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RELATÓRIO - Reunião 23/05/2019 - "A reificação e a consciência do proletariado", Georg Luk

Relatório – Reunião 23/05/2019

Tema: A reificação e a consciência do proletariado


Seção III (item 1)do capítulo A reificação e a consciência do proletariado: O ponto de vista do proletariado


Lukács afirma que Marx, já na sua primeira crítica à Filosofia do direito de Hegel, expressou de forma clara o ponto de vista a partir do qual a essência do proletariado adquire importância histórica como sujeito-objeto idêntico do processo histórico-social, apontando também que o autoconhecimento do proletariado é ao mesmo tempo conhecimento objetivo da essência da sociedade, de modo que quando esta classe persegue seus fins de classe, ela realiza de modo consciente os fins objetivos do desenvolvimento da sociedade, que de outra forma restariam apenas como “possibilidades abstratas e barreiras objetivas” (p. 309): “Quando o proletariado anuncia a dissolução da ordem mundial até então existente, exprime apenas o segredo de sua própria existência, pois ele é a dissolução efetiva dessa ordem mundial.” (MARX apud LUKÁCS, p. 308).


O autor se pergunta então o que essa atitude ou a possibilidade de tomar um ponto de vista intelectualmente com relação à sociedade modifica na sociedade. Responde em seguida que, a princípio, nada é modificado na realidade objetiva, na medida em que “o proletariado aparece como produto da ordem social capitalista”(p. 309), com a reificação se manifestando em todas as suas formas de existência de maneira marcante, produzindo uma “desumanização”(p. 309). Ainda que a classe proletária compartilhe com a classe possuidora a reificação de suas manifestações de vida, Lukács cita um trecho de Marx em A sagrada família para apontar que a burguesia se vê confirmada nessa auto-alienação humana, reconhecendo nessa alienação seu próprio poder e uma aparência de existência humana, enquanto o proletariado se vê aniquilado nessa alienação, vendo nela sua impotência e uma existência desumana.


Em seguida, Lukács enfatiza que essa aparência de que nada mudou na realidade objetiva oculta um aspecto importante da verdade: ainda que a realidade objetiva do ser social seja, imediatamente, a “mesma” para o proletariado e para a burguesia, as categorias específicas da mediação (que eleva o imediatismo à consciência, tornando a realidade imediata a verdadeira realidade objetiva) se tornam fundamentalmente diferentes para as duas classes em razão da diferença de suas posições no “mesmo” processo econômico. Nesse ponto o autor afirma que se retorna, ainda que por outro viés, ao tema central do pensamento burguês: o problema da coisa em si. Isto porque se admitirmos que a transformação do dado imediato em realidade objetiva por meio da categoria da mediação seja apenas algo “subjetivo”, uma mera “avaliação” dos fatos que não toca a essência da realidade – que permanece objetivamente inalterada –, dá-se novamente à realidade objetiva o caráter de coisa em si.


Comentários:


- Não se trata de uma simples análise subjetiva das mediações. A “coisa em si”, mais que uma categoria filosófica, é um referencial para pensar o “para si”, melhora a qualidade da representação.


- Aqui ele desenvolve um pouco mais o movimento que Marx faz em cima do pensamento de Hegel contra Kant. Para Kant a “coisa em si” é incognoscível. Para Hegel trata-se de uma realidade ideal. O autor tá descrevendo essa realidade concreta que não é nem coisa em si nem tampouco representação pura, se ele consegue fazer isso ou não é uma questão pro resto do texto.



