurídica” ao contrário de Pachukanis, pois o trata como “normatividade”.
Observação: (1) a frase da p. 153 “seu conteúdo econômico rompeu sua unidade jurídico formal” remete à ideia de desenvolvimento das forças produtivas (essência/conteúdo) que rompe com as relações sociais que o “aprisionam”. (2) dúvida com relação à frase da p. 155 que diz que “o interesse econômico de classe, como motor da história, apareceu em toda sua pureza somente no capitalismo”, pois para Marx o “motor” da história é a luta de classes, que não existe apenas no capitalismo. Isso dá a ideia de uma concepção evolucionista do desenvolvimento histórico.
Observação: note-se que a “economia” aparece como se sempre tivesse existido, e se confunde com a ideia de relações de produção (e são coisas diferentes). Quando é possível surgir algo como economia? Apenas sob o capitalismo.
Observação: a economia é um fenômeno do capitalismo. Lukács confunde e trata a economia como o fato de existir uma mediação na organização das classes no capitalismo e o interesse de classe. O que é falso. O capitalismo separa economia, política, direito, etc. e Lukács está sustentando a ideia de uma sociedade organizada pela economia, sem mediações.
Observação: deve se referir à coação econômica do capitalismo (e não mais violência direta), mas não excluiu outra mediações como o jurídico.
Observação: se Lukács supõe que não haja mediações, então a consciência deveria ser “automática”.
Observação: é hegeliano acreditar que estamos “evoluindo”, que somos mais racionais e por isso entendemos melhor a realidade.
Observação: no capitalismo não fica “mais clara” a exploração, ao contrário, a existência de mediações mais complexas e sofisticadas torna mais difícil desmascarar a exploração que funda a sociabilidade.
16. Assim, a relação entre a consciência de classe e a história é totalmente diferente nas épocas pré-capitalistas e na capitalista. Pois, nas primeiras, as classes só podiam ser retiradas da realidade histórica imediatamente dada por intermédio da interpretação da história operada pelo materialismo histórico, enquanto no capitalismo as classes são essa realidade imediata e histórica. Por isso, esse conhecimento da história só se tornou possível na época capitalista. O interesse econômico de classe, como motor da história, apareceu em toda sua pureza somente no capitalismo (fl. 155).
17. Sendo assim, em períodos pré-capitalistas, o homem nunca conseguiu se conscientizar (nem mesmo por meio de uma consciência adjudicada) das verdadeiras “forças motrizes que se escondem por trás dos motivos das ações humanas na história”.
18. Com o capitalismo, com o desaparecimento das estruturas estamentais e com a constituição de uma sociedade com articulações puramente econômicas, a consciência de classe chegou ao estágio em que pode se tornar consciente. Agora a luta social se reflete numa luta ideológica pela consciência, pelo desvelamento ou dissimulação do caráter de classe da sociedade. Mas a possibilidade dessa luta já anuncia as contradições dialéticas, a dissolução interna da pura sociedade de classes.
[1] ENGELS, Friedrich. Carta a Franz Mehring. [Disponível online em https://www.marxists.org/portugues/marx/1893/07/14.htm]. Acesso em 19/03/2019.
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