Lukács afirma então que, com efeito, o tipo de conhecimento que concebe a “avaliação” (a ação da categoria da mediação sobre a imagem de mundo) como algo puramente subjetivo, pretende alcançar justamente a realidade efetiva e avalia que esse equívoco advém da forma acrítica com que esse tipo de conhecimento trata o caráter condicionado do seu ponto de vista, o qual, por sua vez, está condicionado pelo ser social que se encontra em seu fundamento. Em seguida, o autor recorre a uma citação de Rickert[1] como exemplo de uma tal concepção de história em sua forma mais desenvolvida. Nesta citação retirada da obra Os limites da formação de conceitos científicos de autoria do filósofo neokantiano, a objetividade das ciências históricas ou culturais aparece como decorrente do fato de o historiador fundamentá-la nos valores da comunidade aos quais o fato analisado pertence. Lukács critica então que ao proceder dessa forma, isto é, alçando valores culturais (materialmente desconhecidos e válidos somente enquanto forma) como fundamento da objetividade histórica “relativa aos valores”, Rickert tenta eliminar aparentemente a subjetividade do historiador, mas acaba por atribuir como critério de objetividade a facticidade dos “valores culturais válidos para sua comunidade (isto é, para sua classe)” (p. 311), desse modo, “a arbitrariedade e a subjetividade são deslocadas dos fatos particulares e do juízo formulado sobre eles para o próprio critério” (p. 312), por consequência, os “valores culturais” para o historiador se tornam uma coisa em si, de modo análogo ao que o autor observou na parte inicial da obra quanto ao desenvolvimento estrutural da economia e da jurisprudência.


Lukács afirma que há, contudo, outro aspecto da questão ainda mais importante: “o caráter da coisa em si da relação entre forma e conteúdo faz surgir necessariamente o problema da totalidade”(p. 314). Também nesse quesito, Lukács recorre ao exemplo de Rickert para concluir que sua concepção de ciência histórica é extremamente problemática, já que nela “os ‘fatos’da história, a despeito de toda ‘caracterização de valor’, têm de permanecer numa facticidade bruta e incompreendida, visto que toda possibilidade de compreendê-los realmente, de perceber seu verdadeiro sentido, sua real função no processo histórico, tornou-se sistematicamente impossível com a renúncia do método a um conhecimento da totalidade” (p. 313)


Comentários:


- Forma e conteúdo em Lukács seria coisa em si e representação da coisa? Será que é essa noção que Lukács estabelece na p. 312?


- Na página 312, Lukács diz: “Pode-se perguntar, todavia, se o contraste entre uma exposição histórica isolada e a história universal é simplesmente uma questão de extensão ou se trata de uma questão de método”. Mais acima ele fala da cultura como elemento insuficiente.


- Questão colocada: nesta obra ele parece estar em dúvida sobre a “coisa em si”. Há momentos quer fazer epistemologia e em outros, ontologia. Há uma tensão/dúvida que percorre o texto. (Posteriormente ele escolherá o Ser).


O autor remete então à questão da história universal, da qual já tratou anteriormente, para afirmar que esta, i.e. a história universal, “é um problema de método que surge necessariamente em toda exposição até do menor capítulo da história, do menor recorte. Pois a história como totalidade (história universal) não é nem a soma simplesmente mecânica dos acontecimentos históricos isolados, nem um princípio heurístico que transcende cada acontecimento histórico e que, portanto, só poderia se impor por meio de uma disciplina própria, a filosofia da história. A totalidade da história é, antes de tudo, ela mesma um poder histórico real – ainda que inconsciente e por isso desconhecida até hoje –, que não se deixa separar da realidade (e, portanto, do conhecimento) dos fatos históricos isolados, sem suprimir também sua realidade e sua facticidade. Ela é o fundamento último e real de sua realidade, de sua facticidade, portanto, da verdadeira possibilidade de conhecê-las, mesmo como fatos isolados.” (p. 313).


Comentários:


- Sobre a filosofia da História, ele faz uma crítica (história universal, para ele, refere-se a “poder real construído e histórico”). Há um confronto entre uma tendência ontológica e epistemológica. Mas ele não se faz a pergunta sobre a validade do problema do conhecimento (porque a diferença entre o objeto e o sujeito pode ser uma questão burguesa) e já parte para a questão do papel da classe nisso.


- Voltando à tensão epistemologia x ontologia: Lukács analisa o processo de consciência de classe como um problema de conhecimento, colocando como a classe se insere dentro da problemática do conhecimento. Mas talvez a questão sujeito-objeto seja uma questão burguesa, porque não inclui a práxis. O que seria a coisa em si no Capital? A objetividade se dá pela prática social. O valor não se acha com uma lupa. Marx diz que você pode pegar uma lupa e que não verá um átomo de valor em uma mercadoria, porque ela é apenas a materialização de uma relação social, não é uma coisa em si (só se torna coisa em si com o fetiche). Uma forma social não pode ser uma coisa em si.


- O materialismo histórico dialético resolve o problema da coisa em si. Marx diz que você não precisa dizer que existe “coisa em si” para ser idealista. A questão é localizar Kant, Hegel e Marx. Você precisa identificar uma realidade imanente às relações sociais.


- A mercadoria só se torna coisa em si através do fetiche da mercadoria, ela não tem o poder, como valor de uso, de representar a objetividade do valor. Quando Marx fala da mercadoria não fala da corporeidade física (Marx e Hegel rompem com essa problemática), mas de forma social, relação social, e não “coisa em si”, porque isso pressuporia uma relação entre sujeito e objeto nos moldes kantianos. Marx consegue superar o problema do sujeito-objeto como um problema burguês.


- Exemplo da cadeira: O que fez da cadeira uma cadeira não é a madeira e o metal (o valor de usa que ela também precisa ter), mas o uso social que se faz dela. O valor de uso também é histórico.


- Há uma razão para Lukács começar do trabalho na ontologia e Marx começar da mercadoria no Capital.


- Como fazer a relação de determinação pensando a relação do “em si” com o “para si”?


- A questão do “em si/para si” encontramos em Kant e não existe em Hegel e Marx, pois Marx pega essa questão já superada por Hegel. Essa questão e a questão da “essência” não encaixam na ideia de forma social. Mas Lukás as utiliza para pensar a questão de classe.


- Marx aproveita de Hegel as formas elementares do movimento. Sobre o “em si/para si”,

trata-se de uma outra forma de pensar a diferença sujeito/objeto, que não cabe para Marx.

Marx entende a forma mercadoria enquanto forma mercadoria, cuja objetividade se realiza

através do fetiche, que por sua vez é uma prática social. Se quisermos considerar a mercadoria como “coisa em si”, o movimento do “para si” só pode ser o movimento de superação de si mesmo. Mercadoria se supera pelo dinheiro, que se supera pelo capital. Um movimento abstrato real que cada vez mais se subsume às formas.


- Consciência ou inconsciência tanto fazem porque a sociabilidade se reproduz independentemente. Mesmo se você desmistificar a realidade ela continua operante e mistificada. Não é uma questão de “revelar a verdade”, de consciência.


- Relação entre Lukcács e Edelman, a partir da ideia de que classe só existe quando é “para si”, não é a mesma coisa. Edelman aborda essa questão não enquanto uma fala ou um debate epistemológico, mas muito mais político.


Ainda no tema dos problemas de um método que não considera ou que utiliza de forma deficiente o ponto de vista da totalidade histórica (mesmo na consideração de fenômenos isolados), Lukács cita o exemplo da teoria das crises de Sismondi (que, por tal motivo, não foi capaz de compreender um fenômeno isolado a despeito da observação exata de seus detalhes), concluindo que o ponto de vista da totalidade, a consideração de que a verdadeira realidade histórica é o todo do processo histórico, tem efeitos não apenas sobre o nosso julgamento sobre o fenômeno isolado, como também altera o próprio conteúdo desse fenômeno isolado. Para mostrar o contraste entre o ponto de vista da totalidade e aquele que isola os fenômenos históricos, Lukács opõe a noção econômico-burguesa da função da máquina àquela de Marx, recorrendo à seguinte citação marxiana: “As contradições e os antagonismos inseparáveis da utilização capitalista da maquinaria não existem porque não nascem da própria maquinaria, mas de sua utilização capitalista! Sendo assim, uma vez que a maquinaria, considerada isoladamente, encurta o tempo de trabalho, enquanto seu uso capitalista prolonga a jornada de trabalho; uma vez que, por si só, ameniza o trabalho, enquanto seu uso capitalista aumenta sua intensidade, uma vez que, por si só, representa uma vitória do homem sobre as forças da natureza, enquanto seu uso capitalista o coloca sob o jugo dessas forças [...], o economista burguês explica que a consideração da maquinaria em si prova rigorosamente que todas essas contradições patentes não passam de uma aparência da realidade comum, mas que, em si, isto é, também na teoria, não existem” (p. 314).


Nessa oposição de métodos, i.e. o ponto de vista da totalidade x o isolamento de fenômenos históricos (representado, no exemplo acima, pela concepção econômico-burguesa da função da máquina), Lukács afirma que a segunda concepção encerra não só um caráter apologético e de classe, como também deforma a objetividade real do puro fato isolado considerado (nesse caso, a máquina considerada em sua individualidade isolada de puro fato), apresentando sua função no processo de produção capitalista como sua essência eterna, como parte constituinte da sua “individualidade”. Ao eternizar e naturalizar como características insuperáveis sua forma de existência imediata, essa concepção, em seu método, torna todo objeto histórico considerado uma mônada imutável e autônoma. Nesse ponto, Lukács retoma sua crítica a Rickert: “Do mesmo modo que a ligação entre essas mônadas históricas e individuais é superficial e descreve simplesmente sua facticidade grosseira, sua relação com o princípio que determina a escolha na relação de valor permanece também puramente factual e contingente” (p. 315).


Lukács afirma que todo historiador realmente importante do século XIX sabe que “a essência da história reside justamente na modificação dessas formas estruturais, por intermédio das quais, num determinado momento, ocorre o conflito do homem com seu meio, que determina a objetividade de sua vida interior e exterior. Mas isso só é objetiva e realmente possível [...] quando a individualidade, a unicidade de uma época, de uma figura histórica etc. reside na originalidade dessas formas estruturais e pode ser encontrada e mostrada nelas e por elas. No entanto, a realidade imediata não pode, nem para o homem que a vive, nem para o historiador, ser dada imediatamente em suas formas estruturais verdadeiras. Estas devem ser primeiro buscadas e encontradas – e o caminho que leva à sua descoberta é o caminho do conhecimento do processo de desenvolvimento histórico como totalidade.” (p. 316) Lukács afirma que, à primeira vista, esse processo parece um processo de puro pensamento, de abstração, mas essa aparência surge da forma de pensar do imediatismo (para quem as formas imediatas de existência do objeto aparecem como o real, objetivo, enquanto as relações do objeto aparecem como algo subjetivo e secundário). “Para esse imediatismo, toda modificação real deve representar algo incompreensível” (p. 316). É preciso tomar distância do simples imediatismo para entender a integração da coisa ao sistema de suas relações e suas mudanças tomarem um caráter compreensível: “Para poder compreender a mudança, o pensamento deve superar a separação rígida dos seus objetos; deve colocar sua interrelações e a interação dessas ‘relações’ e das ‘coisas’ no mesmo plano de realidade” (p. 316-317). Isto ocorre apenas “quando a superação do imediatismo torna os objetos mais concretos, quando o sistema conceitual de mediações assim alcançado [...] implica a totalidade da empiria.” (p. 317). Os sistemas conceituais racionais, formais e abstratos, por seus limites metódicos, não possibilitam superar a simples facticidade dos fatos históricos, com eles, pode-se chegar, na melhor das hipóteses, a “uma tipologia formal das manifestações da história e da sociedade, na qual os fatos históricos podem intervir como exemplos. Isso significa que, entre o sistema de compreensão e a realidade histórica objetiva a ser compreendida, subsiste um laço similar e simplesmente contingente." (p. 317-318).


“[...] a própria realidade histórica só pode ser atingida, conhecida e descrita no curso de um processo complicado de mediações. Não se deve esquecer, contudo, que imediatismo e mediação são momentos de um processo dialético, que cada grau do ser (e da atitude de compreensão para com ele) tem seu imediatismo no sentido da Fenomenologia; [...]. A única maneira de sair desse imediatismo é pela gênese, pela ‘produção’ do objeto. No entanto, isso pressupõe que as formas de mediação nas quais e pelas quais é possível sair do imediatismo da existência dos objetos dados são mostradas como princípios estruturais e como tendências reais do movimento dos próprios objetos. Em outras palavras, a gênese intelectual e a gênese histórica coincidem, segundo o seu princípio” (p. 318-319). O autor afirma então que o pensamento burguês contribuiu cada vez mais, no curso histórico das ideias, para separar esses dois princípios e que essa dualidade no método levou à decomposição da realidade em facticidades que não são racionalizáveis, sobre as quais “foi lançada uma rede de ‘leis’ puramente formais e vazias de conteúdo” (p. 319). “Imediatismo e mediação são [...] não apenas tipos de atitude coordenados e mutuamente complementares em relação aos objetos da realidade, mas, ao mesmo tempo – conforme a essência dialética da realidade e o caráter dialético dos nossos esforços para nos confrontar com ela –, são também determinações dialéticas relativizadas. Isto é, toda mediação tem necessariamente de resultar num ponto de vista em que a objetividade produzida por ela assuma a forma do imediatismo." (p. 319-320), Lukács afirma que isso acontece com o pensamento burguês quanto ao ser histórico-social da sociedade burguesa quando aquele não é capaz de “descobrir novas mediações e de compreender o ser e a origem”(p. 320) do seu objeto como “produto do próprio sujeito que ‘produziu’ a totalidade compreendida do conhecimento” (p. 320), nesse caso o pensamento burguês “tem como ponto de vista último, decisivo para o conjunto do pensamento, o ponto de vista do simples imediatismo” (p. 320, grifos do autor).


Lukács afirma que Marx mostrou por meio de exemplos econômicos a ausência de mediação no pensamento burguês, atribuindo a essa ausência de categorias de mediação as falsas representações que a economia burguesa faz do processo econômico, cujo resultado é uma limitação ao “nível da representação simplesmente imediata” (p. 321).


Comentários:


- A ciência burguesa parte da representação imediata e é refém dela. Aqui representação é algo objetivo, é um elemento de objetividade.


- O imediatismo da burguesia (do pensamento burguês) é justamente supor que existe a “coisa em si”.


- O “em si”e “para si” é uma relação determinada, não é uma relação futura.


Remetendo às antinomias a que o pensamento burguês inevitavelmente chega, das quais ele tratou na seção anterior, o autor afirma que “trata-se agora de compreender que o pensamento burguês – embora somente chegue a essas antinomias após os maiores esforços intelectuais – aceita, porém, como evidentes o fundamento ontológico de onde brotam essas antinomias, como uma facticidade inquestionável, ou seja: o pensamento burguês relaciona-se diretamente com a realidade. [...]Mas, com isso, o que devia ser deduzido e compreendido com o auxílio da mediação torna-se o princípio aceito e declarado como valor da explicação de todos os fenômenos: a facticidade inexplicada e inexplicável da existência e do modo de ser da sociedade burguesa adquire o caráter de uma lei eterna ou de um valor cultural de validade intemporal.” (p. 321). Isso significa, para o autor, “uma autosupressão da história” (p. 322). Em seguida, ele afirma que “essa essência anistórica e anti-histórica do pensamento burguês apresenta-se a nós da maneira mais flagrante quando consideramos o problema do presente como problema histórico”. (p. 322, grifos do autor), citando como exemplo a incapacidade dos historiadores burgueses de perceber os fenômenos históricos do presente da história mundial como história universal. Esse limite teórico Lukács atribui a uma razão métodica: “a relação contemplativa e imediata entre sujeito e objeto do conhecimento cria justamente esse espaço intermediário e irracional, ‘obscuro e vazio’” (p. 322), tais obscuridade e vazio ficam ocultados pelo distanciamento – “criado pelo tempo, pelo espaço e pela mediação histórica” (p. 323) – com relação aos fatos passados, porém se evidenciam necessariamente quando se trata de fatos presentes. Lukács recorre à parábola de Ernst Bloch sobre a natureza como paisagem para ilustrar esse problema teórico, ocasião em que recorre a uma analogia com a arte quanto à distância intransponível (que tampouco a arte pode resolver) entre sujeito e objeto na vida moderna.


Lukács arremata então que “como resultado da incapacidade de compreender a história, a atitude contemplativa da burguesia polariza-se em dois extremos: os ‘grandes indivíduos’ como criadores soberanos da história e as ‘leis naturais’ do meio histórico. Ambos são igualmente impotentes – quer estejam separados ou reunidos – quando desafiados a produzir uma interpretação do presente em toda a sua novidade radical.” (p. 324)


Retomando a analogia com a estética, Lukács afirma que na obra de arte, dada a sua imediaticidade contemplativa, não se permite que se considere o problema da mediação. Ao contrário, o presente como problema da história exige “imperiosamente” essa mediação. O autor conclui a seção afirmando que na busca pela mediação revela-se o que Hegel diz sobre um nível da autoconsciência: “A consciência acabou se transformando num enigma para si mesma, como resultado de sua experiência, que era a de revelar sua verdade a si mesma. As consequência dos seus atos não são para ela seus próprios atos; o que acontece com ela não é para ela a experiência do que é em si; a passagem não é uma simples modificação formal do mesmo conteúdo e da mesma essência, representados uma vez como conteúdo e essência da consciência, e outra como objeto ou sua própria essência intuída. A necessidade abstrata vale, portanto, para o poder incompreendido, somente negativo, da generalidade, na qual a individualidade é esmagada” (HEGEL apud LUKÁCS, p. 324-325, grifos originais)




[1] Filósofo neokantiano da Escola de Baden, buscou dar fundamentação científica às ciências históricas ou culturais por meio de uma fundamentação axiológica. Na linha de Windelband, Rickert coloca a fundamentação das ciências históricas ou culturais no centro da distinção entre as ciências empíricas como naturais ou culturais, considerando que não é possível dividi-las com base na distinção espírito e natureza. Para ele, a história é uma ciência da cultura humana, tendo por objetos fenômenos que têm, valor, significado e que, portanto, são singulares. Por isso, a história precisaria de um método específico capaz de apreender sua especificidade dado o seu objeto singular e sua busca por reconstituir individualidades. “Neste sentido, Rickert busca fundamentar axiologicamente o conhecimento histórico, pois julga que apenas por meio dos valores torna-se possível selecionar o essencial no ‘rio caudaloso de la realidad’ multifacetada e parcialmente cognoscível – isto é, não passível de ser abarcada em sua totalidade –, a realidade deve ser simplificada para se tornar apreensível.”(PRECIOSO, Daniel; Ricetto, Petrus. CIÊNCIA, MÉTODO ECONCEITUALIZAÇÃO NA FILOSOFIA DA HISTÓRIA DE HEIRICH RICKERT (1899-1905).Revista de Teoria da História. Ano 7, Volume 14, Número 2, Novembro/2015 Universidade Federal de Goiás ISSN: 2175-5892, p. 259).



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